Klopp no país do sucesso instantâneo
Jürgen Klopp levou quatro anos a montar uma equipa capaz de ganhar em Liverpool. Hoje trá-la a Lisboa, capital do país do sucesso instantâneo, onde há 20 anos não vemos montar um campeão peça a peça.
Jürgen Klopp está outra vez em Lisboa, a cidade onde se encontrava, de férias, em Outubro de 2015, quando lhe ligaram do Liverpool FC, para substituir Brendan Rodgers. O treinador alemão voltou a dizer ontem que não pensou duas vezes antes de se comprometer com os reds, mas o sucesso não foi assim tão rápido: bateu quase no “photo finish” o desafio que lançou publicamente a si próprio – o de levar um troféu para casa em quatro (!) anos –, ao ganhar a Liga dos Campeões de 2019. Hoje, além de ser um problema para o Benfica, que o tem pela frente nos quartos-de-final da Liga dos Campeões, o Liverpool FC de Jürgen Klopp é uma das equipas de identidade mais marcada na Europa e um modelo a imitar por clubes que acreditem no sucesso não-instantâneo. Precisamente o contrário do que vigora no futebol em Portugal.
Em Portugal, sempre foi lei a frase de Manuel José, que dizia que “o futebol é o momento”. E atenção, que a frase não está errada. Limita-se a apontar um estilo. Ainda no mês passado o habitual relatório mensal do Observatório do Futebol, do Centro Internacional de Estudos Desportivos da Universidade de Neuchâtel, na Suíça, apontava a Liga Portuguesa como a 36ª das 126 Ligas estudadas na paciência que tem com os treinadores, que por cá resistem 327 dias, em média, à frente de um clube. Não chegam a um ano, portanto. Mas a questão é que, em média, na Premier League, os treinadores também só ficam 332 dias, mais cinco dias do que em Portugal. E também não chegam a um ano – o que transforma o caso de Klopp numa anomalia estatística. Por uma razão muito simples: nos primeiros três anos não ganhou nada de nada.
A questão é que o próprio Klopp já estava a contar com isso. Na primeira vez que enfrentou os jornalistas como treinador do Liverpool FC lançou o desafio: “Por favor, dêem-nos tempo para trabalhar. Daqui a quatro anos, quando me sentar aqui, espero já ter ganho pelo menos um título. Caso contrário, o próximo, lutarei por ele na Suíça”. A anedota a propósito da Suíça ganhou força em Maio de 2019 quando, sem ter ainda ganho nada, longe do topo da Premier League, apanhou 3-0 do FC Barcelona na primeira mão das meias-finais da Champions, a última competição que podia vencer antes da “deadline”. A eliminação significaria que Klopp falharia a promessa, mas a equipa brindou-o com um 4-0 na segunda mão e com uma vitória por 2-0 sobre o Tottenham na final de Madrid. Klopp não precisou de seguir para a Suíça e, nos dois anos e meio desde então, ganhou mais um Mundial de clubes, uma Premier League, uma Supertaça Europeia e uma Taça da Liga.
Dir-me-ão que gastou muito dinheiro no processo e é verdade. Mané e Matip chegaram logo no Verão de 2016, um ano depois surgiram Salah e Van Dijk e, mais um ano volvido, eis que apareceram Alisson, Keita e Fabinho. Mas só em 2018/19 Klopp gastou mais do que recebeu em transferências de jogadores, porque de caminho desfez-se de gente como Coutinho ou Benteke, só para falar dos mais caros. O que Klopp fez, no fundo, foi aquilo que Ralf Rangnick – o seu mentor – aconselhou a administração do Manchester United a fazer. Diz Rangnick que o Manchester United vai precisar de pelo menos três ou quatro janelas de mercado para resolver a crise de rendimento que pode deixar o clube fora da próxima edição da Liga dos Campeões. “Assim que se decidir quem é o novo treinador, a pergunta que devemos fazer a nós mesmos é: como é que ele quer jogar e de que tipo de jogadores precisamos?”, contava o Daily Telegraph que terá dito o atual técnico e futuro diretor desportivo à administração do gigante de Manchester.
A questão é fulcral na otimização de uma equipa e já aqui a abordei, quando se falou de Roger Schmidt para o Benfica. Trata-se, no fundo, de contratar segundo uma ideia de jogo e construir uma equipa capaz de a interpretar em vez de tentar fazer o que se pode com um lote diversificado de jogadores – Rangnick queixa-se, por exemplo, da falta de “fisicalidade” do atual plantel do United. Em Portugal, no entanto, o futebol é o momento. Não se constrói com base em fundações ou ideias. E se por um lado isto se entende pela pressão de mercado a que estão sempre sujeitos os nossos maiores clubes – podem perder os melhores jogadores a cada momento – é bom que se perceba que a questão, aqui, não é exclusivamente de falta de paciência. Algum treinador resistiria num dos nossos grandes sem ganhar durante três anos, como sucedeu com Klopp no Liverpool FC? Mesmo Paulo Bento, que assumiu a equipa principal do Sporting em Outubro de 2005 e por lá ficou até Novembro de 2009 sem ter sido campeão, ganhou duas Taças de Portugal e duas Supertaças pelo caminho, antes de ceder ao desgaste do cargo.
Portugal é o país do sucesso-instantâneo, onde se estipulou que isso do trabalho consolidado é para fracos. Não há um treinador campeão em Portugal após anos de trabalho a montar uma equipa porque todos são campeões à primeira. Rúben Amorim, visto como paradigma do sucesso-instantâneo no atual futebol português, porque fez o Sporting campeão após 19 anos de jejum, até foi, pasme-se, o mais lento a chegar ao título em 20 anos, porque além do campeonato ganho beneficiou dos últimos três meses da época anterior para preparar o caminho. Antes dele, Sérgio Conceição foi campeão com um ano de FC Porto. Bruno Lage foi campeão com quatro meses de Benfica. Rui Vitória foi campeão com um ano na Luz. Vítor Pereira foi campeão com um ano de FC Porto e o mesmo sucedeu com André Villas-Boas nos dragões ou com Jorge Jesus no Benfica. Jesualdo Ferreira foi campeão no primeiro ano no FC Porto, como antes dele tinham feito Co Adriaanse, nos azuis e brancos, e Giovanni Trapattoni, no Benfica. José Mourinho foi campeão com um ano de FC Porto, como fizera Laszlo Bölöni no Sporting.
O último treinador a chegar a campeão em Portugal sem ser à primeira tentativa foi Jaime Pacheco, no Boavista, em 2001 – pegara na equipa e começara a construí-la à sua imagem em finais de 1997. E se quisermos restringir-nos a um grande, onde se estipula que se um treinador não é campeão logo à primeira tentativa é para descartar – e onde, com exceção de Sérgio Conceição, mesmo que o seja à primeira, é corrido se perder a segunda... – teremos de recuar a José Maria Pedroto, campeão no FC Porto em 1978 depois de acabar em terceiro em 1977. Já lá vão 45 anos – e mesmo isso pode ser entendido à luz do mais longo jejum da história do FC Porto e da paciência que foi sendo ganha com anos seguidos de derrotas. Tudo serve para nos evidenciar que em Portugal o sucesso não leva tempo a construir: ou entra de rompante pela janela ou não vem mesmo. Agora se isto é porque não temos paciência com os Klopps ou porque, quando somos bons, somos tão bons que nem precisamos de trabalho, já deixo à vossa consideração. Eu cá tenho uma ideia sobre isso.
Claramente, em Inglaterra temos exemplos como Arsenal em que Arteta está a ter tempo para implantar o seu jogo e fazer a sua equipa sem ganhar absolutamente nada. Isto em Portugal é quase impossível. Aqui tens 2 opções: ganhar ou ganhar ! Mas as pessoas ainda não perceberão que não podem ganhar todos, isto é futebol. Ganha-se e perde-se. Depois é preciso analisar como se ganha e como se perde e isso já é outra coisa.
Como Benfiquista não me importaria nada que o clube ficasse 2, 3 anos sem ganhar, desde que o clube assumisse uma política desportiva clara para todos.