Messis e Bitshiabus
Florentino Pérez inventou em Madrid a política dos “Zidanes e Pavones” para simbolizar a mescla dos galáticos com os miúdos da formação. Depois arrepiou caminho. O PSG ainda não aprendeu.
Dizia Antonio Conte, após mais um frustrante zero do Tottenham na fase a eliminar da Liga dos Campeões, que “não é possível construir uma equipa competitiva em 14 meses”. Ao que não faz a equipa londrina e às desculpas em que Conte é sempre muito forte já lá vou – mas no que toca ao Paris Saint-Germain, o clube já está debaixo da aba protetora dos milhões do Qatar há 11 anos e, mesmo assim, ainda corre inexplicavelmente o risco de jogar um desafio decisivo da Champions, em Munique, com um miúdo de 17 anos sem qualquer experiência de competição, como foi ontem o caso de Bitshiabu. Ainda que tenha sido um passe dele a dar Verratti “à morte” e a originar o golo de Choupo-Moting que acabou com a eliminatória, seria manifestamente idiota pôr a responsabilidade da derrota em cima do júnior que entrou para substituir Mukiele, que por sua vez já entrara para o lugar de Marquinhos, num jogo em que já não havia Kimpembe. Afirmou Christophe Galtier no final que não é normal um clube perder três defesas-centrais assim, num tão curto período. Mas também não é normal que se um treinador quer jogar com um esquema de três atrás, tenha apenas quatro jogadores para a posição – Kimpembe, Marquinhos, Mukiele e Sérgio Ramos –, recorrendo à adaptação de Danilo e vendo-se forçado a chamar à Allianz Arena um tenrinho Bitshiabu, que só tinha feito quatro minutos contra oposição que se visse na equipa principal, num jogo com o Angers CFO, em Abril do ano passado. Isso admite-se em clubes que não tenham orçamento para montar um plantel equilibrado, em clubes que queiram abrir espaço à rapaziada da formação para poder potenciá-la e vendê-la a seguir, mas não no clube que tem a mais elevada carga salarial de toda a Europa e que sempre que vai ao mercado é para comprar e não para vender. Ali é só má gestão. O Paris Saint Germain continua a advogar a política dos “Zidanes e Pavones”, que foi inventada por Florentino Pérez na primeira passagem pela presidência do Real Madrid para simbolizar a união de estrelas mundiais pagas a peso de ouro com os miúdos chegados da cantera – mas até o presidente madridista arrepiou caminho assim que pôde, porque era evidente que aquilo só lhe servia enquanto não pusesse a roda dentada em movimento e não pudesse preencher as vagas no balneário com os chamados “jogadores de plantel”. Esses, o PSG também os vai tendo, mas mostra-lhes invariavelmente a porta da rua. Querem um exemplo? Eric Choupo-Moting, que por lá passou dois anos, sempre com aquela sensação de que era jogador a menos para os altos padrões de exigência do Parque dos Príncipes, antes de rumar a Munique para ser primeiro o suplente e depois o substituto de um tipo chamado Lewandowski. Que jeito teriam dado ontem Kehrer ou Diallo.
Perder como sempre. Quando a Qatar Sports Investment pegou no PSG, o clube começou por ultrapassar a hegemonia do Olympique Lyon no hexágono francês e por marcar presença constante na Liga dos Campeões. Só podia ser para a ganhar, tão grande era o investimento. Vieram quatro eliminações seguidas nos quartos-de-final, com o FC Barcelona em 2013 e 2015, o Chelsea em 2014 e o Manchester City em 2016. Fracasso? Sim, ainda que se achasse na altura que, como agora diz Conte, uma equipa competitiva leva tempo a construir. Só que, excetuando aquele período em que o PSG chegou, em dois anos, a uma final (perdida para o Bayern em 2020) e a uma meia-final (derrota com o Manchester City em 2021), de então para cá a regra tem sido a do afastamento logo nos oitavos-de-final, na primeira ronda a eliminar. Foram cinco em sete anos, contra o FC Barcelona em 2017, o Real Madrid em 2018 e 2022, o Manchester United em 2019 e agora o Bayern Munique em 2023. A derrota, ali, começa a ser a regra e não a exceção. E não, já não é uma questão de pedigree ou de gravitas. Hoje, já toda a gente leva o PSG a sério no futebol europeu. Apetece citar René Goscinny acerca da aldeia de Astérix. Toda a gente? “Não! Uma aldeia povoada por irredutíveis gauleses resiste agora e sempre”, não ao invasor, mas ao bom-senso. E o problema é que nessa aldeia está a sede do clube. É isso que falta ao PSG para poder triunfar.
Tottenham a zeros. Além do Bayern, quem também está nos quartos-de-final da Champions é o Milan, equipa que não atingia esta fase há 11 anos – e que bem pode dizer-se só lá está devido à incapacidade do Tottenham para marcar golos. Uma equipa que tem Kane e Son na frente passar os dois desafios da eliminatória a zeros é grave, mas também não é novidade: já tinha acontecido nos dois jogos da última experiência dos Spurs na Liga dos Campeões, em 2020 (0-1 e 0-3 com o RB Leipzig). Ontem, a precisar de ganhar, pois trazia um golo de atraso de San Siro, o Tottenham foi de uma pobreza escandalosa, só criando o primeiro lance de perigo já para lá da hora de jogo, pouco antes de ter ficado com dez homens em campo, por expulsão de Romero. António Conte acabou a queixar-se de tudo e todos, como é habitual, e depois de ter conseguido segurar Kane e de ter gasto mais de 300 milhões em aquisições nos últimos dois anos, já se prepara para apresentar nova lista de exigências. Conte sempre foi um treinador pedinchão. A diferença é que em Itália pedia e ganhava. Em Inglaterra só pede. E isso vai levá-lo à porta de saída.
A razão de Lineker. Há algum exagero na comparação que Gary Lineker fez entre a política do governo conservador de Sunak acerca dos refugiados e o III Reich. Pronto, concedo, não há só algum exagero: há muito exagero, próprio de quem faz do Twitter a sua casa comum e da hipérbole um modo de vida. Mas a questão é que Lineker só não tem razão na comparação, porque no resto tem razão em tudo. Sim, o Reino Unido tem a obrigação de fazer mais pelos refugiados. E sim, era o que faltava agora, como já foi respondido por alguns deputados tories, um ex-jogador, pivot e comentador de futebol não poder ter opiniões formadas a não ser acerca de futebol. Ou não poder ser de esquerda só porque é rico. Onde é que isso nos levaria? Como é que nós sobreviveríamos e como é que ocuparíamos o nosso tempo se não levássemos a toda a hora com comentários de futebol feitos por políticos, advogados, economistas ou outros que tais a queixarem-se das arbitragens ou das táticas mal delineadas pelos treinadores? Seria o degredo total. Ao menos que esta polivalência de Lineker nos abra a porta para nos salvar desse fim do Mundo.