Ilações da Champions no Porto
O que se passou no Porto antes e depois da final da Champions revela falta de cálculo, de razoabilidade e até de vergonha na cara.
Há duas dimensões para avaliar tudo o que se passou no Porto em torno da final da Liga dos Campeões e de nenhuma delas o Governo português sai bem visto. Uma tem a ver com a falta de cálculo daquilo que uma final entre equipas inglesas somada à abertura das fronteiras implicava – milhares de adeptos sem bilhete prontos a gozar a “atmosfera” da cidade em que a sua equipa ia jogar. A outra tem a ver com a diferença de tratamento dado aos adeptos portugueses, até agora privados de ver as suas equipas – por vezes até os seus filhos, quando se trata de perigosíssimos jogos de formação, seja em que modalidade for – a não ser através da TV. Se houver um pingo, já não digo de razoabilidade, mas até de vergonha na cara e de justiça, não teremos nem mais um espetáculo desportivo sem público a assistir em Portugal nos próximos tempos.
Pedro Proença, presidente da Liga, já o disse. Mas Proença é Proença, diz as coisas de uma forma tão tranquila e fofinha que poucos o ouvem. Também por isso, o soundbyte de Proença surgiu em nota de roda-pé, atrás das declarações políticas de Marcelo Rebelo de Sousa, como sempre muito preocupado com o escalar da doença, ou da agitação promovida por Pinto da Costa e pelo FC Porto, que sabem muito melhor como é que funciona Portugal e por isso já desataram a pedir demissões. Do ministro e do secretário de estado, para já, mas quem sabe se também do contínuo, de quem manda nas polícias ou de quem deixou entrar a horda de ingleses que veio consumir nas esplanadas. Que é como quem diz: que veio dinamizar a nossa economia. No sábado de manhã, estava eu a ver na TV as mais recentes imagens de ingleses embriagados a apanharem o sol quente do Porto, a maioria deles sem máscara, com centenas de copos de plástico cheios de cerveja a servirem de plano de corte, quando recebi um SMS da ANEPC, a Autoridade Nacional de Energência e Proteção Civil, a alertar para a necessidade de usar sempre máscara e para a proibição de consumir álcool na via pública. Cheguei a fazer um “printscreen” com a mensagem, para a twittar com alguma indignação, mas parei a meio, que a piada fazia-se sozinha.
É claro que há aqui ilações a tirar. A primeira, já o disse, é para a hipocrisia ou impreparação total de quem planeou a coisa, do Governo à Câmara do Porto, com passagem pela Federação Portuguesa de Futebol. Das duas uma: ou nem sonham como é que funcionam os adeptos ingleses – e estes estavam amordaçados há tanto tempo que, tal como aconteceu com os do Sporting nos festejos do título, já se sabiam que iam exceder-se – ou sabiam e andaram todos a gozar connosco. Toda a gente que preste um mínimo de atenção a estas coisas – e isso é a obrigação quer de quem se ocupa de segurança de eventos desportivos quer de quem apenas os vê na perspetiva diletantística – sabe que os adeptos ingleses se dividem em dois tipos: os que têm uma condição financeira mais desafogada e podem comprar bilhetes para ver a bola e os que, não podendo pagar a Premier League, se limitam a jogar no campeonato dos pubs com a sacramental “pint” de cerveja na mão. Os primeiros até podiam vir a Portugal em bolha, como foi anunciado por toda a gente envolvida na organização. Aos segundos, não há bolha que os segure. Não são hooligans, atenção. Não vale a pena dramatizar. É só malta que gosta de se divertir e que anda enjaulada há muito tempo. O Porto, neste caso, serviu de teste para as autoridades inglesas começarem a ver o que terão de enfrentar em breve. Espero ao menos que tenham agradecido.
A segunda ilação tem implicações no futuro. Francamente, não consigo ser contra a presença de espectadores nas bancadas do Dragão. Há muito que considero que há condições para que tenhamos público nos nossos estádios, quer em jogos de alta competição, como os da nossa Liga, quer em jogos que não levam ao estádio mais gente do que os pais e restantes familiares dos jogadores, como os do desporto de formação. Todos esses espetáculos desportivos têm decorrido sem público, levando a imagens deprimentes, de pais empoleirados em redes ou encavalitados em cima de carros na via pública para poderem ver os seus rebentos jogar ao fim de mais de um ano sem competição. O meu filho, que é sub18 em rugby, fará no próximo domingo o primeiro jogo desde Março de 2020, e já nos foi dito a todos que as indicações da DGS são para impedir a presença de público – diga-se que costumávamos ser uns 150 ou 200 em cada jogo dos rapazes nos sub16. E é aqui que digo que é preciso ter uma grande lata. Porque um pingo de vergonha chegaria para os responsáveis se esconderem nos próximos tempos e não se atrevessem sequer a ditar qualquer tipo de restrição.