O caminho de Koeman para o Barça
O caminho de Koeman vai ser duro, porque vai equivaler a uma espécie de purga filosófica num clube que precisava de encontrar a via dos homens.
A imagem tresanda a Verão, que está a acabar, mas tem força suficiente para garantir que este vai mesmo ser o caminho do novo FC Barcelona. Ali vejo a barriga proeminente de Koeman, os Bottega Veneta de 900 euros nos pés, que parecem um desperdício para uma linha lateral, a mão estendida a um Messi que, ridiculamente vestido de rosa e verde-água, lhe retribui o cumprimento sem baixar os olhos, depois de dois golos ao Girona FC, numa hora a jogar a 9, que o amigo Luís Suárez foi deixado em casa. Koeman pode ter cada vez mais aquele ar de holandês reformado de férias em Vale do Lobo, mas tem a vantagem de ser um homem de convicções fortes, uma espécie de capataz de fazenda cuja presença impele os operários a obedecer. Vai resultar? Provavelmente não. Mas é sempre interessante ver alguém bater-se pelas suas ideias.
As ideias de Koeman, por sinal, até favorecem a afirmação do jovem português Trincão, que ontem foi titular no ataque, a partir da direita, oferecendo um dos golos a Coutinho, que jogou do outro lado. O 4x2x3x1 colocado em campo pelo holandês, a onze dias da estreia na Liga – que por ter estado na Final8 da Champions, o Barça beneficia do adiamento da ronda inaugural, contra o Villarreal CF – mostrou um ataque com Trincão e Coutinho nas alas e com Messi a 9, à frente de Griezmann. É o regresso dos extremos a um Barça que sempre teve dificuldades de casar as ideias de Cruijff com a liberdade exigida em campo por Messi. O génio holandês gostava de ter largura, o astro argentino preferia partir da direita, para depois surgir no meio. Koeman, que ainda viu Cruijff jogar – ao meio, pois então… – quer gente a alargar o jogo, nem que para isso precise de acabar com o monopólio do meio-campo de que beneficiava Busquets, dando-lhe a companhia permanente de De Jong, e explicar a Messi que o lugar dele é frente à baliza, mesmo que de lá fuja quando lhe aprouver, para participar nas manobras de criação e para tirar referências de marcação às defesas adversárias.
Com os quatro titulares de ontem no ataque, mais Fati, Dembelé, Konrad e até Braithwaite, Koeman já explicou a Suárez que não conta com ele e que o melhor é mesmo ir embora. Este é um caso diferente do habitual em craques da dimensão de Suárez: geralmente são os clubes que ficam suspensos, à espera da decisão dos jogadores até aos últimos dias de mercado. Aceitam ficar ou querem ir embora? Aqui, o jogador quer ficar, mas o clube já foi claro: espera que o uruguaio arranje equipa. E se não arranjar? “Se ele não encontrar equipa e acabar por ficar, será mais um no plantel”, disse ontem Koeman. Que é como quem diz: se ficar não joga, mas a lei obriga a que o trate como a outro qualquer, pelo que vou dizer que é mais um. O caso de Suárez, aliás, não é único no Barça. Há Rafinha, com quem Koeman também não conta, e até Vidal, cuja incorporação no Inter ainda não foi finalizada porque depende da saída de Godín para o Cagliari e os nerazzurri ainda não foram capazes de fechar acordo de verbas com o central uruguaio – os uruguaios, de facto, parecem ser ossos duros de roer.
No fundo, há muita qualidade a sair de Camp Nou e a tentação inicial será sempre a de se pensar: mas se a época anterior já foi o que foi, sem títulos, estes craques não fazem falta? É aí que entra a visão de Koeman. O holandês, já o disse, é um tipo de convicções fortes. Defende o jogo à holandesa, até foi o “treinador em campo” da equipa que Cruijff levou à conquista da Liga dos Campeões, mas não é um purista como era, por exemplo, Quique Setién, que dormia e acordava a pensar nos treinos e na ideia de jogo de Cruijff. Koeman é “cruijffista, ma non troppo”. Ao FC Barcelona servirá como o homem que aponta um novo caminho, um caminho em que, como ele próprio disse no discurso de apresentação, se acabam os privilégios – e foi isso que levou Messi a querer ir embora. Pode nem ganhar nada, mas a sua passagem pelo banco do Barça equivalerá a uma espécie de limpeza filosófica capaz de expurgar o clube da radicalização idealista e de o colocar no caminho mais prático dos homens.