Gestão de expectativas dos outros
Pinto da Costa falou ao Porto Canal e mostrou a capacidade de sempre na gestão de expectativas... alheias. O que é uma forma como outras de criar narrativas - só que mais subtil.
A entrevista de Pinto da Costa ao Porto Canal foi bem diferente da recentemente dada por Luís Filipe Vieira à BTV. Não que a realidade seja tão diferente assim, pois apesar da excelente campanha na Liga dos Campeões, o FC Porto está a viver uma época negativa a nível nacional. Não que a explicação para esse fracasso seja tão melhor assim, pois se Vieira insinuou que o surto de Covid-19 do Benfica teria começado nos balneários do Dragão, Pinto da Costa deu cobertura oficial à teoria segundo a qual a FPF e a APAF quererão a despromoção do FC Porto B, mesmo que para dizer que não acredita nela. A grande diferença teve a ver com uma gestão mais racional de expectativas alheias, fruto da experiência, do facto de já ter ganho muita coisa, tudo somado a impedir o presidente dos dragões de disparar tiradas que haviam de lhe cair em cima um dia.
Aquilo que diz Pinto da Costa é que acredita “que é possível ganhar a Liga dos Campeões”. É um excesso de otimismo? Creio que sim. Mas é diferente dizê-lo assim ou abrir a boca para dizer o que disse Vieira há pouco mais de dois anos: “Não sairei do Benfica sem ser campeão europeu!”, afirmou o presidente encarnado no dia em que celebrou 15 anos de mandato à frente do clube. A grande diferença é que Pinto da Costa é mais racional e menos emocional do que o seu antigo amigo e agora grande rival – ou do que quem lhe escreve os discursos – e isso permite-lhe fazer gestão de expectativas. Não as dele, mas as dos que o ouvem. Foi o que se passou, também, na questão da renovação de contrato de Sérgio Conceição. Apesar de já ter mercado a sério no estrangeiro, fruto dos dois campeonatos ganhos em três anos e da segunda presença nos quartos-de-final da Liga dos Campeões em quatro épocas, Conceição ainda é jovem e não perderá muito se permitir ao líder cumprir a promessa de o ter como treinador até ao fim da sua presidência. E atenção: dizer isso não é dizer que isso vá acontecer.
Seriam mais três anos, o que na vida de um treinador é muita coisa. Desde que continue a ter condições para ganhar internamente – e a perspetiva do clube sair debaixo do escrutínio do “Fair-Play Financeiro” pode ajudar – Conceição pode bem dar-se ao luxo de o admitir e de renovar contrato. Se não ficar será sobretudo por não acreditar nas tais condições para ser vencedor com regularidade no plano interno – foi feita muita asneira nos anos que levaram o clube a cair em incumprimento do tal “fair-play”. Nesse caso, contudo, o que prevalecerá será sempre o apelo de um contrato com um grande do estrangeiro, da mesma forma que Mourinho e Villas-Boas saíram por não poderem recusar as ofertas do Chelsea ou que Ivic foi para um prestigiante cargo na FIFA no dia em que foi despedido. Mais uma vez: pura gestão de expectativas. Nunca Pinto da Costa assumiria um processo a um ex-treinador, como fez Vieira com Jorge Jesus, porque isso seria o mesmo que dizer que tinha sido enganado. E isso leva a outra parte a alinhar na narrativa. Nunca Pinto da Costa diria que não quer renovar com um jogador ou que ele nunca mais vestirá a camisola do clube, como fez Vieira com Taarabt, mas isso não quer dizer que tenha gerido bem os dossiers de renovação de Marega e Otávio, que o clube pode perder a custo zero, um porque o empresário não consegue vir a Portugal e o outro porque está preso por detalhes.
A narrativa é depois feita de vitórias várias e também, como é normal, de alguns insucessos, mas sempre por culpa alheia. Não há público nos estádios nem o dinheiro que dele viria por culpa do Governo, que até permitiu testes (que correram bem) nos estádios, mas apenas para fechar tudo de novo. A própria argumentação do presidente portista a propósito da abertura do país no Natal – “foi um suicídio” – contradiz a reclamação de uma maior abertura para os estádios de futebol, mas mais uma vez não é isso que passa. Aquilo que chega às pessoas é a narrativa de um Governo anti-futebol – e creio que com alguma razão, sobretudo na área da formação – como é a de uma Liga e de uma Federação anti-FC Porto, que Pinto da Costa sabe bem que colhe entre os adeptos do clube. A ideia do “ganhar contra tudo e contra todos”, que esteve na base do “pintodacostismo” e do “pedrotismo” ainda recentemente voltou à tona quando, em dia de enorme sucesso contra a Juventus, na Liga dos Campeões, andava toda a gente preocupada com a injustiça que foi não ter havido perguntas dos jornalistas na conferência de imprensa de Sérgio Conceição. Um tema que não só teve explicação racional – não foi permitida a presença de repórteres e o link de Zoom fornecido pela Juventus estava errado – como era irrelevante face à dimensão do que tinha sido conquistado em campo e que devia ser enaltecido.
O que este caso mostra, mais uma vez, é gestão de expectativas… dos outros. Tal como é isso que se vê na questão do FC Porto B, que é último da II Liga, ao que disseram a Pinto da Costa, porque dá jeito tê-lo na futura Liga 3, cujos direitos televisivos pertencem ao Canal 11. “Não acredito”, disse Pinto da Costa, sem no entanto deixar de explicar a teoria da conspiração com todos os detalhes. E é isso que passa – da mesma forma que o que passou da conversa de Vieira sobre o surto de Covid-19 no Benfica foi que ele tinha sido originado – alguns dirão até que fabricado – no balneário do Dragão.