Heroísmo à portuguesa antiga
O Benfica de Nélson Veríssimo eliminou o Ajax recorrendo ao mais velho ardil que os portugueses sempre usaram para levar a melhor sobre os neerlandeses. No futebol, não há verdades absolutas.

No futebol, não há receitas que resultem sempre nem remédios condenados ao fracasso. A prova disso foi a forma altamente estratégica como o Benfica superou o Ajax, ontem, na Liga dos Campeões. Os neerlandeses eram favoritos, tinham desfeito todas as equipas que tinham defrontado até aqui na prova, incluindo o Sporting, que por sua vez ganhara os dois jogos que fez com o Benfica esta época. Desta vez, esbarraram numa estratégia de controlo do jogo sem bola da formação de Veríssimo, uma ideia que muitos observadores consideram obsoleta e muito arriscada, mas que deu frutos. Em Amesterdão, o Benfica olhou para a tradição, jogou à “portuguesa antiga” e prolongou uma história que manda alinhar assim contra equipas neerlandesas. Nem sempre o futebol que a anedota consagrou como o “jogar ao ataque todos fechadinhos lá atrás” dá resultado, mas a olhar para o histórico de confrontos entre equipas portuguesas e neerlandesas ele parece ser, pelo menos, o mais recomendável, a ponto de parecer mentira que os Países Baixos devam, apesar de tudo, começar a próxima temporada à nossa frente no ranking de clubes da UEFA.
Não vou mentir-vos. O futebol que o Benfica colocou em campo ontem não é bonito de ver nem pode ser aplicado no quotidiano dos encarnados, contra os Vizelas e os Estoris desta vida. E depende de uma noite sem erros de quem está nas linhas atrasadas. Além de ter sido extremamente eficaz na frente, marcando golo na única bola que enquadrou com a baliza de Onana, o Benfica foi extraordinariamente seguro atrás, contando com uma noite imaculada de Otamendi e Vertonghen e, por mais inadaptados que tivessem estado às funções que lhes foram pedidas pelo treinador, com posicionamentos defensivos sempre corretos de Taarabt e Everton. O próprio Nélson Veríssimo, que na véspera tinha usado a metáfora do “gato e do rato” para definir o que ia ser a partida, depois do jogo reafirmou o ardil. “Se não dá de uma maneira, tem de ser da outra”, disse. E percebo que os mais puristas defensores da evolução e das ideias positivas se revoltem contra a aceitação de que “não dá de uma maneira”, mas a verdade é que não tem mesmo dado. Que o diga Rúben Amorim, cujo “mea culpa” após o 1-5 caseiro com o Ajax partiu das mesmas premissas, ainda que seguindo um caminho filosófico diferente. “No próximo jogo, só jogaremos fechados lá atrás se nos empurrarem”, afirmou nessa altura o treinador leonino.
Foi diferente a escolha de Veríssimo. O Benfica reconheceu em campo a qualidade da posse do Ajax e preparou-se sobretudo para o embate. Defendeu com uma linha de quatro atrás – às vezes cinco, se Weigl se juntava aos centrais, atrás de movimentos verticais de Berghuis – e mandou dois médios encostarem nas alas: Taarabt surgia quase como um segundo defesa-direito, arrastado pelas movimentações de Gravenberch, e Everton estava preocupado com as compensações a Grimaldo no lado esquerdo, porque entre Antony e Mazraoui nunca se sabia muito bem quem ia surgir por fora e por dentro. Na frente, Rafa, Gonçalo e Darwin formavam uma linha em posicionamento defensivo mais controlador do que pressionante, para não abrir espaços entre e os médios na perseguição à saída curta dos holandeses. Foi perfeito? Não, longe disso. Faltou sempre a capacidade para sair a jogar, para chegar à frente com bola e dar aos de trás o tempo para respirar que em condições normais lhes faltaria. E também não foi bonito de ver. No entanto, mesmo que se reconheça que não é um fato que sirva no dia-a-dia – por isso mesmo o Benfica está internamente como está – ou que pode ser muito perigoso e dependente de uma falha dos homens de trás, a verdade é que contra neerlandeses costuma resultar.
A ver o jogo de ontem, só me lembrava de eliminatórias antigas entre equipas destas duas escolas. E a verdade é que, regra geral, a neerlandesa pura perde com a portuguesa antiga. O Benfica-Ajax de 2022 foi a nona eliminatória consecutiva que equipas portuguesas ganharam a equipas holandesas, todas desde que o Vitesse Arnhem eliminou o Beira Mar, em 1999. Já no século passado, portanto. Desde então, o Sporting afastou o Feyenoord, o AZ Alkmaar e o Twente, o Benfica afastou o PSV Eindhoven (por duas vezes), o Twente, o AZ Alkmaar e, agora, o Ajax, e até o Arouca FC superou o Heracles. Nos últimos 50 anos, em 25 eliminatórias, os neerlandeses só levaram a melhor seis vezes: PSV sobre o Benfica em 1974/75 e na final de 1987/88; Roda JC face ao Vitória SC em 1988/89; outra vez PSV perante o FC Porto na mesma época de 1988/89 e Ajax sobre o Vitória SC em 1992/93, além da tal eliminatória ganha pelo Vitesse ao Beira Mar em 1999. O resto foram vitórias lusas, muitas delas à antiga portuguesa, exemplificada na perfeição, por exemplo, na forma como o FC Porto de Tomislav Ivic limpou a Supertaça Europeia ao Ajax de Johan Cruijff, em 1987/88, com dois defesas-laterais de cada lado e saídas sempre apoiadas para o contra-ataque a revelarem a velocidade de Rui Barros ao Mundo.
O Ajax que o Benfica eliminou parecia ser uma das equipas mais fortes da Liga dos Campeões, mas sucumbiu a uma ratoeira tão velha como esta. Isto, contudo, também não significa que se possa apostar de forma consolidada na “portuguesa antiga”, nem sequer quando se defrontam adversários mais poderosos, quanto mais fazer dela uma identidade preferencial. O futebol, é bom lembrá-lo, não tem verdades absolutas, nem no plano estratégico nem no dos princípios. Numa altura em que se aproxima a toda a velocidade o play-off em que a seleção nacional vai discutir o apuramento para o Mundial de 2022 e em que as escolas de pensamento, mais uma vez, vão extremar-se e digladiar-se, este foi pelo menos um bom abre-olhos.
Tadeia, hoje, os desportivos exaltam o feito do SLB, e bem. Há dois dias, massacravam o mesmo clube por ter empatado com esse grande colosso do nosso futebol, que dá pelo nome de Vizela. Então, um pouco desvalorizado face às questões dos Braz(es) e var(es). Mas, como costuma dizer, um jogo é um organismo vivo. Como tal, mais do que o sistema é a forma como os jogadores encaram o jogo e este era supre importante, mais do que o da Luz com o Vizela. Nisso não tenho dúvidas.
Bom dia António,
Foi mesmo à antiga, não sei porquê mas tinha aquele feeling que ontem seria mais uma noite para a história em Amsterdam. O Otamendi e o Vertonghen foram enormes e como jogaram sempre bem colados atrás não tiverem de se expor ao seu ponto fraco que é a velocidade. De salientar também Grimaldo que tem muitas limitações a defender e ontem Antony não fez quase nada, passava bolas pro lado. Meite demonstrou que tem fisico para estes jogos e defende melhor do que ataca. Para mim o único elemento que podia ter feito muito melhor e ter dado mais saída de bola foi Rafa, errou quase todos os passes e perdia a bola facilmente, o único ponto positivo dele é que ajudou e muito a defender. Depois Yaremchuk entrou e meteu mais corpo no jogo, batalha muito pela bola e ajudou a equipa. Gonçalo Ramos mostrou porque é que tem jogado sempre. Esteve muito bem.
Parabéns ao Treinador e aos jogadores que deram tudo em campo.
Cumprimentos