Jesus, da abundância ao trauma
Jesus mostrou-se otimista face a um fantasma: as piores temporadas que fez em dez anos à frente de um grande em Portugal foram sempre as segundas. Todas cheias de confiança e abundância.
Jorge Jesus exalou confiança, ontem, à partida do Benfica para Moscovo, onde os encarnados começarão amanhã a disputar a primordial presença na fase de grupos da Liga dos Campeões, contra o Spartak de Rui Vitória. O treinador até falou à comunicação social, no aeroporto, tal foi a vontade de aparecer como um homem a precisar de desafios, ansioso por vê-los começar e por finalmente abrir as portas de uma temporada que para ele tem sido sempre traumática: a segunda que passa à frente de um grande clube. “Estou satisfeito com o plantel que tenho”, disse Jesus, contrariando as opiniões segundo as quais este grupo não só não estaria ainda completo, como sobretudo que tem gente a mais em algumas zonas. É que essa foi sempre a história das segundas épocas de Jesus: a abundância e o desperdício já o conduziram aos maus resultados no Benfica, em 2010/11, e, depois, no Sporting, em 2016/17. A ver se desta vez, com a mesma receita, evita a desilusão em campo.
É verdade que desta vez as coisas foram diferentes. É que havia duas verdades incontestáveis quando se conjugava Jorge Jesus com um grande clube. A primeira era que a época de estreia era retumbante e já foi contrariada: Jesus foi campeão nacional com 84,4% dos pontos ganhos no Benfica em 2009/10, imponente segundo classificado, com 84,3% dos pontos ganhos no Sporting, em 2015/16, e até, se quisermos completar o ramalhete, campeão brasileiro com o Flamengo em 2019, com mais dez pontos que o vencedor anterior e mais nove do que aquele que lhe sucedeu. Desta vez, a primeira época no Benfica, ainda por cima com um investimento sem igual na história do futebol português, não lhe chegou para mais do que um terceiro lugar na Liga e uma posição de finalista vencido na Taça de Portugal, ficando até fora da fase de grupos da Liga dos Campeões.
A segunda verdade – que não foi possível confirmar no Flamengo, porque Jesus não chegou a começar o seu segundo Brasileirão, regressando ao Benfica… – era que a segunda época começava em euforia mas acabava em depressão. Os piores dos dez campeonatos disputados por Jesus num grande clube em Portugal foram os das segundas épocas que passou no Benfica e no Sporting: 70 por cento dos pontos ganhos no Benfica em 2010/11 e 68,6% no Sporting em 2016/17. No primeiro caso deixou escapar 13 pontos em relação à temporada anterior, no segundo deixou fugir 16. Isto apesar da forma naturalmente otimista com que começou essas épocas, seja porque as anteriores já tinham sido muito boas ou porque o mercado lhe trouxera nomes como Roberto, Gaitán, Jara, Rodrigo ou Salvio (2010/11), Bas Dost, Alan Ruiz, Markovic ou Campbell (2016/17).
A esperança dos benfiquistas será a de que, desta vez, Jesus tenha concentrado os erros que costumava cometer à segunda época logo na primeira, ela sim um exemplo paradigmático de euforia desmedida, com os 105 milhões de euros investidos no mercado. Desta vez, entre as entradas e as saídas, o Benfica até é o único dos três grandes a apresentar, para já, um saldo positivo na balança de pagamentos – recebeu 35 milhões de euros e só gastou 24,5 milhões. Mesmo que se contabilizem os 7,5 milhões que o clube há-de pagar ao Inter Milão por João Mário, o balanço continuará a ser positivo. Mas antes de a bola começar a rolar a sério, fica a ideia de haver algum desperdício no ataque e de ainda ali faltar um homem, o tal médio mais físico, que case bem com Weigl ou João Mário, de forma a poder construir o núcleo de meio-campo a dois. Sim, veio Meité, mas terá ele a qualidade para “encostar” algum dos outros dois? Porque se é para jogarem os três, isso significa que vai faltar ainda mais uma vaga na frente para encaixar todos os avançados que estão neste plantel.
Jesus parece disposto a alternar entre o 3x4x3 e o seu tradicional 4x4x2. No primeiro sistema fica quase impossível encaixar Meité, Weigl e João Mário – só se encaixar o alemão nos três de trás, o que me parece um desperdício ou se incluir o português nos três da frente, para o que sempre lhe faltou golo. No segundo sistema, poderá jogar com João Mário a partir da direita e Everton ou Rafa na esquerda, mas aí complica ainda mais a forma de encaixar os seus muitos avançados. É que se no primeiro caso teria três vagas para eles (incluindo Rafa, Pizzi e Everton no lote), no segundo elas já seriam apenas duas. E no plantel estão Darwin, Jota, Waldschmidt, Seferovic, Yaremchuk, Rodrigo Pinho, Gonçalo Ramos e Carlos Vinícius. A não ser que o mercado ainda leve pelo menos três destes homens, vai ser muita gente a ver a banda passar durante muito tempo. E isso não é saudável em nenhuma equipa.