O balanço do Sporting
A presença na Champions pode ser importante, mas é uma insignificância face ao que pode representar a conquista do título nacional. As equipas e o futuro constroem-se com vitórias.
Como dizem os americanos, em alusão à ópera, “it’s not over until the fat lady sings” [em português, o “não acaba até a senhora gorda cantar” não soa tão bem…], mas o jogo de ontem deu um pouco mais de certeza de que o Sporting vai mesmo ganhar a Liga. Já tinha dito no Futebol de Verdade que este campeonato já ninguém o pode tirar aos leões, ainda que eles possam sempre deixá-lo cair das mãos com uma abordagem mais insegura. Contudo, não foi isso que Vila do Conde mostrou. Frente a um Rio Ave que esta época tem sido sempre mais frágil do que a avaliação do plantel faria pressupor, a equipa de Rúben Amorim exibiu até sinais de retoma, de que já sacudiu de cima dos ombros o peso da pressão e do medo cénico que a tolheu durante cerca de um mês, a caminho de um objetivo do qual depende muito o futuro do clube. Assim os seus responsáveis saibam aproveitar o balanço – e há 20 anos não souberam, porventura por terem olhado mais para o lado financeiro do que para o desportivo.
À medida que se aproximam da meta – só faltam quatro pontos e logo à noite podem faltar ainda menos, se entretanto o FC Porto não ganhar na Luz… – os jogadores vão deixando de acusar o peso da responsabilidade que implica a hipótese de interrupção do mais longo jejum de títulos da história do clube (19 anos). E ainda que a certeza matemática da presença na fase de grupos da Liga dos Campeões tenha levado Rúben Amorim a falar ontem, no fim do jogo, em “alívio”, deixando até transparecer algum sentimento de culpa injustificado pelo que custou a sua contratação, esse não é o prémio mais importante à mercê dos leões. Os 10 milhões – agravados pela demora no pagamento – que custou o treinador contratado ao SC Braga em manobra de risco máximo ou até os cerca de 30 milhões que valerá a já assegurada presença na Champions são uma insignificância face à importância que, a concretizar-se, terá esta conquista na reanimação da paixão pelo clube numa geração que nunca o viu ganhar no futebol ou, se querem ser mais concretos, na valorização dos jogadores que estão a tomar parte na saga.
Há 21 anos, curiosamente, o Sporting também ganhou (na altura por 2-1) em Vila do Conde na 31ª jornada, conseguindo dessa forma manter a vantagem de dois pontos sobre o segundo classificado, que também era o FC Porto. No que faltava da caminhada para interromper o que na altura era um jejum de 18 anos sem títulos, os leões ainda tinham de defrontar – como agora – Benfica e Marítimo, acrescentando a esses dois compromissos a visita ao terreno do Salgueiros, onde fizeram a festa no último dia. Na equipa então liderada por Augusto Inácio estavam Schmeichel, André Cruz, Rui Jorge, Bino, Acosta ou Edmilson, todos eles com ampla experiência daquilo que é ganhar e de como agir nestas circunstâncias. Rúben Amorim não tem esse capital no balneário, mas dispõe de uma outra força, que lhe dificulta a tarefa e lhe aumenta a recompensa: tem uma equipa jovem, com margem de progressão apreciável e ainda sujeita a fortíssima valorização. Atentando aos valores atualmente atribuídos aos jogadores leoninos pelo Transfermarkt, um portal alemão especializado em transferências, Gonçalo Inácio, Nuno Mendes ou Tiago Tomás quintuplicaram de valor desde a chegada de Amorim a Alvalade. João Palhinha triplicou, Porro, Pedro Gonçalves ou Matheus Nunes duplicaram. Esta valorização dever-se-á, em parte, à evolução construída dia a dia no campo de treinos e nos jogos, devido à aposta que neles tem feito o treinador, mas justifica-se numa parte ainda maior com o trajeto vencedor desta equipa.
Da mesma forma que são fundamentais na valorização dos jogadores e cativam mais jovens que nunca viram o Sporting ganhar para viver o clube, as vitórias são a base do sucesso e são, até, foco de atração para as equipas de formação. Mesmo tendo ganho só duas Ligas em quase 40 anos, o que certamente influenciará a decisão dos miúdos (e até dos pais) em optar por Alvalade, os leões ainda atraíram muita gente. Desde a última conquista do campeonato, lá apareceram jovens como Ronaldo, Moutinho, Carlos Martins, Veloso, Nani, Yannick, Rui Patrício, Carriço, Cédric, Adrien, Fonte, William Carvalho, Dier, Bruma, João Mário, Domingos Duarte, Rúben Semedo, Podence ou Gelson Martins, para citar apenas os que chegaram a internacionais. Nenhum destes jogadores foi campeão no Sporting. Há duas décadas, depois de ganhar os campeonatos de 2000 e 2002 e com gente deste calibre no grupo, o Sporting foi incapaz de se manter no rumo certo, muito porque no clube foi crescendo a ideia de que era fulcral priorizar as conquistas financeiras face às desportivas, de que era, por exemplo, mais importante ser segundo no campeonato e aceder à Liga dos Campeões do que construir uma cultura de vitórias ganhando competições secundárias, como a Taça de Portugal ou a Taça da Liga. É por isso que o “alívio” de Amorim por ter garantido a Champions tem de ser sempre temperado com o aviso de que, como também disso o treinador, ainda falta “sofrer muito”. Nesta época e, sobretudo, nas próximas.