João Mário e a intensidade
A caraterística mais marcante de João Mário não é a intensidade. Não joga de faca nos dentes. E ainda bem. Porque a inteligência que ele usa faz muito mais falta do que uma "ponta-e-mola".
Anda aí, há 20 anos, um movimento contra as “novas terminologias do futebol”. E o que é tonto é chamar-lhes novas, porque elas são ensinadas nas universidades pelo menos desde os anos 70 do século passado. Quando Mourinho começou a banalizá-las, porque as tinha ouvido dos seus professores no ISEF e achava que eram a melhor forma de explicar as coisas, logo o Mundo dos treinadores e dos jornalistas se dividiu entre veneradores babados, gente que achava que se falasse como Mourinho ia ganhar como ele, e opositores revoltados, cujo medo de perder a vez os levou a focar a rejeição na terminologia. O problema é que quase todos se focaram nisso e não em entender os conceitos. Daí que o movimento que é contra transições e blocos altos, médios ou baixos, que não admite entrelinhas e que rejeita ataques à profundidade, basculações ou ações de contra-pressão até tenha razão numa coisa: anda por aí gente que para ser moderna começa a disparar conceitos sem fazer ideia daquilo que está a dizer. João Mário, aparentemente, também acha o mesmo. “A falta de intensidade, hoje em dia, é desculpa para tudo”, disse o médio do Benfica, antes de concluir que “há uma banalização dessa expressão”. Aqui dou-vos, se é que ainda precisam, algum contexto. Enzo Fernández saiu do Benfica, cujo plantel terá ficado curto de jogadores para jogarem no par de médios do 4x2x3x1 de Schmidt. João Mário jogou ali no 3x4x3 de Jorge Jesus e as coisas não lhe correram bem. Mas, lá está: as equipas são organismos vivos. Ou, como disse João Mário, “a intensidade deve ser posta do ponto de vista coletivo”. Porque João Mário também jogou ali no 3x4x3 de Rúben Amorim e até foi campeão nacional. Qual era a diferença? Logo a começar, o outro médio, que era Palhinha nos leões e Weigl nas águias. João Mário não é um monstro de intensidade, não joga de faca nos dentes, não se desdobra em carrinhos – e ainda bem, porque a sua caraterística mais marcante é a inteligência, é ter um cérebro futebolístico que lhe permite ler as situações de jogo com rapidez e perceber quando deve acelerar, quando deve abrandar, quando deve ligar dentro, quando deve abrir na linha. Um parceiro como era Palhinha permitia-lhe tirar o melhor do seu futebol mais refinado a partir da zona de meio-campo, mas um colega como Weigl, mais parecido com ele, fazia com que o emparelhamento dos dois prejudicasse a equipa. A intensidade não é uma descoberta da modernidade, mas a banalização da sua utilização como explicação é um flagelo vindo de quem não entende um jogo que, à sua medida, é plural, e consegue compatibilizar as mais diversas caraterísticas num coletivo. E é aqui que se coloca a questão: “Está bem, mas se não dava com Weigl, pode dar com Florentino?” Florentino não é um jogador assim tão diferente de Weigl, apesar de ser mais físico. E sim, talvez até resultasse. Mas uma coisa é certa: como está neste momento, está a resultar. João Mário até descobriu a cura para o maior problema do seu futebol, que era a falta de golo. Está a chegar a zonas de finalização e a rematar com gosto e certeza. Portanto, se está bem, vão mudar para quê?
Potter e a ira. Graham Potter, treinador do Chelsea, a quem a vida não tem corrido lá muito bem, apesar dos milhões investidos em reforços, merecia um prémio pela forma como falou ontem, na conferência de imprensa que antecedeu o desafio da Champions com o Borussia Dortmund, acerca das arbitragens. O que estava em causa eram uma mão de Soucek na área, no jogo com o West Ham, e o facto de muitos comentadores televisivos o terem criticado por ele não se ter revoltado quando nem o árbitro nem o VAR assinalaram o penalti – o que, por sinal, nem me pareceu muito errado, pois a mão que toca a bola vai em direção ao solo em queda e está na extremidade do braço de apoio. “Claro que me zango. Sou um ser humano, como você. Simplesmente tento comportar-me de uma forma que julgo ser correta junto à linha. Os mesmos comentadores que agora querem que eu me zangue mais também falam dos problemas comportamentais no futebol de formação e são incapazes de encontrar aí uma ligação”, disse Potter. É que nunca Potter tinha tido tanta razão.
A UEFA e a organização. A nova Superliga já fez tantas cedências que é tão inevitável como a inflação. Já não vai ser uma prova fechada, o que me parece imprescindível. Já não vai ter membros fixos, o que também me parece justo. Vai distribuir dinheiro pelos futebóis menos favorecidos financeiramente, o que também é correto. Não vai tirar os clubes participantes dos campeonatos nacionais, medida que satisfaz os mais conservadores e saudosistas, mas que não só não me parece em linha com o paradigma atual da realidade europeia, como vai acabar por criar mais monstros superpoderosos em cada nação e reduzir as Ligas nacionais ao passeio dos gigantes. Mas lá chegaremos. A única coisa que parece estar em jogo por estes dias é: quem controla? Quem organiza? Quem recebe o dinheiro para depois o distribuir. A UEFA bate-se pela sua posição de reguladora, os clubes entendem que não precisam para nada do intermediário – que de caminho, enquanto parte e reparte, faz como diz o ditado e fica com a maior parte. Em condições normais concordaria. Aliás, quem já me leu ou ouviu falar do tema, sabe que há 25 anos sou favorável a uma Superliga europeia aberta, com vagas atribuídas de acordo com o mérito desportivo, mas com a UEFA como organizadora, porque via essa intromissão de Nyon como a única forma de travar tentações hiper-dominadoras dos maiores clubes e um avanço para outro tipo de competição. Agora, não é que tenha mudado de ideias, mas face às conclusões da comissão liderada por Tiago Brandão Rodrigues – de que a maior responsabilidade pela quase-tragédia da final de Paris foi mesmo da UEFA – preciso é de voltar a ser convencido. Este é o momento em que a UEFA tem de mostrar por que razão faz falta ao futebol europeu de clubes. Com medidas.