Nuno Mendes, a formação e a competição
É claro que se, como no caso de Nuno Mendes, um jogador interessa à seleção AA, os sub21 saem de campo. Mas não é porque não estejam lá para competir. A competição começa cedo.
Quando revelou que não tem Nuno Mendes na sua lista de convocados para a fase final do Europeu de sub21 porque ele vai ser chamado por Fernando Santos para a seleção principal, Rui Jorge assumiu a perspetiva construtiva da relação necessariamente conflituosa entre os dois escalões profissionais nas equipas nacionais. A prioridade é sempre a seleção principal, como é evidente, ainda que as coisas fluam de forma circular e que jogadores que já andaram na seleção A possam sempre voltar, como acontece agora com Trincão, que vai regressar aos sub21 com histórias de convivência com Messi para contar. Mas a retirada de um jogador aos sub21 para o levar à seleção AA só faz sentido numa de duas realidades: ou ele faz mesmo falta acima ou já não faz falta abaixo. Mais ainda quando o que está em causa é um Europeu da categoria a que ele pertence.
Claro que Nuno Mendes terá ficado radiante com a promoção. Já viveu fases mais eufóricas ao nível do rendimento, esta época, mas a ideia que fica é que a quebra recente teve mais a ver com a perda de fulgor nas dinâmicas coletivas da equipa do Sporting do que com ele em particular – aliás, não deixa de ser curioso que Pedro Porro, o lateral do outro lado, também já tenha parecido mais fresco e vá igualmente perder o Europeu de sub21 porque foi chamado por Luís Enrique para a seleção principal de Espanha. A questão, no entanto, deve sempre ser vista para lá da motivação do jogador e encaixa que nem uma luva numa outra, superior, que tem a ver com o papel da formação e com uma clara definição dos seus limites. Para que servem as equipas de formação? E serão os sub21 uma equipa de formação? Dito de outra forma: é claro que os interesses da seleção principal devem prevalecer, mas é boa ideia ter um jovem jogador parado na seleção principal e a fazer falta nos sub21, sobretudo quando a primeira vai jogar três jogos sem importância extraordinária e os segundos vão disputar um título europeu?
A primeira vez que fui confrontado com esta questão foi em Outubro de 1991, quando Carlos Queiroz privou os sub21 de Peixe e Figo num jogo decisivo, na Holanda, para os ter na seleção principal noutro desafio igualmente decisivo com os holandeses. Peixe até foi titular nos AA, Figo entrou na segunda parte, mas a opção do selecionador foi muito criticada, porque as duas seleções nacionais falharam os seus objetivos: a equipa principal perdeu (1-0), os sub21 empataram (1-1) e ambos ficaram fora dos respetivos Europeus, a jogar em 1992. A altura era de grande ênfase dada às seleções mais jovens, pois Portugal acabara de ser campeão mundial de sub19 em 1989 e 1991 e o afastamento dos sub21 da fase final do Europeu foi visto como uma espécie de traição à causa. Mas Queiroz podia apresentar em sua defesa o facto de contar mesmo com os jogadores para a equipa principal – e ainda cedeu João Pinto aos sub21, depois de o ter levado aos AA no particular com o Luxemburgo que antecedeu o desafio de Roterdão – e de ambos os jogos serem decisivos. Ora se Fernando Santos pode até dizer que numa qualificação que está a zeros todos os jogos são decisivos, falta ver até que ponto conta mesmo com Nuno Mendes e se a ausência do lateral no Europeu servirá mesmo de algo à seleção principal.
Data também da fase “queirosiana” das seleções essa ideia, difundida por Berti Vogts, à data selecionador alemão das camadas jovens, segundo a qual os portugueses eram, como dizer, demasiado competitivos nos miúdos. Que colocavam a competição à frente da formação. Que forçavam os miúdos a estágios sucessivos, que os “profissionalizavam” de forma precoce e que isso seria contraproducente. Ora, sendo certo que muito pode ser dito de Carlos Queiroz como treinador de elite, há um facto que para mim é inegável: a revolução de rendimento no futebol português começou com o trabalho dele. E se muito dessa revolução passava por questões que eram puramente organizacionais, o fundamental mesmo era fazer ver aos miúdos que podiam ganhar, que podiam bater-se com os maiores, alemães incluídos. Mais de 30 anos depois, a conclusão inevitável é a de que Carlos Queiroz tinha razão. E que a razão que se lhe dá esvazia um pouco o moralismo surreal que nos diz que até aos seniores não é importante competir. Se o que estamos a formar são competidores, eles têm de ser ensinados a competir desde cedo. E no caso da promoção de Nuno Mendes é sobretudo isso que deve ser avaliado.
É claro que o interesse da seleção AA prevalece face ao interesse da equipa de sub21. Claro que sempre que um jogador possa ser útil aos AA deve ser chamado, devendo os sub21 ir em busca de uma alternativa. Mas não compro a ideia de que os sub21 são formação e que por isso ali a competição não é importante. É importante. E há um Europeu para disputar.