O Chelsea e a falta de golos
O Chelsea até cria, mas não marca, por falta de gente que tenha uma boa relação com o golo. Falta um ponta-de-lança? Eis uma maneira de resolver a questão. Mas não é a única e nem tem de ser a melhor.
Às vezes há coisas que surpreendem, como os 23 golos que João Mário já leva este ano, quando nunca tinha feito mais de sete em nenhuma das dez épocas anteriores enquanto sénior, mas o comportamento dos jogadores de alta competição face a uma baliza é mais ou menos previsível e é cada vez mais base de ferramentas de scouting. Por exemplo: é possível olhar para o grupo do Chelsea e, apesar dos 600 milhões de euros torrados nos mercados desta época, antever as dificuldades que ele tem frente àquele retângulo guarnecido de redes que é preciso violar. Ainda ontem vimos isso acontecer no 0-0 com o Liverpool FC, com uma resma de ocasiões flagrantes perdidas: o Chelsea acabou com um índice de golos esperados (xG) de 2,29 mas não bateu Allison. Do que vos falo não é da eterna busca do ponta-de-lança goleador. Não estou a dizer que uma equipa precisa de ter um nove capaz de marcar 40 golos por ano para ter sucesso. Nada disso! Há muitas formas de lá chegar, mas fica mais difícil fazê-lo numa equipa cujos jogadores têm má relação com o golo. E atenção que um jogador pode ter uma boa relação com o golo e nem ser ponta-de-lança. Há defesas laterais com uma boa relação com o golo. Há médios com excelente relação com o golo. Pode fazer-se uma equipa de sucesso sem um ponta-de-lança prolífico como Haaland – ainda que ter um jogador com aquelas caraterísticas ajude bastante – mas não pode fazer-se uma equipa de sucesso com atacantes que andam sempre abaixo do que o jogo lhes oferece. Havertz, que ontem jogou na frente, perdeu uma série de golos cantados – e depois viu o VAR anular-lhe aquele que conseguiu marcar, porque na realidade o fez com a mão esquerda, após ressalto no guarda-redes –, mas está já na terceira época no Chelsea, todas com um total de golos abaixo do esperado face às situações de que beneficiou. Contando apenas os jogos de campeonato, fez sete golos para um xG de 11,4 esta época, oito golos para 10,6 na época passada, quatro golos para 6,3 há dois anos. Félix, que alinhou ao lado do alemão, também anda abaixo do esperado – fez cinco golos entre Atlético Madrid e Chelsea, esta época, para um xG de 6,25 –, mas o que salta à vista nele é a pouca frequência com que se coloca em situações de finalização mais promissoras: até remata mais que Havertz (4,01 contra 2,51 remates por 90 minutos na Premier League), mas tem um xG bastante inferior. O Chelsea anda à procura de um novo treinador e o fundamental mesmo é encontrar um que case a ideia de jogo com os jogadores de que dispõe. Que, se olha para os avançados e verifica que eles têm má relação com o golo, crie dinâmicas que façam com que apareçam mais os médios ou os alas em situações para finalizar. É que a alternativa não é boa de se ouvir: passa por torrar mais umas centenas de milhões de euros no mercado em busca de quem seja capaz de olhar para a baliza e chutar sem tremer.
A cláusula de Amorim. Rúben Amorim falou ontem precisamente do Chelsea, sem falar. Pois o treinador do Sporting, que tem sido apontado pelos jornais ingleses como um dos seis que estão nas cogitações de Todd Boehly e da Clearlake Capital para suceder a Graham Potter em Londres – com Julian Nagelsmann, Luis Enrique, Maurício Pochettino, Oliver Glasner e Luciano Spaletti –, disse que quer cumprir contrato até 2026, que está muito feliz em Alvalade, mas a seguir acrescentou que só quer sair pelos 20 milhões de euros da cláusula de rescisão, que no dia em que quiser sair comunica e vai. Assim, de repente. Portanto, ficou por esclarecer essa questão: pode esse dia estar próximo? Pode ser já? Francamente, acho difícil. Porque o próprio Amorim já tinha dito que só fala de mercado durante um mês, no final da época, e o Chelsea precisa de mudar agora, de falar com os candidatos agora – e seria muito mau para o Sporting perder a Liga dos Campeões num contexto em que o treinador andava a ser entrevistado por outros clubes com vista a mudar de emprego. Se até Nagelsmann parece renitente em pegar na equipa imediatamente e Pochettino não é líder para estas cilindradas, a urgência pode levar Boehly ao único disponível no imediato: Luis Enrique. E pronto, fecha-se o círculo. O que pode ser melhor para uma equipa que tem um plantel cheio de jogadores com má relação com o golo do que um treinador cujas equipas fazem mais de mil passes por jogo mas não rematam?
A revolta dos indignados. Tivemos, há um par de semanas, aquele episódio grotesco de ver parte do público da seleção nacional a assobiar um dos seus próprios jogadores, no caso João Mário, por causa do episódio que levou à sua saída do Sporting, com regresso ao Inter Milão e, depois, entrada no plantel do Benfica. A coisa pareceu-me bastante despropositada, pois os espectadores estavam a assobiar um jogador da equipa que era suposto estarem a apoiar – e não era por nenhuma razão relacionada com aquele jogo ou com aquela equipa. Porque o ato de assobiar, de protestar, de apupar, de criar atmosferas difíceis para os adversários, é uma parte indissociável do fator casa. Os espectadores terão sempre o direito a assobiar – a insultar é que não... –, tal como aos jogadores pode sobrar depois o direito à indignação. Foi o que fez Lukaku no Juventus-Inter de ontem. Ou o que tinha feito Francisco Geraldes no FC Porto-Estoril de há tempos. Este, forçado a bater um penalti debaixo de um coro de assobios, fez golo e colocou a mão no ouvido, como que a dizer que já não estava a ouvir os adeptos do Dragão. Era provocação? Pepe achou que sim e pressionou. O árbitro entendeu que não, que era o direito à indignação, e não lhe deu o amarelo pedido pelo capitão portista. Ontem, depois de passar o jogo a ouvir das boas dos adeptos da Juventus, Lukaku foi chamado a bater um penalti, com o acréscimo de responsabilidade de a coisa já ter sucedido nos descontos da segunda parte e de o resultado depender daquele remate. O belga fez golo (o empate) e festejou com a mão direita na testa, em gesto de continência, e o dedo indicador da esquerda a travar os lábios, como que a mandar calar as bancadas. Cuadrado foi pedir-lhe batatinhas e a coisa acabou num sururu e na expulsão de Lukaku, que já tinha um amarelo. Os indignados terão sempre o direito à revolta, mas é importante que se perceba que há um ponto em que tem de se traçar o risco no chão. Porque os adeptos assobiaram Lukaku – e, dizem do Inter, até lhe dirigiram insultos racistas –, este ficou indignado e respondeu-lhes. Cuadrado estava indignado por ver que o golo que ele próprio marcara pouco antes não ia dar a vitória e foi para cima do belga. Agora imaginemos que os adeptos pensavam da mesma maneira. Ia dar tragédia.