Isto não é um hospital dos malucos
Nuno Santos viveu um dia semelhante aos que já tinham vivido Tonel ou Jackson Martínez, por exemplo. E quem continua a prosperar são os Goebbels. Porque isto não é loucura. É serviço de agenda.
Nuno Santos terá perdido parte do dia de ontem a ler e a apagar comentários insultuosos e ameaçadores nas redes sociais numa imagem em que assinalava o primeiro mês de vida do filho. Razão? A transmissão do Rio Ave-Benfica mostrou que, minutos antes de o extremo do Rio Ave ter sido expulso, por entrada violenta sobre Pizzi, Bruno Lage lhe dirigiu a palavra, exibindo-lhe três dedos e fazendo sinal de lhe telefonar ou de aguardar que fosse ele a ligar. A conclusão destes magos da investigação criminal, ajudada pelo facto de o jogador ter passado pelos encarnados no seu trajeto profissional, ter sido campeão na Luz e, durante a festa, no Marquês, ter jurado “amor eterno” ao clube, era que estavam ali a combinar a forma de Nuno Santos deixar a equipa reduzida a nove – então está-se mesmo a ver, nove é múltiplo de três… – e que, portanto, o jogador foi corrompido. Isto já não vai lá com terapia nem internamento. Há gente da qual é mesmo preciso desistir.
E é preciso desistir porque isto não se trata. Porque os criadores desta teoria da conspiração não são os mesmos que, há meses, lançaram uma campanha semelhante a propósito de Jackson Martínez, quando este falhou um penálti no Dragão contra o FC Porto depois de lá ter sido campeão. São outros. Esses, os do Jackson, andaram entretidos, por exemplo, a garantir que se o Canelas 2010 fosse jogar com o FC Porto na Taça de Portugal, ofereceria o jogo, pois Fernando Madureira, o seu jogador mais emblemático, é o líder dos SuperDragões. Talvez sejam alguns dos que, há uns anos, tentaram destruir a reputação de Tonel, quando este, ao serviço do Belenenses, fez um penalti no final do jogo com o Sporting, onde o defesa-central passara uns anos, dando uma vitória complicada aos leões. Mas depois todos tiveram comportamento diametralmente oposto no Mundial 2018, quando viram Carlos Queiroz, à data selecionador do Irão, falar com João Moutinho, médio da seleção portuguesa, antes de um lançamento lateral – aí, como o jogador era “dos nossos”, o mau da fita já era o outro, esse malvado do Queiroz, que naquele caso já não devia estar a sugerir a João Moutinho que vendesse o jogo, mas apenas a dizer-lhe qualquer coisa que lhe afetasse o rendimento.
Tentei dar o meu contributo em todos estes casos. Falei de Tonel, de Queiroz e Moutinho, do Canelas 2010 e de Jackson. Não sou capaz de garantir que todos estes casos tenham sido limpos, por uma razão muito simples: não os conheço em profundidade. Mas o importante aqui é que também ninguém está em condições de garantir o contrário, que um só deles tenha sido manchado pela infâmia da corrupção e do favorecimento. Isso, no entanto, na casa de malucos em que está transformado o futebol português, não basta. Suja-se a reputação de quem quer que seja por uma razão muito simples: veste cores diferentes e pôs-se a jeito de se transformar em vítima para a agenda comunicacional de um ou do outro clube. Isto está tão tóxico que já não se para em lado nenhum: nem no inocente bebé de Nuno Santos nem nas evidentes dificuldades físicas e espírito de sacrifício que deviam transformar Jackson Martínez num campeão, num exemplo a ensinar aos miúdos nas academias e não num alvo da loucura em que esta gente transformou o futebol em nome da defesa de interesses tão particulares.
E atenção: aqui não falo dos cidadãos que servem de megafone a estas coisas, ainda que também eles devessem pensar duas vezes antes de carregarem no botão de partilhar ou de publicar. Também eu tenho a minha dose diária de insultos e às vezes dou comigo a ver os perfis das pessoas que perdem tempo a chamar-me nomes feios, a acusar-me disto e daquilo, sempre de coisas que nunca fiz. E são pessoas como eu, com família, filhos que amam, amigos com quem passam bons momentos… Simplesmente, quando se lhes fala do clube – ou, mais ainda, do clube rival – ficam cegos e servem de correia de transmissão de qualquer coisa na qual escolhem acreditar. Aqui falo dos Goebbels da propaganda, de quem faz nascer estas bolas de neve e acusa sem provas, porque o importante não é condenar, mas sim condicionar e nutrir a ideia de que tudo passa impune quando são os interesses do rival que estão em causa. Aqui pergunto a mim próprio como é que essa gente consegue chegar à noite, encostar a cabeça à almofada e dormir com tranquilidade. Porque eu não conseguiria.