Não vi, mas acho que...
Renato Gaúcho lançou Pepê no Grêmio e acha que é estranho ele, por vezes, jogar como lateral. Mais: pensa que ele deve ter dificuldades para o fazer. E é aqui que a porca torce o rabo.
Às vezes, como se diz no Porto, “fico tolo” com as coisas que leio. Em 1986, eu tinha 16 anos e já sabia que queria ser jornalista e especializar-me no futebol internacional por onde depois vim a começar a carreira, pelo que andava sempre à procura de novidades além das que toda a gente conhecia. Passei meses a dizer aos meus amigos do liceu, saudosos do Brasil de 1982 e do quadrado mágico formado por Cerezo, Falcão, Zico e Sócrates, que a sensação do escrete no Mundial do México ia ser Renato Gaúcho, um ponta direita ao mesmo tempo físico, veloz e capaz de galgar metros com bola, e técnico, com um reportório de fintas ao qual não era estranha a sua loucura e criatividade. Tinha-o visto jogar? Não, claro, que não havia Internet, nem YouTube, nem PFC, nem parabólicas que me ajudassem. Mas lia umas coisas aqui, outras ali e disparava. Fiquei arrasado quando, em vez de provar aos meus amigos que eu tinha razão, Renato acabou por ser afastado da seleção brasileira, primeiro por ter desrespeitado a hora de entrada no estágio após uma folga dominical, da qual voltou com uns copos a mais e apenas na manhã seguinte, e depois, quando já estava com pena suspensa, por ter chamado tudo e mais alguma coisa a Telé Santana num particular com a Jugoslávia em que Zico fez um dos golos mais fantásticos da carreira (tem um bom resumo do jogo aqui). A coisa foi mais ou menos assim: Renato queria fintar toda a equipa da Jugoslávia e não só acabava por perder a bola como depois não recuava para ajudar a defender. Telé gritava-lhe para ele voltar e ele xingava o treinador de volta. Até que este perdeu a paciência, substituiu-o no jogo e mandou-o para casa. Naquela altura, já lá vão quase 40 anos, aprendi uma lição: antes de dar opiniões tão definitivas, convém ver, porque a audiência podia ser pequena mas não devia ser menos respeitada por isso. Renato é que continua a surpreender-nos a todos, já não em campo com as suas fintas em velocidade ou com sentenças fatais como as que ditou acerca de Jorge Jesus, mas agora sobre Pepê, que ele lançou no Grêmio antes de o extremo chegar ao FC Porto. O quê? O treinador usa o Pepê como lateral-direito? “Do que conheço dele, tenho a certeza de que não está satisfeito se não joga no ataque”, disse ao Record de hoje. Mas pode fazer a posição? “Vai passar dificuldades sempre que apanhar o ala com capacidades físicas e no um para um”, decretou ainda. Também eu prefiro ver Pepê na frente, embora admita que, face às alternativas que Sérgio Conceição tem para todas as posições, o seu recuo para lateral possa ser uma solução a ter em conta. Ao contrário de Renato, não conheço nem nunca trabalhei com o jogador, pelo que não sei se ele aceita bem ou mal estas adaptações – e pode até dar-se o caso de em tempos ter aceitado mal e agora aceitar bem. Mas de uma coisa tenho a certeza: vi todos os jogos que ele fez no FC Porto e nunca lhe vi dificuldades como lateral. Quanto muito, acho que ele faz falta na frente. Renato não viu esses jogos, mas isso não o impede de achar. Como eu achava em 1986 que ele ia ser a maior figura da Copa. A diferença é que ele já não tem 16 anos.
O futuro de Messi. O L’Équipe publicou ontem o Top30 dos salários da Ligue 1, por onde se ficou a saber que Leo Messi recebe por mês pouco mais de metade do que o Paris Saint-Germain paga a Mbappé. Este está nos seis milhões de euros brutos por mês, o argentino nos 3,375. É muito dinheiro se o virmos na perspetiva financeira, mesmo que a construção da equipa de estrelas que joga no Parque dos Príncipes gere retornos capazes de pagar essas verbas. E é ainda mais dinheiro se olharmos para a coisa na perspetiva futebolística, porque tudo o que o PSG tem sido capaz de ganhar são provas internas, o que não chega a ser sequer meritório, uma vez que os dez mais bem pagos da Ligue 1 jogam todos ali, na franchise qatari do campeonato francês. E, no entanto, em Espanha, os jornais catalães continuam a alimentar a novela do regresso de Messi ao Barça. O Mundo Deportivo de hoje até conta que Xavi já conta com o argentino na sua planificação da próxima época, ao mesmo tempo que diz que o PSG quer renovar-lhe o contrato. Não se trata, portanto, do resgate de um jogador livre. Não: é uma guerra para conquistar o homem que levou a Argentina ao título mundial, é uma contratação em altas. Só não percebi quem vai pagar a conta.
A mosca na parede. Se é adepto de Fórmula 1 e do, dizem-me, extraordinário “Drive To Survive”, deixo-lhe duas notícias. A primeira é que a Premier League recusou a abordagem da Netflix para fazer uma série documental do género da que tem o circo da Fórmula 1 como pano de fundo, com acesso ilimitado, tipo mosquinha na parede, aos 20 clubes que nela participam. A segunda é que a recusa não se deveu a uma questão de princípio, mas sim a uma questão de dinheiro. A Netflix queria pagar a Premier League pela mesma bitola que paga a Fórmula 1, só mudando a moeda. Se para o automobilismo reservou cinco milhões de dólares – 4,590 milhões de euros – por ano, para a Premier League tinha um cheque de cinco milhões de libras – 5,680 milhões de euros. Na Fórmula 1, várias escuderias agradecem encarecidamente os 250 mil dólares que recebem por ano pelo acesso da Netflix, sendo que a Ferrari e a Mercedes chegam ao milhão anual. De caminho, o próprio circo ganha o valor-difusão, porque é hoje sabido que muita gente que andava afastada dele desde os tempos de Prost e Senna, de Piquet e Rosberg ou até de Hunt e Lauda, voltou à conta desta série. A mim ainda não me deu para isso, mas conheço alguns casos. O facto de a recusa da Premier League ter sido motivada por razões meramente financeiras podia levar-nos a achar que, havendo melhores propostas, a coisa acabaria por fazer-se. Não estou otimista, porém. É que o futebol, mais ainda a Premier League, já se está um pouco nas tintas para o tal valor-difusão. Já é o campeonato mais visto do Mundo em termos globais. E, francamente, o que são 250 mil euros por ano no orçamento de um clube desse campeonato?
Bom dia. Na foto quem está a “perseguir” o Pepê é o Iuri Medereiros e acho que esse é o jogo do Dragão 🤔