Manga agridoce em Turim
A derrota contra a Juventus deixa o Sporting a precisar de recuperar na segunda mão, em Alvalade, mas a exibição feita por Morita e companheiros grita que o apuramento é bem possível.
O Sporting saiu de Turim com um mau resultado, mas a derrota por 1-0 frente à Juventus, salpicada com a superioridade que manifestaram durante a esmagadora maioria do tempo de jogo, pode convencer um pouco mais os leões de que as meias-finais da Liga Europa estão ao seu alcance. Não foi só pela dupla defesa de Perin a remates de Pedro Gonçalves e Bellerín, já em período de compensação, mas sobretudo pela forma como a equipa leonina mandou no campo, inspirada pelo raio de ação de um médio que mais parecia uma personagem de manga pela omnipresença da sua figura, olhos rasgados, cabelo pintado e barbicha. A cada vez que Morita surgia, parecíamos estar perante um quadradinho de BD, com aqueles riscos a darem a sensação de movimento constante. O jogo de Turim foi o teste final ao japonês, o melhor jogador em campo, muitas vezes importante até pelos momentos em que não tocava na bola. É que a forma como ele alterna o jogo com os dois pés instala sempre a dúvida no adversário: quando ele se posiciona para receber a bola, será que vai fazê-lo orientado para um lado, para o outro, ou vai simplesmente deixar rolar, sem tocar, para ganhar metros em progressão? E a fração de segundos que dura essa dúvida chega para o deixar em vantagem. Contratado para ganhar progressivamente espaço e, a médio prazo, substituir Matheus Nunes no equilíbrio da equipa, Morita mostrou em Turim que terminou o tirocínio e que está pronto – até porque a própria equipa teve de fazer a adaptação às caraterísticas dele, bem diferentes das do luso-brasileiro. Somada a uma exibição bem conseguida de Pedro Gonçalves a meio-campo – as rotinas estão a aparecer com a repetição de um improviso que nem favorece a equipa nem a ele, mas é aquilo que pode ser... –, a ação de Morita forçou a Juventus a recuar na evidente subavaliação que tinha feito dos adversários. Massimiliano Allegri percebeu ao fim de uma hora de jogo que não aguentava o dois para dois a meio-campo, que o ex-campeão mundial Rabiot e o ainda campeão europeu Locatelli não chegavam para Morita e Pedro Gonçalves, e chamou ao relvado um terceiro médio, que foi Fagioli. Não se superiorizou no campo, mas fê-lo no resultado, que é o que conta, porque o Sporting foi mais uma vez aquilo que é com regularidade e falhou nas duas extremidades do campo. Adán não esteve à altura no golo de Gatti, falhando a interceção do cruzamento, num lance em que toda a equipa se deixou surpreender pela marcação rápida de um canto e em que a presença de Diomande levou o salvamento de Coates até ao pé direito do central italiano. E Chermiti foi sempre a unidade de menor rendimento na frente, com dificuldades para ligar o jogo com o resto da equipa ou para surgir em situações de finalização. A derrota foi dura de engolir, mas veio atenuada com um sabor agridoce. O de que numa boa noite, em Alvalade, este Sporting chegará para esta Juventus.
Mendigos do golo. Logo a abrir o seu extraordinário livro “Futebol a Sol e Sombra”, o escritor uruguaio Eduardo Galeano confessa-se um “mendigo de bom futebol”. “Viajo pelo Mundo, de chapéu na mão, e nos estádios suplico: ‘uma linda jogadita, por amor de Deus’. E quando o bom futebol acontece, agradeço o milagre, sem que me importe um rabanete qual é o clube ou o país que mo oferece”. Lembrei-me de Galeano, ontem, a ver o Juventus-Sporting, quando todo o Allianz Stadium irrompeu em cânticos vibrantes e eufóricos, logo a seguir ao golo de Gatti. A Juventus de Allegri joga muito pouco, tendo em conta os futebolistas consagrados e caros que lhe compõem o plantel. E os seus adeptos adaptaram-se. Não são mendigos de bom futebol, como Galeano: tornaram-se mendigos do golo. Chegam ao estádio, não de chapéu na mão, mas de sobretudo de caxemira e lenço de seda, ainda que igualmente suplicantes: “um golo, por amor de Agnelli ou Elkann ou quem quer que seja que pague a conta no final”. E vão para casa felizes, sem lhes importar um rabanete se jogaram bem ou mal, porque neste jogo são os golos que contam. É com golos que os italianos estão a tornar-se os carrascos do futebol português esta época, que a Fiorentina eliminou o SC Braga, que o Inter eliminou o FC Porto e está agora em vantagem contra o Benfica ou que a Juventus virá em vantagem a Lisboa na semana que vem. Mas que esta forma de vida não deve dar saúde a ninguém, isso já parece inquestionável.
Dois acidentes. O empate entre o Manchester United e o Sevilha FC serviu para se cantarem loas à equipa que mais vezes ganhou a Liga Europa, para se dizer que esta é mesmo a prova dos andaluzes. Que tal como o Real Madrid se empolga quando ouve o hino da Champions, o Sevilha FC cresce quando o que está em causa é a sucessora da Taça UEFA. Mas este Sevilha FC é tão medíocre que dói. Durante 75 minutos, o Manchester United mostrou as razões pelas quais a equipa de José Luís Mendilibar está a lutar para evitar a descida na Liga espanhola. Os dois golos de Sabitzer eram curtos para tanta superioridade dos ingleses. Os 15 minutos finais, porém, desencadearam uma sucessão de acontecimentos que parecia saída de uma daquelas compilações de acidentes que fazem as delícias da reality TV. Cruzamento de Navas a bater em Malacia e a encaminhar-se para as redes de De Gea: 2-1. Cabeceamento de En-Nesyri, bola a embater no topo da cabeça de um Maguire que ostentava aquela expressão de quem acabara de se lembrar que deixara a torneira aberta lá em casa e a mudar de direção para o fundo da baliza, enquanto o guarda-redes caía para o lado contrário: 2-2. Mesmo sem Rashford e Bruno Fernandes e provavelmente sem os centrais titulares, Varane e Martínez, não passará pela cabeça de ninguém que o Manchester United possa cair em Sevilha na segunda mão. A não ser que o deus dos autogolos volte a conspirar nesse sentido.