F80 (5): Barbosa
Cresceu no Boavista mas mudou-se em meados dos anos 50 para o FC Porto. De azul e branco, comprovou qualidades, ganhando campeonato e Taça e jogando pela seleção nacional.
Tinha fama de andar sempre de cara séria, como se o ato de defender com rigor a isso o forçasse. Certo é que foi uma referência na arte de impedir os golos a Norte, primeiro recusando cair com a equipa do Boavista, quando esta foi perdendo craques até descer de divisão, depois tornando-se preponderante no lado esquerdo do setor mais recuado do FC Porto, a ponto de ser internacional A na época em que a equipa foi campeã nacional. Era já nessa altura um jogador experiente, prestes a ceder o lugar às estrelas emergentes, mas nem por isso deixou de marcar uma era no futebol da cidade do Porto.
Barbosa apareceu no Boavista durante a época de 1951/52. Tinha 20 anos quando o argentino Lino Taioli o chamou à equipa principal dos axadrezados, a 20 de Janeiro de 1952. A ocasião foi uma receção ao Barreirense, que o Boavista venceu por 4-2, mantendo o excelente quinto lugar que viria a ocupar na tabela final do campeonato. Já não saiu da equipa até final da época, ocupando a sua posição, por exemplo, a 3 de Fevereiro, nos 3-0 sobre o Sporting, que até viria a ser campeão nacional. Barbosa manteve o estatuto de titular com António Valadas e, à exceção das primeiras duas jornadas (derrotas contra o SC Braga e o FC Porto), em Setembro e Outubro de 1952, alinhou em todos os jogos de 1952/53. A perda de jogadores como Gastón, que voltou a Espanha, ou Fernando Caiado, que assinou pelo Benfica, teve no entanto custos para a equipa do Boavista, que já não foi além de um nono lugar no campeonato. Voltou, ainda assim, a empatar os dois jogos com o Sporting, mais uma vez campeão nacional, ainda com quatro dos cinco violinos no grupo.
A quebra da equipa do Boavista, no entanto, era uma questão de tempo. A época de 1953/54, marcada por 11º lugar na tabela final do campeonato, ficou na história para Barbosa por três razões: uma permanência sofrida, garantida a 9 de Maio, na penúltima jornada, com uma vitória por 2-0 sobre o Belenenses; a chegada às meias-finais da Taça de Portugal, com eliminação aos pés do Vitória FC (mas mesmo assim ganhando em casa por 6-2 depois de ter perdido fora por 6-0); e um raríssimo golo do defesa, marcado a 23 de Maio nos 6-1 à Académica com que os axadrezados iniciaram a caminhada na segunda competição nacional. Os sinais, no entanto, estavam todos lá. E, num campeonato em que Barbosa até foi totalista, o Boavista acabou mesmo por descer de divisão. Nem as cinco vitórias nos últimos cinco jogos em casa (entre elas um 5-2 ao FC Porto) evitaram a queda da equipa liderada por Janos Zorgo para o segundo escalão.
Barbosa ainda fez parte da equipa que tentou – sem sucesso, apesar de ter vencido a Zona Norte da II Divisão – o regresso em 1955/56. A campanha serviu-lhe para duas coisas diferentes. A 18 de Dezembro de 1955 fez parte da seleção B de Portugal que defrontou a Áustria no Estádio das Antas. Uma honra para um jogador de II Divisão. E no final da época, fracassada a tentativa de subir de escalão, estava a mudar-se para o FC Porto. E a transferência tem história. O jogador era adepto portista desde miúdo e queria muito jogar de azul-e-branco. O FC Porto andava de olho nele, mas o Boavista não facilitava. Acicatado até pela rivalidade citadina, queria 300 contos pelo jovem de Miragaia. Era muito dinheiro. E Barbosa só se mudou porque houve cedências de todas as partes. O FC Porto pagou 150 contos, o jogador cedeu ao Boavista os 30 contos de luvas a que teria direito e os axadrezados libertaram-no com um enorme desconto, acedendo a receber apenas 180 contos.
Nas Antas, porém, a defesa estava bem estabelecida: Virgílio à direita, Arcanjo ao meio e Osvaldo à esquerda. Barbosa teve, por isso, de esperar a sua vez. Depois de marcar presença na estreia portista na Taça dos Campeões Europeus, uma derrota por 2-1, em casa, com o Athletic Bilbau, a 20 de Setembro de 1956, só voltou a jogar de azul e branco a 13 de Janeiro de 1957 quando, face à suspensão de Monteiro da Costa (o médio tinha sido expulso contra o Benfica, uma semana antes), o treinador brasileiro Flávio Costa apostou nele para a deslocação ao terreno do Sporting. A estreia, em Alvalade, correu mal à equipa, que perdeu por 2-1 e dessa forma viu o Benfica colar-se-lhe no topo da classificação. Barbosa, no entanto, ficou no onze enquanto durou a suspensão de Monteiro da Costa – mais dois jogos, ganhos de goleada a SC Covilhã (8-1) e Lusitano de Évora (7-1) –, a ela regressando nas últimas duas jornadas, então por suspensão de Osvaldo Cambalacho, expulso no empate em casa frente ao Atlético que acabou por custar o campeonato ao FC Porto.
Já foi Barbosa o defesa-esquerdo nessa campanha da Taça de Portugal – que se jogava depois do campeonato – bem como na época de 1957/58. Dorival Yustrich deu-lhe a titularidade absoluta e ele só falhou um jogo em toda essa temporada: a derrota em Braga (2-3), a 2 de Março de 1958, que também custou o título ao FC Porto. No mesmo dia, o Sporting perdia com o Benfica na Luz – e portistas e leões acabaram a prova com os mesmos pontos. Desforraram-se os portistas na Taça de Portugal, já com Otto Bumbel em vez de Yustrich no banco: ganharam aos leões nas meias-finas (2-2 em Alvalade e 3-0 nas Antas) e apuraram-se para a final. Barbosa, que tinha sido totalista em toda a campanha, esteve no jogo da decisão, a 15 de Junho de 1958, com vitória por 1-0 sobre o Benfica. Conquistava o seu primeiro troféu nacional e marcava pontos para o que viria a ser o ano do título.
Em 1958/59, primeiro com Bumbel e depois com Béla Guttman à frente da equipa, Barbosa foi o único totalista na equipa do FC Porto que acabou o campeonato sentada no pelado de Torres Vedras à espera que terminasse o Benfica-CUF que veio a originar o famoso caso-Calabote. O Benfica ganhou por 7-1, mas não lhe chegou: o FC Porto foi campeão por um golo.
No final da época, a 16 e 21 de Maio, Barbosa teve a felicidade de poder representar a seleção A, lançado por José Maria Antunes em dois amigáveis, contra a Suíça (3-4 em Genebra) e a Suécia (0-2 em Gotemburgo). Não voltaria a jogar pela seleção. E mesmo no FC Porto só teve mais uma temporada em pleno. Anda resistiu à confusão que foi a época de 1959/60, depois da deserção de Guttman para o Benfica – quatro treinadores redundaram num quarto lugar no campeonato – e fez mesmo, nessa temporada, mais duas partidas pelos dragões nas provas europeias, contra os checoslovacos do Ruda Hzvezda. Em 1960/61, porém, começou gradualmente a ceder a posição a Festa, que viria também a marcar uma era na defesa portista. A 9 de Julho de 1961, Barbosa jogou a sua terceira final da Taça de Portugal, surpreendentemente perdida em pleno Estádio das Antas para o Leixões (0-2). Ainda ficou mais um ano no plantel portista, despedindo-se do campeonato a 18 de Março de 1962, numa vitória por 1-0 sobre a Académica, nas Antas, num período em que Festa estava lesionado.
Barbosa ainda jogou, dias depois, para a Taça de Portugal: o 2-2 em casa com o Benfica, a 25 de Março, foi o último jogo que fez pelo FC Porto. Retirou-se, mas nem por isso ficou totalmente afastado do futebol: chegou a ser motorista de Afonso Pinto de Magalhães, o banqueiro que foi também presidente do FC Porto. Faleceu aos 86 anos, em Dezembro de 2017.
Este artigo faz parte da série F80, destinada a celebrar o centenário das competições de futebol em Portugal, em 2022. Por aqui passarão biografias de jogadores, sempre em dia de aniversário, e a história de todas as épocas desde esse primeiro Campeonato de Portugal. Os primeiros nove artigos estarão disponíveis no plano gratuito. A partir de 7 de Novembro, para a eles aceder terá de se tornar assinante-pagante.