Na Champions, ouvem-se violinos
Basta atentar ao início da música para o perceber: na Champions ouvem-se violinos. O FC Porto foi melhor do que o Inter, mas sentiu sempre a falta de um violinista que elevasse os tocadores de bombo.
O FC Porto foi melhor do que o Inter na maior parte do tempo dos dois jogos entre as duas equipas, mas foram os italianos quem seguiu para os quartos-de-final da Liga dos Campeões. Uma das razões imediatas para que Portugal não tivesse, pela primeira vez na história, dois clubes nos oito melhores desta competição, Sérgio Conceição identificou-a, a par de algumas explicações mais complexas. Foi a concretização. Mas uma análise mais cuidada, que o treinador por um lado deixou nas entrelinhas e por outro certamente fará no seio do grupo, não pode ficar-se por aí. Somando o índice de golos esperados das duas partidas, o FC Porto devia ter marcado 3,3 golos e fez... zero. Por sua vez, o Inter devia ter somado 2,2, também ficou abaixo, mas marcou ainda assim um, por Lukaku, em San Siro, na primeira mão, a garantir o apuramento. Estavam em campo dois dos três melhores guarda-redes da fase de grupos – Onana e Diogo Costa, tendo o terceiro sido o belga Mignolet – e isso pode ter sido uma das justificações para uma eliminatória tão escassa em golos. Depois há a infelicidade: a bola de Taremi ao poste seguida, na mesma jogada, de uma outra, de Grujic, à barra. Tudo numa reta final do jogo em que Dumfries tinha já impedido, quase sobre a linha de golo, que Marcano abrisse o score no que acabou por ficar como o 0-0 do Dragão. Mas, mais uma vez, as explicações não se ficam por aí. E, deixando de parte a questão que Conceição tem com a toxicidade das TVs – tem razão, ainda que por um lado ele também contribua de quando em vez e na verdade a coisa não viesse ali minimamente ao caso –, o treinador do FC Porto precisa de ver um pouco mais além na busca das origens desta eliminação inglória. Primeiro, olhando para uma explicação mais imediata: o excesso de contenção na partida de ontem. Sim, do outro lado estava o Inter, uma das melhores equipas da Serie A italiana, campeonato que se apresta para ser a maior potência dos quartos-de-final, com três apurados – falta o SSC Nápoles confirmar hoje a presença e o Real Madrid impedir o triplete inglês ante o Liverpool FC para isso acontecer. Mas ficou sempre a sensação de que o FC Porto podia ter arriscado mais e mais cedo. Privado de Otávio, o médio que melhor acumula funções defensivas e ofensivas na equipa, Conceição entrou com três centrocampistas, mas nenhum deles rotinado na capacidade de cair na faixa ou com vocação de desequilibrador: quem por lá andava era Eustáquio, que soube sempre a pouco e chegou a cheirar a redundância, face à presença simultânea de Uribe e Grujic. O jogo gritava por Pepê mais à frente ou por Franco – e só aos 70’, quando este entrou, e sobretudo aos 85’, após a entrada de Namaso, a equipa se soltou. Podia ter chegado? Podia. Já vimos que podia, pois os lances que referi atrás ocorreram já em período de compensação. Mas depois há que atentar noutra coisa a que Conceição aludiu: as dificuldades de construção do plantel. O FC Porto, que já passou anos debaixo do jugo do fair-play financeiro e mesmo assim, sem poder gastar, construiu equipas campeãs nacionais e competitivas na Europa, perdeu na época passada Díaz (em Janeiro), Fábio Vieira e Vitinha (no Verão). Sem esses talentos, voltou ao futebol de pressão e transição que marcou esses anos de fair-play financeiro, mas com uma grande diferença: é que todas essas equipas campeãs em pressão e transição tinham um par de grandes desequilibradores no plano individual. Havia Brahimi e Corona em 2018, havia Corona e Díaz em 2020. A equipa atual só tem um jogador em condições de assumir essa pasta e de disfarçar o downgrade de talento que foi feito no plantel. É Pepê – que Otávio e Taremi são jogadores mais coletivos. E não é por não se ter gasto dinheiro no mercado. É porque os violinistas contratados tardam em pegar no instrumento e continuam a deixar o palco aos tocadores de bombo que nunca falham. Só que basta ouvir o início da música da Champions para perceber a inadequação. O que é que se ouve? Violinos, pois então.
A felicidade das coisas simples. Ao quinto golo, Guardiola chamou Haaland. Substituiu-o. O menino norueguês saiu com um sorriso de felicidade genuína, de quem podia nem saber que acabara de se tornar, em 35 minutos alucinantes, o terceiro jogador da história da Champions League a fazer cinco golos num só jogo – depois de Messi e Luiz Adriano –, mas certamente teria a noção de que tinha acabado de alcançar algo de absolutamente único. Antes, já tinha aberto a mão para o público do Ettihad, como que a pedir-lhes que contassem os dedos. No final, o Manchester City arrasou o RB Leipzig por 7-0 em mais um daqueles desafios que Pep Guardiola poderá usar no futuro para dizer que “eles não eram assim tão maus”, como disse há semanas dos 5-0 aplicados ao Sporting no ano passado. “Nós é que aproveitámos todas as oportunidades. Fomos lá cinco vezes e fizemos cinco golos”, completou na altura o treinador catalão. Agora, depois de um jogo em que já bateu, a meio de Março, o máximo de golos de um jogador do Manchester City numa só época – são já 39, superando os 38 de Tommy Johnson em 1928/29 –, Haaland afina pelo mesmo diapasão do técnico. “Qual é a sua maior força?”, perguntaram-lhe, numa das muitas flash-interviews que deu após a partida. “Neste momento terei de dizer que é marcar golos”, contou Haaland. “Nem pensei, estava só a marcar”, detalhou. “Para ser honesto, as coisas na minha cabeça ainda estão um pouco confusas e não me lembro bem dos golos. Só me lembro que chutava e nem pensava”, disse mais à frente. Porque com uma bola tão pequena e uma baliza tão grande, marcar golos não é uma coisa simples, mas pode ser simplificada. No fundo, como diz Haaland, é não pensar. E chutar.
O Mundial gigante. O Congresso da FIFA, aprovou ontem em Kigali, no Ruanda, uma mudança no formato de competição do Mundial de 2026, o Mundial que vai decorrer entre os EUA, o Canadá e o México e terá 48 seleções participantes. Estava prevista uma espécie de aborto competitivo, que eram 16 grupos de três equipas, abrindo a porta à possibilidade de haver resultados combinados antes da última jornada. Reparando ou sendo alertada para isso, a FIFA optou por 12 grupos de quatro seleções, nos quais se apurarão os dois primeiros e ainda os oito melhores terceiros. Isto é: jogar-se-ão 72 jogos, alguns de interesse muito reduzido, só para cortar o lote de participantes de 48 para 32, que ainda são o dobro dos que entravam nos Mundiais da minha infância. Haverá, depois, 16 avos de final, oitavos, quartos, meias e final, sempre em eliminação direta, elevando o total de jogos que uma seleção tem de fazer para ganhar o Mundial de sete para oito. Ao todo, o Mundial terá 104 jogos, por oposição aos 64 da edição de 2022, no Qatar. Passará de 29 para 39 dias. E, espalhando os jogos por um continente inteiro, nessas cinco semanas e meia vai deixar no planeta a pegada carbónica que várias pequenas nações somadas deixam num ano. Procuro sempre ver os méritos de cada proposta – e esta tê-los-á, como ontem destacava o nigeriano Sunday Oliseh, por exemplo na possibilidade de se aumentarem os contingentes da representação dos continentes menos favorecidos, a África à cabeça. Os aumentos para 24 e depois 32 participantes iam no sentido do compadrio e da eternização do poder por parte de Havelange e, mais tarde, de Blatter, que piscavam o olho às confederações periféricas e lhes sacavam votos para se manterem na cadeira da presidência. Esta passagem para 48 equipas numa edição que será uma espécie de “roadshow” pela América é uma forma de se escancararem as portas ao negócio. É capaz de ser altura de alguém olhar para o Mundial e de dizer que quanto mais mexem mais estragam.
António tbm concordo que estas medidas estragam a competição. Mas todos concordamos que traz mais justiça a ideia de um Mundial. O modelo "atual" só beneficia a dois grupos: América e a Europa.