Neues System
A crise exigia ao Benfica de Schmidt novas maneiras de fazer as coisas. E as soluções gritavam para ser chamadas. Neues, Neves, Neres... A retoma está em dois nomes, os melhores frente ao Estoril.
Às vezes, há coisas numa palavra que nos empurram para a sua génese. Estava a ver o Benfica, ontem, contra o Estoril, e a empancar sucessivamente no mesmo. Neres, Neves, Neues... Muda só uma letra. Não sei se a coisa passou pela cabeça de Roger Schmidt, mas depois de quatro jogos sem ganhar, três derrotas e um empate, havia que encontrar uma nova maneira de fazer as coisas. Um “neues system”, para usar o idioma alemão em que o treinador deve seguramente pensar, exige novas soluções. E havia ali malta que lhe gritava que podia ajudar. Neues, Neres, Neves... O Benfica jogou como joga sempre e até pode dizer-se que teve o jogo num limbo até ao final, que o 1-0 não dava tranquilidade a ninguém, mas o que mostrou em campo foi muito diferente da equipa triste que se vinha exibindo neste mês de Abril. O Benfica de ontem mandou no jogo, raramente permitiu que o Estoril mostrasse os dentes, e isso teve certamente algo a ver com as novidades introduzidas depois de muita resistência à mudança por parte de um treinador que deixara o seu onze cristalizar e remetera os restantes jogadores do plantel a uma insignificância que não ajuda. Bem pelo contrário. De Neres já se sabia o que podia dar – e ele mostrou-o, por exemplo, no rasgo individual com que construiu o golo de Otamendi, a escolher um zigue quando dele se esperaria um zague, de modo a cruzar com o seu pior pé, que é o direito. O brasileiro é o jogador mais criativo do plantel dos encarnados e tê-lo à margem, seja por que razão for, quando a equipa está em bloqueio ofensivo, não é justificável. Neves foi a surpresa. O miúdo que joga com os calções puxados até aos sovacos – a ver ao longe fica essa ideia, porque é pequenino e usa sempre a camisola dentro dos calções – deu muita dinâmica ao meio-campo, ora disponibilizando-se no círculo central, para tocar e retocar, ajudando a desmontar a boa organização defensiva estorilista, ora invadindo o lado direito, convidando Aursnes, mais uma vez investido na posição de lateral, a mostrar-se mais por dentro. Neres foi importante porque trouxe criatividade e invenção, Neves porque não inventou e proporcionou a regularidade mecânica de um futebol de inspiração Moutinhesca: parece que não faz nada de especial – e não faz, de facto, a não ser aquilo que é difícil, que é jogar simples. O Benfica esteve longe de ser brilhante ontem, mas deu pelo menos a ideia de já ter batido no fundo e de estar a regressar a uma curva ascendente. E estava tudo em dois nomes: Neres, Neves, Neues.
O VAR de Schmidt. Roger Schmidt tem todo o direito de estar contra o VAR, sobretudo por ser coerente nessa forma de pensar: sempre que falou do tema, mesmo antes de chegar a Portugal, foi para se mostrar contra e, mais ainda, só falou do tema depois de jogos que não ganhou. Mais coerente do que isso não se pode ser. Mas, tal como ele tem todo o direito de ser contra o VAR, a mim sobra-me o direito de achar que isso não faz nenhum sentido e que só viu a luz do dia por causa da frustração dos tais quatro jogos seguidos sem vitória e de uma série de caixas de ressonância que ganham a vida a amplificar polémicas estéreis ou a servir uma agenda específica. E nem é preciso começar aqui a elencar casos de acerto do VAR a favor e contra o Benfica, ou até de omissões do VAR, também a favor e contra o Benfica – esse é o papel dessas caixas de ressonância, que de resto o têm cumprido a preceito, num e no outro sentido. Basta explicar que em todas as atividades a tecnologia funciona como suporte válido à decisão mas não garante que essa mesma decisão seja sempre correta. Os treinadores têm também ao seu serviço hoje inúmeras ferramentas tecnológicas que não tinham há uns dez anos – os coletes GPS, os mapas de calor, a monitorização do repouso dos jogadores através de pulseiras... – mas só porque de repente há um que escolhe para jogar um jogador que não estava nas melhores condições isso não quer dizer que se comece a reclamar o regresso da escolha “a olhómetro” ou as visitas dos adjuntos-de-guarda a casa dos futebolistas para ver se eles estão mesmo a dormir ou se saíram para a farra.
Aos 40, ou vai ou arrebenta. Quem tenha visto a aceleração de Pepe, no jogo com o FC Paços de Ferreira, a ganhar um par de metros a Alexandre Guedes, onze anos mais novo, para fechar ao atacante o caminho da baliza de Diogo Costa, não pode senão aprovar a renovação do contrato do veterano central portista. Oferecer mais um ano a Pepe, que assim garante que fica no ativo até aos 41 – e depois logo se vê... – é uma formalidade que deve ser encarada na perspetiva realista de que ele pode não estar sempre lá. Pepe tem a sorte – que, já se sabe, dá sempre um trabalho dos diabos – de ter conseguido manter a velocidade de tempos idos, a experiência somada a um caráter de competidor nato permite-lhe enquadrar os mais novos no espírito que o treinador quer para a equipa, mas já não tem a consistência que lhe permita ajudar com a regularidade de outrora. Esta época foi, para ele, marcada por lesões, que até chegaram até a pôr em dúvida que pudesse estar no Mundial, por exemplo. Fernando Santos confiou na capacidade do seu subcapitão e, no Qatar, ele deu a melhor resposta, tornando-se um dos melhores da seleção. Conceição também não o teve tantas vezes como seguramente gostaria, mas quando ele está em condições mostra em campo as razões que lhe garantem a renovação. Como terá percebido Guedes no momento em que viu um senhor idoso passar por ele a toda a brida para o impedir de invadir a área portista.