Messi, o custo e o investimento
Em Barcelona, olha-se para Messi como um custo. Em Paris, veem-no como investimento. Mas os dois conceitos são idênticos - só muda o lado do qual se observa o fenómeno.
Dou comigo a pensar no que pode levar Lionel Messi a sequer pensar, quanto mais admitir, jogar no Paris Saint-Germain, como ainda ontem o seu compatriota e amigo Angel Di Maria sugeriu que podia vir a suceder. Dinheiro não é certamente, pois tendo em conta a pulhice que foi feita ao astro argentino há dias, com a revelação do seu último contrato, sabemos todos que é coisa de que ele não precisa nos próximos mil anos de vida. Pelo desafio também não deve ser, pois por muito que se esforce o PSG não deve conseguir perder mais uma Liga francesa enquanto Messi tiver condições para correr e chutar uma bola. É para descansar e viver “la vida loca” ao lado de Neymar na maravilhosa cidade de Paris? Também não creio. Uma operação desta magnitude só fará sentido por vingança ou no dia em que chegar a rotura de paradigma e a realidade tirar o PSG do buraco que é um campeonato tão interessante e vivo que nem sequer consegue garantir um operador televisivo para o transmitir até ao fim da época em curso. Até lá são sonhos de grandeza de gente que está habituada a viver muito acima das suas possibilidades.
Os clubes da Liga francesa anunciaram já que antecipam perdas globais de 1.300 milhões de euros esta época, tendo em conta os efeitos da pandemia nas bilheteiras e no merchandising mas também a incapacidade de vender os direitos televisivos de um campeonato que, este ano, curiosamente, até está interessante: tendo em conta a falsa partida e os dias em que, já recentemente, desligou o motor para apreciar a paisagem, o PSG segue três pontos atrás do Lille OSC e um atrás do Olympique Lyon, quando faltam 15 jornadas para o final. Vai ser campeão na mesma, mas ao menos dá sensação de luta a um campeonato que ganhou sete vezes nos últimos oito anos – em 2017 a lebre distraiu-se e a tartaruga do Mónaco chegou à frente – e em que, nos três mais recentes, acabou com uma vantagem média de 13,6 pontos em relação ao segundo. O clube injetado com o dinheiro do Catar não precisa de Messi para nada. E o que é mais curioso é que se alguém precisa de Messi é a própria Liga francesa, de forma a evitar o cada vez mais evidente distanciamento em relação às outras quatro grandes Ligas europeias em todos os parâmetros, desde a capacidade para atrair audiências até à possibilidade de ganhar provas internacionais. Como se à Liga desse jeito transformar o PSG numa espécie de Globetrotters que levassem regularmente o espetáculo do futebol a todos os cantos do hexágono.
Não há ainda certezas acerca de quem irá transmitir o resto da atual Liga francesa, a começar pelo clássico entre Olympique Marselha e PSG, já no domingo. A falência da Mediapro, a empresa detentora da Telefoot, levou ao encerramento anunciado do canal que transmite oito jogos por jornada e que pagaria 780 milhões de euros por ano por esse direito. O Canal +, que tem os dois jogos que restam, não quis ir a jogo para ficar com o resto do bolo. A beIN Sports, que cedeu esses dois jogos ao Canal +, também não. E as ofertas que chegaram à Liga, da Amazon, da DAZN e do Eurosport, foram abaixo do preço de licitação e por isso desde logo recusadas. O futebol francês – e se fosse só o francês… – vive claramente acima das suas possibilidades, anda a gastar muito acima das receitas que gera. E é nesta altura que se fala com insistência de Messi. “Há elevadas possibilidades de Messi poder vir a jogar no PSG na próxima época”, disse Angel Di Maria. “É uma falta de respeito que no Paris Saint-Germain se fale tanto de Messi”, ripostou Ronald Koeman, treinador do FC Barcelona.
Até podia admitir que todo este barulho resultasse de meros “mind games”, já que as duas equipas se defrontarão nos oitavos de final da Liga dos Campeões, mas parece-me que vai muito além disso. Que o PSG pode olhar para Messi como uma fuga para a frente e que Messi pode olhar para o PSG como forma de se vingar da divulgação do seu contrato (mais 500 milhões de euros em quatro anos), que aparentemente terá tido origem no FC Barcelona. Essa não é, porém, uma boa forma de iniciar uma relação. Nem no futebol nem em nada na vida. O que o caso Messi nos mostra é que se a direção de Josep Maria Bartomeu pode servir-se dele para, através da divulgação do contrato, lhe atribuir uma responsabilidade moral pela situação financeira delicadíssima em que está o Barça – como se o jogador tivesse obrigado o clube a ficar com ele e a pagar-lhe os tais 550 milhões em quatro anos – o executivo liderado por Nasser Al-Khelaifi vê-o como forma de puxar o clube para um patamar diferente, acima daquele que hoje ocupa. Geralmente essa é a diferença entre custo e investimento. Que no fundo são a mesma coisa – o que muda é o lado de onde se olha para ele.