Incoerência e resignação
O Chelsea gastou 600 milhões, mas não se lhe vê um rumo. O Liverpool FC resignou-se a uma ideia que já não serve aos jogadores. As lições da época são de Arsenal, Newcastle e Manchester United.
Como é que se muda um clube? Qual é o clique necessário para transformar um grupo de jogadores sem esperanças nem expectativas num coletivo vencedor? No Chelsea, a resposta de Boehly e Eghbali, os donos americanos que os ingleses dizem que não compreenderam como funciona o futebol, é simples: altera-se o grupo de jogadores, e faz-se isso de uma forma radical. Mas as coisas ainda não mudaram, como se viu no empate sem chama cedido contra o Fulham na estreia de Enzo Fernández, com mais quatro reforços de inverno em campo no final dos segundos 90 minutos seguidos a zero. E a mudança já conduziu a confusões, como a surgida do facto de a equipa não fazer golos, ter gasto mais de 600 milhões de euros e não ter ido buscar um goleador, ou a nascida da constatação de que Badiashile foi o reforço de Inverno que o técnico julgou mais útil – a ponto de ser o único sempre titular – mas não foi inscrito na Champions. O segredo é a estabilidade, então? No Liverpool FC, as águas paradas em torno de Jürgen Klopp e do seu estranho conformismo parecem indicar o contrário. Os 3-0 infligidos aos reds, que na Primavera passada estiveram à beira de ganhar o quadruplo, por um Wolverhampton WFC que não marca golos a ninguém, foram o pináculo de uma série de resultados negativos que tem deixado o alemão mais até do que conformado: resignado em torno da sua impotência de fazer vingar uma ideia que já não serve aos jogadores que tem – e que ou perderam intensidade ou estão simplesmente demasiado cansados para aquele jogo de Gegenpressing que os fazia especiais. Inglaterra é um país especial nestas coisas, porque em qualquer outro local se estaria já a pensar em quem seria o substituto de Klopp. Bastava olhar para o estádio mais próximo, o do Everton, que era uma equipa derrotada e agora acaba de bater o líder da Premier League, o Arsenal, simplesmente trocando um treinador-caviar, como Frank Lampard, por um técnico “blue colar”, Sean Dyche, e exigindo aos jogadores que deixem de fazer flores, corram mais e façam mais carrinhos. Mas isso, já se sabe, não resulta no longo prazo: o grupo de bombos de Marco de Canavezes nunca tocará Wagner ou Verdi. Em Anfield, aquilo que mais ocupa os observadores são exercícios em torno do que Klopp fará no mercado se o Fenway Sports Group lhe der algo parecido com o que foi gasto pelo Chelsea esta época. E aí virá um novo meio-campo, com Bellingham – o novo Gerrard – e Matheus Nunes, por exemplo. Voltamos ao dinheiro, portanto. E neste círculo vicioso se esgota aquilo que está na base de qualquer mudança. Dinheiro, sim, estabilidade, também, mas uma ideia. Os clubes que mais mudaram – para melhor – da época passada para esta na Premier League fizeram-no em torno de ideias, se calhar contraditórias entre elas mas coerentes no seu âmago. O Arsenal fê-lo a aperfeiçoar a ideia de futebol positivo, de toque e criatividade, montado em cima de um meio-campo de ferro, que Mikel Arteta atingiu à base da insistência e da busca coerente de peças capazes de complementar o todo de uma forma gradual. O Newcastle United chegou lá em torno de uma ideia negativa, de segurança atrás, que o dinheiro dos sauditas permitiu a Eddie Howe pôr em prática – mesmo assim gastando em ano e meio menos de metade do que gastou o Chelsea só esta época. E o Manchester United conseguiu-o à volta de uma ideia de liderança para a qual foi fundamental que Erik Ten Hag trocasse um pentacampeão europeu com um brilho próprio por um pentacampeão europeu que faz brilhar os outros. Não há um trilho universal para o sucesso, mas a coerência continua a ser a maneira mais segura de chegar ao destino.
De André Almeida a Kane. André Almeida emocionou-se mesmo quando se despediu de um Estádio da Luz cheio para celebrar a liderança do Benfica. No relvado, em duas filas, estavam dispostas as taças que ele ajudou a ganhar: cinco Ligas, quatro Taças da Liga, duas Taças de Portugal e uma Supertaça. André Almeida nunca foi um grande craque, não era um Maradona, mas era no Benfica um daqueles jogadores que faz um grupo – e todos os grupos vencedores precisam de os ter. Um dia depois, lembrei-me dele quando Harry Kane marcou o golo da vitória do Tottenham sobre o Manchester City, o seu 267º golo com a camisola dos Spurs, superando o recorde do clube, que pertencia a Jimmy Greaves. No final do jogo, toda a equipa do Tottenham celebrou Kane e até Antonio Conte, retido em Itália por causa de uma operação à vesícula, telefonou ao seu adjunto, Cristian Stellini, para que este lhe passasse o goleador de forma a que também ele pudesse felicitá-lo ainda no balneário. Kane é a maior figura da história do clube em que joga desde os 11 anos, um dos maiores clubes ingleses. É um mega-craque - ainda que não seja um Maradona, que isso já não é para qualquer um. Admitiu que se lançou já na perseguição do recorde de golos na Premier League, que pertence a Alan Shearer. Mas não ganhou um troféu. Não tem um, para amostra. Em taças, leva 12-0 de André Almeida. E isto, mais do que qualquer outra coisa, prova aquela frase feita, a de que um homem é ele mais as suas circunstâncias.
Pizzi e Bruma já mostram serviço. Escrevi, há uma semana, que o SC Braga estava mais forte depois do mercado de Inverno, e os 5-0 que os minhotos apanharam do Sporting em Alvalade logo nesse mesmo dia foram uma espécie de vitória de Pirro dos que andam no futebol pelo prazer de contestar. Mas volto a dizer: o SC Braga está mais forte após o mercado de inverno. Ontem, teve algumas dificuldades para ganhar ao FC Famalicão, o 4-1 até foi um resultado mentiroso, porque foi exagerado para o que as duas equipas mostraram, mas Pizzi e Bruma já começaram a mostrar serviço. Pizzi pela capacidade de se inserir entrelinhas e tabelar, criar pontos de fixação em criação e deixar os colegas em posições de finalização privilegiada. Bruma porque tem golo a somar à velocidade que o torna uma ameaça constante. O SC Braga até pode não ser capaz de repetir a vitória – e o 3-0 – com que aviou o Benfica em finais de Dezembro quando as duas equipas voltarem a encontrar-se, esta semana, para a Taça de Portugal. Pode até perder, que o Benfica também tem estado a fortalecer-se gradualmente para encaixar o golpe que foi a perda de Enzo. Mas não será isso a convencer-me de que o SC Braga não está mais forte. Porque está.