Laporta e a revolução no Barça
Joan Laporta foi eleito para regressar a presidente do FC Barcelona, onze anos depois de ter saído. Os resultados mais recentes do futebol têm sido promissores. Mas a realidade pede revolução.
No dia em que se cumpriram exatamente 20 anos sobre a sua estreia como jogador infantil do FC Barcelona, Leo Messi foi pela primeira vez votar numas eleições do clube. Agarrou no filho, Thiago, que também já joga nas categorias de base do clube, e embora não o tenha dito, admite-se que tenha colocado a cruz no quadrado correspondente a Joan Laporta, o homem que já tinha sido seu presidente entre 2003 e 2010, com o qual não consta que nem ele nem o seu mentor, Pep Guardiola, mantenham hoje relações muito amigáveis, mas que ontem foi eleito com 54 por cento dos votos para novo mandato à frente do clube. Renovar com Messi em condições que não acabem com o Barça de uma vez por todas é agora uma das tarefas principais de um líder que, à entrada, começa por encontrar uma promessa de retomada da equipa de futebol que talvez nem lhe estivesse nos planos.
Tudo em Laporta transpira tradicionalismo e colagem a um período específico do passado recente do clube. Nem houve qualquer subtileza nas máscaras utilizadas pelos membros da campanha: eram laranja-holandês, com uma faixa azul-grená de um lado e o número 14 de Johan Cruijff bordado do outro lado. Johan, cuja liderança espiritual foi reivindicada pelo novo líder do FC Barcelona, já não está entre nós, mas o filho, Jordi, é a face visível da mudança e da entrega do clube às novas gerações: chegará nos próximos dias da China, onde treinava o Shenzhen FC, para ser o diretor-desportivo do clube que chegou a servir como jogador ao lado de Ronald Koeman. Fecha-se o círculo das grandes decisões que há a tomar numa altura em que o mais tentador seria deitar tudo fora com a água do banho: no final da primeira volta da Liga, com um jogo a mais, o FC Barcelona estava a 12 pontos do Atlético Madrid; decorridas sete rondas da segunda metade do campeonato, está a apenas três, ainda que eles possam crescer para seis se o líder ganhar esse jogo que ainda tem em atraso, na quarta-feira, contra o Athletic Bilbau.
De repente, uma Liga que já parecia perdida está outra vez aberta, até porque a equipa de Simeone ainda terá de se deslocar a Camp Nou. Expurgado o vírus Bartomeu, os sócios do FC Barcelona voltaram-se para o passado para encontrar razões de esperança – e lá descobriram o único presidente dos últimos 40 anos que não teve de passar pelo embaraço de ser detido. Josep Lluis Nuñez deu entrada na prisão já octogenário, na sequência do caso Hacienda; Joan Gaspart foi condenado no caso Spanair; Sandro Rosell esteve quase dois anos preso por suspeita de branqueamento de capitais; Bartomeu está a ser investigado no âmbito do caso Barçagate. O próprio Laporta foi, à saída do clube, depois de demitido na sequência de uma moção de desconfiança, acusado de irregularidade nas contas e até forçado a repor 23,2 milhões de euros alegadamente em falta, mas apenas para depois acabar absolvido, vendo o nome limpo e a reputação reconstruída. Nada como voltar a pô-la em cheque com uma missão que já pareceu mais impossível: restituir ao FC Barcelona a grandiosidade de que já se revestiu no passado recente.
Laporta terá agora a obrigação moral de tentar renovar com Leo Messi – cujo contrato, publicamente exposto, é a razão mais habitualmente apontada para a ruína do clube – e evitar que o argentino saia a custo-zero. Já abraçou o projeto de reconstrução do Camp Nou e até admite ir jogar durante dois anos para o Olímpico de Montjuic, de forma a ter o novo estádio pronto na celebração do 125º aniversário do clube, em 2024/25. E nem a continuação do treinador, que até há algumas semanas era visto como um homem sem norte, à espera que a lâmina lhe caísse sobre o pescoço, está fora de cogitações. De repente, após quatro vitórias seguidas, Koeman já é visto como o líder ideal para renovar de uma forma tranquila uma equipa que não é pior do que aquela que Laporta encontrou quando assumiu o clube pela primeira vez, em 2003. Mas, tal como naquele tempo, esta é uma equipa – e um clube – à espera de um golpe de transcendência, uma equipa cujo crescimento dependerá de um rompimento como foi a demissão de Frank Rijkaard e a promoção de Pep Guardiola, em 2008, com as consequentes saídas de Ronaldinho ou Deco e o ganho de importância de Messi ou Piqué. O problema destas revoluções é que nem sempre acertam. E o mais cómodo é sempre deixar seguir as coisas.