Ninguém ganha ao Rangers
O Rangers jogou seis vezes com os três primeiros da Liga portuguesa e não perdeu uma única. Qual é o segredo, num plantel avaliado em 61 milhões de euros?
Vale a pena pensar um pouco no Rangers, que ontem, no seguimento do empate de aflitos que o Benfica arrancou em Glasgow, Jorge Jesus valorizou, afirmando que não era “uma equipazinha”. Este Rangers de Steven Gerrard, que vai com 18 vitórias e quatro empates nos 22 jogos que já fez em 2020/21, defrontou nos últimos 13 meses seis vezes as três equipas que ficaram nos primeiros lugares da última Liga portuguesa – o FC Porto, o Benfica e o SC Braga. Não perdeu nenhuma. Ganhou dois e empatou um dos três jogos em casa, ganhou um e empatou dois dos três que fez em Portugal. E, no entanto, também não é “uma equipazorra” – basta olhar para o valor de mercado do plantel que, diz-nos o Transfermarkt, atinge ao todo uns modestos 61 milhões de euros.
O mesmo portal especializado em transferências avalia, por exemplo, em 302 milhões de euros este plantel do Benfica que salvou dois empates com o Rangers na ponta final dos jogos, depois de estar a perder em ambos por dois golos de diferença. O FC Porto aparece a valer 255 milhões e o SC Braga 94 milhões. Na Liga portuguesa, com um valor facial bem acima do Rangers ainda encontramos o Sporting (149 milhões). O que quer dizer que, se as coisas se resolvessem simplesmente batendo a carteira, como muitos querem fazer crer, a equipa de Gerrard se colocaria ali ligeiramente acima de Vitória SC (48 milhões) e FC Famalicão (39 milhões) na luta por uma qualificação europeia que, na Liga escocesa, já dá como garantida. Esta época, aliás, parece inclusive ter condições para voltar a superar o Celtic (avaliado em 102 milhões pelo portal alemão) na corrida ao título e à hipótese de sonhar com a chegada à fase de grupos da Champions, onde os escoceses geralmente não vão e, se aparecem, é para fazerem de bombos da festa.
Lá está, Jesus também disse que o Rangers não era “uma grande equipa europeia”. Nem há disso na Escócia. Em 30 anos de competição, só por quatro vezes uma equipa escocesa passou da fase de grupos (o Rangers em 2006, antes da falência, e o Celtic em 2007, 2008 e 2013). E na maior parte das vezes o campeão escocês nem lá chega – ainda esta época o Celtic caiu na segunda pré-eliminatória, eliminado pelos húngaros do Ferencvaros. Afinal estamos a falar da 14ª nação do ranking de clubes que a UEFA estabeleceu para as competições europeias de 2020/21. E, no entanto, nenhuma das nossas equipas, nós que até somos sextos desse mesmo ranking, consegue ganhar ao Rangers. A um Rangers que teve de reconstruir do zero, depois da falência de 2012 – meses depois de ter lutado com o Celtic por mais um título, mudou de nome e entrou na III Divisão com uma equipa nova. O caminho de volta foi árduo e demorado, incluindo os títulos de campeão da III Divisão (que é a quarta) em 2013, da League One (que é a terceira) em 2014, a derrota na final do Championship (segundo escalão) em 2015 e a vitória em 2016, com subida à Premier League.
Nesse plantel, que acabou em terceiro lugar em 2017 – ano no qual chegou a ser dirigido pelo português Pedro Caixinha – já estava Tavernier, o lateral direito de ontem, contratado ao Wigan FC por 250 mil euros e atualmente avaliado em cinco milhões. Daí para cá, nunca houve grande investimento. Morelos, por exemplo, chegou em 2017/18 por 1,2 milhões de euros, vindo do HJK Helsínquia. Hoje dizem que já vale 15 milhões. Steven Gerrard pegou na equipa em 2018 e acabou a Liga de 18/19 em segundo lugar, a nove pontos do Celtic. No ano passado ficou a 13, ainda que com um jogo a menos, que a pandemia levou a que o campeonato fosse interrompido a meio. Nos três planteis que formou desde então, Gerrard gastou um total de 35 milhões de euros, com destaque para os 7,2 milhões investidos em Ryan Kent, extremo que chegou dos sub23 do Liverpool no ano passado. Foi o único jogador contratado acima de cinco milhões desde a falência.
E, no entanto, nenhuma das nossas melhores equipas ganha a este Rangers…
O segredo, hoje, já nem pode ser o público escocês, que antes da pandemia carregava as suas equipas até à vitória com um apoio incansável – além de que, os adeptos do Rangers que não me levem a mal, mas já vi jogos europeus em Ibrox e no Celtic Park e o ambiente deste último superava em muito o daquele. Há semanas, quando lhe perguntaram por isso mesmo, pelo segredo do Rangers, que disparou no topo do campeonato e comanda também o seu grupo da Liga Europa, Gerrard pareceu desvalorizar a questão. Limitou-se a balbuciar umas coisas acerca de ter abolido todas as justificações para o fracasso. “Não há desculpas”, sintetizou. Dá que pensar o que uma mentalidade dessas faria com um grupo de jogadores um bocado melhor.