Liverpool FC campeão na terra do futebol simples
Entre lágrimas, Jürgen Klopp deixou um manifesto de confiança no futuro de uma equipa que não é para desmantelar. A máquina deu muito trabalho a montar.
A ouvir as declarações de Jürgen Klopp à Sky Sports depois da derrota do Manchester City em Stamford Bridge, confirmando o primeiro título de campeão inglês do Liverpool FC em 30 anos, não me fixei nas lágrimas nem na ruptura emocional de um alemão com pinta de simpático. Houve uma coisa que Klopp disse que me fez pensar. “Parece-me que os rapazes ainda têm uns quantos anos nas pernas”, disse o treinador da melhor equipa de Inglaterra, uma terra onde montar uma equipa de sucesso não é sinal de se ter de começar tudo de novo por causa do assédio aos seus maiores trunfos. Essa é a ideia que suporta a reação de Peter Crouch, um ex-atacante do Liverpool FC que antevê “um período de hegemonia – e não apenas no futebol inglês, mas no europeu também”.
Podia agora dizer que assim sendo é fácil ganhar em Inglaterra. Mas a minha ideia não é – de todo – menorizar tudo aquilo que foi conseguido por estes jogadores, por Klopp, por Michael Edwards (o segredo mais bem guardado por trás deste título do Liverpool FC, cuja história pode ler aqui) ou pelo Fenway Sports Group, o grupo norte-americano que é dono do clube há dez anos e que o comprou numa situação de agonia, nos últimos lugares da Premier League. Não é fácil ganhar em Inglaterra. Simplesmente a lógica é invertida relativamente ao que implica a vitória em ligas menos poderosas, como a portuguesa, por exemplo. Aqui, quando uma equipa é campeã, faz as contas ao que vai render no mercado, cansa as meninges a pensar que empresários melhor podem rentabilizar os seus ativos e por quais vai distribuir as benesses nas aquisições que vai ter de fazer para recompor a qualidade do plantel, consome o treinador a imaginar como é que vai passar a jogar sem os seus melhores jogadores e com sangue novo. Enfim, transforma-se numa incógnita. Em Inglaterra não é assim, como se percebe pelo que se passou em Anfield Road – só dez milhões de euros gastos em jogadores esta época, 8,5 dos quais em Minamino, projeto de longo prazo que só chegou no mercado de inverno.
Na terra do futebol simples, as coisas não se constroem para serem destruídas. Quando o Fenway Sports Group comprou o Liverpool FC, em Outubro de 2010, a equipa acabara de perder em casa com o Blackpool FC e seguia em antepenúltimo lugar na Premier League. Os novos donos estrearam-se com um derby contra o Everton, que os reds perderam por 2-0, baixando à penúltima posição. Nos 14 que Roy Hodgson levou a jogo em Goodison estavam o português Raúl Meireles, Torres ou Gerrard, mas também gente do calibre de Konchesky, Kyrgiakos, N’Gog ou Jovanovic. Já com Kenny Dalglish aos comandos, esse Liverpool FC ainda acabou a Premier League em sexto lugar – fora da Europa, porém – mas estava a milhas do que agora, como foi realçado por Gary Lineker, conseguiu dois recordes: foi a equipa que se sagrou campeã com mais jornadas po disputar, mas ao mesmo tempo a que assegurou o título mais tarde no calendário civil. Culpa da Covid19, claro.
Daí para cá, muito trabalho foi feito, na política de definição do plantel, no recrutamento baseado em estatísticas e na construção de uma equipa e de uma ideia de jogo, pela qual, aí sim, Klopp é o responsável máximo. O Liverpool FC que interrompeu 30 anos de jejum, enchendo de alegria os campeões de 1990, é uma equipa que vai muito para lá dos princípios básicos do gegenpressing desenvolvido pelo treinador em Mainz e em Dortmund. É um coletivo onde as maiores forças criativas são os laterais – sobretudo o jovem Alexander-Arnold –, os médios são sobretudo cilindros compressores de recuperação de bolas, o ponta-de-lança é o elo de ligação ao meio-campo e os goleadores são os dois extremos. E, sobretudo, como se infere das palavras de Klopp, é uma equipa que veio para ficar, porque não passa pela cabeça de quem teve tanto trabalho para a construir ir agora destruí-la – e o facto de não haver campeonatos a rivalizar com a Premier League em termos de poderio económico ajuda muito, de facto.
São mesmo diferentes, as coisas na terra do futebol simples.