Leituras e evidências no mercado do Benfica
Há muitas formas de olhar para o mercado do Benfica. Do poder de Jesus à inflexão estratégica de Vieira. Da importância das eleições ao contra-ciclo face a uma Europa em austeridade.
O Benfica tem sido o maior agitador do mercado de transferências no futebol português. Já anunciou Helton Leite, Gilberto, Vertonghen, Pedrinho, Everton e Waldschmidt, preparando-se agora para avançar sobre Cavani: muita tinta tem corrido nos jornais e muitas horas de TV se têm passado a falar do plantel dos encarnados. Há uma série de leituras particulares, desde as feitas pelos adeptos benfiquistas às realizadas pelos seguidores dos rivais, com passagem pelas publicitadas pela oposição a Vieira ou pelos que não apreciam o estilo de Jorge Jesus. Todas têm razão, mas todas são visões parciais de uma só realidade: o Benfica vai estar muito mais forte dentro do campo, como de resto se percebeu imediatamente no momento em que Vieira fez regressar Jesus.
Começo precisamente pelos que não gostam de Jesus, lote no qual deixou recentemente de se incluir a fatia decisora da administração da SAD benfiquista. Quando falei em “comprar um balde de pipocas” para assistir à justificação do flic-flac à retaguarda que o Benfica fez com o treinador que “dispensou” em 2015 não foi, evidentemente, para desmerecer da capacidade do atual campeão carioca, brasileiro e sul-americano. O que me parecia – e ainda parece, pois essa explicação está por fazer – difícil de justificar eram as razões que levaram o Benfica a prescindir dos serviços dele há cinco anos, com declaração de intenções associada a uma ideia de política desportiva com a qual ele não se coadunaria, e a recuperá-lo agora, mandando ao lixo essa política de aposta na formação. Ora é precisamente nisso que se centram os que não gostam de Jesus: “com estes jogadores todos, até eu seria campeão pelo Benfica”, alegam. Não é verdade e está por ser provado que este ataque furibundo ao mercado garanta a vitória na Liga ao Benfica, mas sucede que uma das atribuições de um treinador é funcionar como locomotiva de uma equipa, é convencer a administração a dar-lhe os jogadores de que ele acha que precisa, não se limitando a aceitar o que querem dar-lhe. E nisso – que se conquista com estatuto – Jesus é tão forte como no trabalho de campo.
Mas quererá isto dizer que Rui Vitória e Bruno Lage foram culpados na delapidação de um plantel que valia menos em 2019 do que em 2015? Não. Terão sido, na pior das hipóteses, cúmplices de uma política que vinha de cima e que mandava apostar nos miúdos do Seixal sem reservas. E é disso que se queixa agora a oposição a Luís Filipe Vieira – de eleitoralismo. Se havia dinheiro para compor um plantel destes – que a “massa” não apareceu neste Verão –, porque é que o Benfica perdeu a última Liga a jogar com Ferro e Jardel como central pela esquerda, com Nuno Tavares e Tomás Tavares nas laterais? É evidente que Vieira viu a vida a andar para trás, que o segundo lugar em ano de eleições com oposição particularmente assanhada e preparada o deixou assustado e que agora quer inebriar tantos votantes quantos conseguir a tempo de garantir mais um mandato. No fundo, Vieira tem um sonho, que é o da recuperação do Benfica com que se fez homem, um Benfica hegemónico com gente da casa, e quer misturá-lo com a receita que lhe valeu o sucesso nos negócios, a criação de valor seguida de venda, que é o segredo no imobiliário. Sim, Vieira está a ser eleitoralista. O Vieira real é o outro, o do ano passado. Mas gerir é também é adaptar-se à realidade. E foi esta que se encarregou de voltar a lembrar-lhe que o Mundo de hoje já não é o dos anos 60 e 70 e que ganhar no futebol não é o mesmo que ganhar na construção.
O que me leva à questão seguinte: como é que pode o Benfica estar a gastar tanto quando a generalidade do mercado do futebol está em perda e, fruto da pandemia, se recomenda mais austeridade? Este argumento parte da constatação de mais uma evidência, a de um Benfica em contraciclo, disposto a aumentar exponencialmente a folha salarial – os valores de que se fala por Cavani não são próprios da realidade da Liga portuguesa – para resgatar o sucesso. E isso é um problema? Em condições normais seria. Mas aqui é preciso ter em conta a forma como funciona o mercado do futebol e constatar que, apesar de tudo, o Benfica não está no topo da cadeia alimentar – o que lhe permite sempre recorrer a um peixe maior para se viabilizar. O mercado do futebol é tão influenciado pelo valor de um jogador como pelo valor facial de quem vende. E os jogadores do Benfica são vendidos por Jorge Mendes, que em caso de necessidade faz sempre questão de os colocar a valores extraordinários em clubes com os quais também mantém boas relações de mercado. Quer isto dizer que, se quiser – e não sei o suficiente das contas da SAD para garantir que seja este o caso –, o Benfica pode investir e até mandar-se um pouco para fora de pé que tem a garantia do aparecimento de um nadador-salvador pronto a resgatá-lo para as zonas de segurança. E é isso que não podem fazer, por exemplo, clubes como o Real Madrid ou qualquer outro dos maiores peixes do oceano que é o mercado. Porque acima deles não há quem compre.
Seguro, para já, é que os adeptos benfiquistas que não querem saber de eleições ou de política desportiva, de suspeições, investigações ou ódios particulares, aqueles que se limitam a sentar-se na bancada ou no sofá frente à TV para ver a equipa jogar, têm boas razões para estarem otimistas. Está por provar que Jesus possa colocar a equipa a jogar o triplo, como prometeu, mas que tem condições para formar um grupo bastante mais forte que o da época passada, disso não há dúvidas. Esta é a evidência mais incontestada de todas acerca do mercado do Benfica.