Não foi épico. Foi normal!
Os jogadores da Juventus estão avaliados em 2,6 vezes mais do que os do FC Porto, mas os dragões foram quase sempre melhores. A vitória portista não foi épica. Foi justa e normal.
A qualificação do FC Porto para os quartos-de-final da Liga dos Campeões, à custa da Juventus, não foi um feito histórico ou épico. Foi, simplesmente, o apuramento natural da melhor destas duas equipas. O resultado de Turim foi revestido de aspetos que o tornaram mais sofrido, como a recuperação in-extremis de Mbemba, Pepe e Corona ou a expulsão de Taremi, que deixou a equipa de Sérgio Conceição reduzida a dez homens por mais de uma hora, contando os 30 minutos de prolongamento. Mas, tirando os primeiros 15 minutos da segunda parte do jogo de ontem, em mais nenhum momento das três horas e meia que teve esta eliminatória a Juventus foi capaz de se superiorizar ao campeão português. Sinal dos tempos. Sinal de que a Juventus está fraca, de que o FC Porto está forte e de que o futebol português não tem de olhar para os grandes europeus de baixo para cima, como fez, por exemplo, nos 16 avos de final da Liga Europa.
Da debilidade desta Juventus de Andrea Pirlo já se suspeitava – vai certamente perder a Série A para o Inter e fica pela segunda vez consecutiva nos oitavos-de-final da Liga dos Campeões. Há ali material para fazer uma boa equipa – Cuadrado, Rabiot, Chiesa, Kulusevski, Ronaldo, Morata, Bernardeschi, De Ligt, McKennie… – mas um deserto total em ideias, a fazer pensar no que é que está a fazer Ronaldo em Turim. Se a intenção era chegar lá e ser campeão italiano, depois de o ter sido em Inglaterra e em Espanha, está feito. Se era chegar lá e voltar a ser campeão europeu, a falência deste projeto parece indicar que já não vai acontecer – e Fabio Paratici, diretor de futebol da Juventus, já deixou entender ontem que o divórcio entre as partes pode estar para breve. Tudo o que se viu dos italianos, ontem, foi circulação de bola, nem sempre rápida, de um corredor lateral para o outro, e incapacidade para ligar jogo por dentro, muito devido à superior organização e concentração defensiva portista. O resultado foram cruzamentos atrás de cruzamentos, que mais não fizeram do que permitir que surgisse a qualidade de Pepe, que assim controlou o jogo de cadeirinha.
A questão é que da força deste FC Porto nem toda a gente suspeitava. Eu já tinha dito ontem, no Futebol de Verdade, que não via nenhuma razão para que os dragões não pensassem em superar a eliminatória, mas a debilidade defensiva várias vezes mostrada pelo FC Porto esta época levavam-me a temer que a equipa não se aguentasse em Turim. Mas, lá está: tal como disse ontem, se a Juventus mais forte da época passada caiu aos pés de um Olympique Lyon que é mais fraco do que o FC Porto, porque é que os campeões portugueses não haveriam de pensar em seguir em frente também? Só porque na competição interna não têm estado bem e seguem a mais pontos do líder do que os italianos? Isso é verdade, mas este FC Porto tem-se transcendido sempre em termos de concentração quando joga na Liga dos Campeões – o que até pode ser prova de sobranceria quando do outro lado está um Marítimo, um FC Paços de Ferreira ou um Boavista em vez de estar um Manchester City ou uma Juventus e lhe custa o atual terceiro lugar na Liga portuguesa, bem atrás do Sporting e igualmente atrás do SC Braga.
Em Turim, Sérgio Conceição pediu a Corona e Otávio que acompanhassem as movimentações de Chiesa e Cuadrado, fazendo a sua última linha dançar para o lado da bola, quase sempre com cinco homens (embora envolvendo seis), e impedindo sempre a criação de situações de superioridade numérica através da aproximação do lateral respetivo (Manafá ou Zaidu). Isso e a proximidade entre linhas de uma equipa que, estrategicamente, baixou o bloco e trocou a pressão alta do Dragão pelo controlo da profundidade defensiva e obrigou a Juventus a jogar por fora. Depois, secada a fonte ofensiva dos italianos, restava alimentar o ataque – o que foi feito com as saídas em condução de Sérgio Oliveira e as variações de flanco a buscar, sobretudo, Corona. Frequentemente na primeira parte, menos vezes logo a seguir à expulsão de Taremi, mas ganhando outra vez fôlego à medida que os italianos perdiam força anímica, com o passar dos minutos sem que aparecesse o terceiro golo – ou sequer sérias ameaças de que tal pudesse suceder. Tivesse o FC Porto um pouco mais de qualidade de definição e nem teria perdido o jogo, quanto mais a eliminatória.
A Juventus tem melhores jogadores do que o FC Porto – pudera, se tem um plantel avaliado em quase três vezes mais (689 milhões de euros face aos 264 dos dragões). Mas o FC Porto tem melhor equipa do que a Juventus. Isso é uma coisa que só se percebe quando se põe uma em confronto com a outra no campo. E percebeu-se bem nestes dois jogos. É por isso que digo que a passagem da eliminatória não foi épica nem heroica. Foi normal. Correspondeu ao que se dizia na rádio nos anos 70 quando era pedido para resumir numa frase o que sucedera em campo: “Vitória justa da melhor equipa”.