O Chelsea e os milionários de algibeira
A ameaça de fecho do Chelsea reaquece o debate entre quem defende e quem renega o investimento privado nos clubes. Com um dado adicional: por cá, nunca passaríamos de milionários de algibeira.
Uma das perguntas que mais vezes me têm feito no Futebol de Verdade (de segunda a sexta-feira, às 12h30, no meu canal de YouTube) é se sou ou não favorável à compra dos nossos maiores clubes por grandes investidores. Não sou, já o disse. Reconheço ao futebol da modernidade a dimensão do negócio que não se compadece com limitações legais à entrada de capital. Não creio que tal deva ser proibido e conheço até muitos casos em que adeptos e donos estabelecem relações de parceria sã, unidos em torno de objetivos que, no fundo, são comuns. Mas não sou favorável ao controlo total dos clubes por investidores privados, porque acho que os benefícios daí retiráveis não compensam os riscos. E de vez em quando lá aparece um caso, como o do Chelsea dos dias de hoje, para nos lembrar o que pode custar a venda da alma ao diabo.
No fundo, dir-me-ão, que basta não vender a um tipo que seja próximo de outro que depois se lembra de iniciar uma guerra, como sucede com Abramovich e a sua relação com Putin, na qualidade de herdeiro de Yeltsin. Mas não é assim tão simples. Também há o risco de vender a uma família que não tem dinheiro para investir, contrai dívida para comprar e estabelece como motivação principal da gestão do clube o lucro – em vez do sucesso desportivo – para poder ir cumprindo com o serviço da dívida, como acontece com os Glazer no Manchester United. E ainda no último jogo, na segunda-feira, os adeptos do United tinham planeado sair do estádio antes da volta de honra da equipa, no final da partida contra o Brentford FC, como forma de protestar contra a família Glazer e a quase certa ausência da próxima edição da Liga dos Campeões, que veem como resultado de uma gestão catastrófica desde que os norte-americanos entraram no clube.
O Chelsea está pior, porém. O clube londrino corre sérios riscos de fechar portas a 31 de Maio, porque Roman Abramovich parece ter recuado nas motivações filantrópicas que o tinham levado, por exemplo, a perdoar os 1.500 milhões de libras – quase 1.800 milhões de euros – que o clube lhe deve neste momento ou a abdicar dos 4.150 milhões de euros que o norte-americano Todd Boehly concordou pagar pela compra após uma muito concorrida oferta pública, doando-os a organizações de apoio às vítimas da guerra na Ucrânia. Foi com base nessas promessas que o governo britânico acedeu a deixar o Chelsea fora da lista de ativos bloqueados ao oligarca russo. E, se bem que ainda não tenha havido um desmentido formal, já se fala com demasiada insistência na intenção de Abramovich receber esses valores através de uma off-shore que se suspeita possa estar a ele ligada. Algo que o governo britânico nunca poderá autorizar e que, a não ser que se resolva, levará a que o Chelsea não tenha licença para operar quando for preciso fazer as inscrições com vista à nova temporada da Premier League – e assim, quem sabe, talvez o Manchester United até possa vir a caber na Champions de 2022/23.
Não é justo que os futebolistas de excelência sejam menos recompensados do que os atores de excelência, por exemplo. Por que razão é que Leonardo Di Caprio ou Will Smith, que ainda por cima têm a possibilidade de fazer carreiras longas, hão-de poder ficar bilionários a gravar filmes e depois Cristiano Ronaldo e Leo Messi teriam de jogar pelo amor à camisola e acabar os seus dias pobres ou remediados, como muitos heróis do futebol de gerações anteriores? Se o futebol gera receitas milionárias – e isso é culpa nossa, dos que pagamos para o consumir – o mais normal é que se converta em indústria e, assim sendo, seja gerido de acordo com os princípios que regem outras indústrias do entretenimento, recompensando devidamente os seus melhores. É com base nessa convicção que defendo a possibilidade legal de os clubes serem comprados por grandes investidores, sejam quais forem as suas motivações. Assim de repente posso aqui elencar várias: busca de lucro, desejo de notoriedade, amor a um clube, branqueamento político, social ou de Estado ou até pura e simplesmente não se saber o que se há-de fazer com tanto dinheiro que se tem. Todas essas motivações estão à bem vista na extensa lista de donos dos maiores clubes do Mundo, que aprofundei na série de doze artigos dedicados aos Donos da Bola (tem aqui o link para o primeiro, relativo à Premier League, e depois é só pesquisar no meu Substack para encontrar os outros).
A entrada de grandes investidores, porém, não é a única forma de um clube chegar ao sucesso neste mundo do futebol. E o facto de um clube ser gerido de forma profissional e virada para a indústria não é apanágio exclusivo desse modelo de propriedade. É possível ter uma gestão profissional e compatível com a grande indústria mantendo a maioria do capital, como fazem os dois grandes espanhóis ou o Bayern, por exemplo. Como é possível crescer com base num enorme investimento privado e mesmo assim não perder o foco. No fundo, um clube será sempre aquilo que determinar a sua base social de apoio. O Chelsea está hoje na situação em que está porque, na verdade, como clube valia pouco antes da entrada de Abramovich, em 2003: em 98 anos de história antes de serem comprados pelo oligarca russo, os blues tinham ganho uma Liga inglesa, três Taças de Inglaterra, uma Taça da Liga e duas Taças das Taças; nos 19 anos desde então venceram cinco vezes a Premier League, cinco Taças de Inglaterra, três Taças da Liga, duas Ligas dos Campeões, e duas Ligas Europa.
Que Abramovich fez este Chelsea, não há dúvidas. Que o crescimento era falso, também não – e estão lá os 1.800 milhões de euros em dívida ao dono para no-lo recordar. Que a coisa, depois, pode correr mal, quando o dono resolve sair – ou é impelido a fazê-lo –, é o presente que o evidencia. Sem Abramovich, os adeptos do Chelsea não teriam vivido estas duas décadas de felicidade quase extasiante. Mas sem ele também não estariam em risco de ver o clube ir pelo cano neste momento. É claro que podem defender que uma coisa vale a outra. Que mais vale ser rei por um dia do que viver de joelhos a vida toda. Ou que para tal basta escolher bem a quem se entregam as chaves do castelo. Aceito a primeira ideia – embora dela discorde – mas contesto fortemente a segunda. Porque a irracionalidade ligada à emoção que nos liga aos clubes leva-nos sempre a achar que tudo vai correr pelo melhor. Os adeptos do Newcastle United chegaram a ir para St. James’ Park usando cafias para celebrar a compra do clube pelo fundo soberano da Arábia Saudita. Em Paris, entre adeptos do PSG, não terá havido muita preocupação com as alegações de financiamento do terrorismo do estado islâmico por parte do emir do Qatar, que também é dono do clube. Nem a FIFA, que é gerida com frieza em nome sobretudo da prosperidade do negócio – e não há mal nenhum nisso – se preocupou com isso quando deu a organização do Mundial de 2018 à Rússia e o de 2022 ao Qatar.
Uma coisa, porém, deve ficar clara para todos. Apesar da confusão entre o Belenenses e a sua SAD e da ameaça que se coloca neste momento nesse sentido no Santa Clara, os problemas do futebol português não são os investidores privados. Nem se resolvem com a entrada de investidores privados. Por uma razão muito simples. Ninguém investe mais do que aquilo que precisa para fazer um negócio. E, por muito que vocês achem que valham os vossos clubes, eles continuarão a jogar numa Liga pobre em receitas e discreta em visibilidade. Quem tem o músculo financeiro de um Abramovich, de um Mansour ou de um Al-Thani nunca investiria num clube português. Por aqui, continuaríamos à mercê de milionários de algibeira. E esses, nem para os mais radicais defensores do investimento privado e plenipotenciário no futebol fariam a diferença.
Caro Tadeia, pois por achar que estamos numa Liga pobre e mal "vendida" é que sou adepto da entrada de grandes investidores nos nossos clubes (especialmente, nos 3 grandes). Já vamos tarde. Longe vai o tempo do sócio-pagador. Continuássemos nesse registo, sem sad ou sduq, e estaríamos hoje na segunda pré-eliminatória da Champions e muito mal no ranking da UEFA. É o mundo perfeito? Nada disso. Sabemos todos que o futebol é, infelizmente, tudo menos paixão. Porque quem manda quer lá saber que o adepto sofra e faça sacrifícios para acompanhar o clube do seu coração.
Os exemplos de investimento privado no futebol português, com uma maioria a ser adquirida por investidor externo, tem um rosto e chama-se Beira Mar. Todos vimos o que aconteceu e onde está hoje o Beira Mar.
Os clubes portugueses têm um problema que faz com que, irremediavelmente, apenas captem investidores de algibeira e pessoas de índole duvidosa que vendem mundos e fundos mas que entram no negócio do futebol mais para lavar dinheiro e com fins obscuros...O facto de que cá, os clubes pelam-se para encontrar investidores mas depois querem sol na eira e chuva no nabal. Querem que invistam milhões, paguem as dívidas e contratem jogadores, mas querem continuar a ter o controlo do clube. No fundo querem gerir o clube com o dinheiro dos outros, o que é insustentável. Quem investe quer controlar e não entregar a gestão a uma pessoa qualquer. Quem aceita investir nessas condições, desde logo demonstra que não entra de forma séria, e resulta, quase sempre, com clubes a serem enganados e a ficarem ainda pior do que estavam antes de entrar o alegado investidor.
O risco de entregar a gestão a um investidor externo, sem qualquer ligação emocional ao clube é muito grande, porque retira o poder de decisão dos sócios que são a alma do clube e gera situaçoes como as que vemos no Chelsea e no United. Em Portugal a nossa lei das sociedades desportivas confere sempre as ações de categoria A aos clubes, que garante o poder de veto do clube em algumas questões essenciais mas em questão de gestão do clube já fica mais complicado.
O nosso modelo em que se confere maioria ao clube é o mais apropriado. Mais do que um investidor para alavancar o nosso futebol, acredito mais em parcerias em que fique bem claro o que cada um tem a ganhar.
Não tenho dúvidas que para os clubes do sul da Europa o modelo de fundos de investimento com partilha de direitos económicos nos passes dos jogadores era um bom modelo ( desde que tivesse regras e fiscalização), para poder tornar os clubes mais portugueses mais competitivos, atacando mercados que normalmente não teriam capital e partilhando custos e proveitos das transações desses ativos.
Assim, quem investe tem a sua margem de lucro mas não entra na gestão dos clubes e não há o risco de se um dia decidirem sair o clube ficar na penúria e ao abandono.
Claro que a partilha dos direitos económicos foi proibida pela FIFA e UEFA porque as grandes ligas, principalmente a alemã, inglesa e a francesa não priorizavam esse tipo de investimento e não queriam ver os clubes de ligas do sul da europa a ganharem uma maior capacidade para competir, criando novos concorrentes. Daí que nem se deram ao trabalho de sequer regular os fundos, como não lhes servia os interesses, pura e simplesmente, proibiram-nos.