F80 (4): Albino
Seis vezes campeão nacional e dez vezes internacional, foi uma das referências do Benfica dos anos 30 e 40 do século passado. Era um médio combativo, rigoroso e muito orgulhoso.
Reza a lenda que nunca assinou sequer um contrato, mas que isso não impediu Francisco Albino de dedicar toda a sua carreira futebolística a um só clube, o Benfica. Beirão de Tortosendo, nos arredores da Covilhã, começou a representar o emblema encarnado nas camadas jovens e só se despediu aos 32 anos, por temer que no clube sentissem algum constrangimento em o afastar, quando o rendimento já não fosse o recomendável. Seis vezes vencedor da Liga, conta ainda mais um título no velhinho Campeonato de Portugal e dez internacionalizações pela seleção nacional, alinhando em todos os jogos que esta efetuou entre Maio de 1935 e Fevereiro de 1939. Dono de uma fibra e de um espírito competitivo assinaláveis, era à sua liderança como capitão que o Benfica ia buscar a força para superar dificuldades e para se tornar na maior potência do futebol nacional na década anterior ao aparecimento dos Cinco Violinos, com que o Sporting inverteu esta hierarquia.
Francisco Albino nasceu em Tortosendo, a sete quilómetros da Covilhã, mas acabou por rumar a Lisboa com os pais aos 15 anos, em 1928. A família beirã foi viver para o bairro popular de Campolide, ali paredes meias com o Campo das Amoreiras, onde por esses tempos jogava o Benfica. Como as distrações não eram assim tantas, o jovem Francisco começou a aparecer no campo a toda a hora. E daí até se prestar a provas foi um ápice. Uma década depois da sua festa de despedida, Augusto Amaro contava assim, no Record, esse dia: “No seu todo desarmónico de correr para a bola e de chutar havia qualquer coisa de agradável que não se definia bem à primeira vista, mas que deixava transparecer a pinta de um futuro jogador de raça”. Aprovado, pois então. Corria o ano de 1930 e Francisco Albino estreou-se pelos juniores encarnados a 27 de Abril, com uma derrota por 3-1 contra o Sporting, curiosamente o mesmo resultado que viria a verificar-se no jogo amigável da sua festa de despedida, a 13 de Maio de 1945. As derrotas, no entanto, não seriam coisa vulgar no quotidiano deste esguio médio-centro, que em Janeiro de 1932 se estrearia na terceira categoria da equipa do Benfica, contra a União de Lisboa, e que no inverno seguinte atingiria a equipa de honra, da qual só voltou a sair por vontade própria, no dia em que achou que era altura de terminar a carreira.
Há múltiplas versões acerca do seu primeiro jogo na equipa principal, sendo a mais consensual a de que terá sucedido em Braga, contra uma seleção local, um dia depois do Natal de 1932. O que é seguro é que, em jogos oficiais, se estreou a 7 de Janeiro de 1933, com 20 anos, a ganhar por 3-0 ao Barreirense, em jogo do Campeonato de Lisboa. Ainda participou na maior parte dos jogos desse campeonato, que o Benfica ganhou, interrompendo um jejum regional de 13 anos, que já durava desde 1920. Seguia-se o Campeonato de Portugal, tendo Albino estado nas fáceis vitórias sobre o Marinhense e o Comércio e Indústria de Setúbal, bem como, depois, nos 0-8 encaixados contra o FC Porto, na Constituição, a contar para os quartos-de-final. No final do jogo, uma acalorada discussão entre Laurindo Grijó, da Federação Portuguesa de Futebol, e Manuel Afonso, presidente do Benfica, resultou num sururu que envolveu jogadores do clube encarnado e pesadas sanções para estes. Houve irradiações e a Albino foi imposta a suspensão por seis meses. Já não esteve, por isso, no jogo da segunda mão, que os encarnados venceram por 4-2, acabando na mesma eliminados, no entanto. E mesmo tendo Albino acabado por ser ilibado de culpas e da suspensão no Congresso da FPF, só voltaria a competir na defesa do título do campeonato de Lisboa, em Outubro de 1933.
A segunda e a terceira épocas de Albino na equipa de honra não foram fantásticas. Em 1933/34, no meio da confusão que levou à anulação de toda a primeira volta do Campeonato de Lisboa – por causa de um recurso das equipas do Barreiro, que nele quiseram participar – o Benfica não foi capaz de defender o título, saindo depois do Campeonato de Portugal, ao perder com o Sporting nas meias-finais. A época valeu, no entanto, a Albino, o seu primeiro golo, na goleada de 8-0 ao Bom Sucesso, a 22 de Abril. Em 1934/35, depois de mais um regional terminado atrás dos leões, veio a I Liga, o torneio por jornadas com que a FPF respondeu à humilhação perante a Espanha na qualificação para o Mundial. A 20 de Janeiro de 1935, Albino foi um dos jogadores presentes na primeira jornada, contribuindo com a sua solidez a meio-campo para a vitória do Benfica sobre o Vitória FC (3-1). Falharia apenas uma partida nesse campeonato – os 4-1 à Académica, em casa, em Abril – mas o Benfica não foi além do terceiro lugar final. Albino compensou participando em seis dos sete jogos que levaram o Benfica a ganhar o Campeonato de Portugal, a prova por eliminatórias que se manteve. No lote incluiu-se a final, um 2-1 ao Sporting no Lumiar, a 30 de Junho.
Por essa altura, já Albino era internacional. Estreara-se no mesmo Campo do Lumiar, a 5 de Maio de 1935, lançado por Cândido de Oliveira como titular num empate a três bolas obtido pela equipa nacional depois de estar a perder por 3-0 aos 60’. Agradou e fez todos os jogos realizados pela seleção entre esse dia e a sua décima internacionalização, a 12 de Fevereiro de 1939, uma derrota por 4-2 com a Suíça na Ajuda. Meteu-se a II Guerra Mundial, a seleção só voltaria a jogar em 1941 e até ao final da carreira de Albino só faria mais cinco jogos, quatro deles contra a Espanha, praticamente o único adversário disponível numa era de devastação. A carreira deste médio centrou-se, por isso, no Benfica, de que ao fim de algum tempo se tornou capitão. E o esforço pagou, com a conquista de três Ligas consecutivas por parte dos encarnados, entre 1936 e 1939. Albino só falhou um jogo no campeonato de 1935/36 e outro em 1936/37, acabando a época de 1937/38, a do primeiro “tri” benfiquista, como totalista. Pelo meio vieram golos: ao Leixões e ao Vitória FC na segunda Liga ganha, ao Marítimo na caminhada até às meias-finais do Campeonato de Portugal dessa época (1936/37), e depois ao Carcavelinhos, na Liga, e à União de Lisboa, na última edição do Campeonato de Portugal, em 1937/38, antes de ser substituído no calendário pela Taça de Portugal.
Apesar de ter marcado por três vezes na Liga de 1938/39 – que o Benfica acabou na terceira posição –, o que mais se notava em Albino não eram os golos, quer jogasse a médio-centro ou a médio-direito, outra posição que também ocupava no WM tão em voga na altura. A força de Albino era a regularidade: entre 10 de Janeiro de 1937 e 8 de Janeiro de 1939 completou praticamente dois anos seguidos sempre a jogar como titular em todos os jogos do Benfica para competições nacionais. Não espantou, por isso, que em 1939, quando Gustavo Teixeira adoeceu e acabou por abandonar, tivesse sido ele o escolhido para capitão de equipa. Já foi ele a liderar o grupo na final da Taça de Portugal de 1939/40, na qual os encarnados bateram o Belenenses por 3-1, abrindo caminho a mais uma série de triunfos.
Até abandonar, Albino abdicou da honra de capitanear a equipa na segunda metade da época de 1941/42, cedendo-a ao companheiro Valadas na sequência de uma goleada sofrida perante o Sporting (0-5), em jogo do campeonato de Lisboa. Foi a forma que encontrou para abanar o balneário – e a verdade é que, mesmo tendo perdido esse campeonato de Lisboa para os leões, as águias voltaram a ser bem sucedidas no campeonato nacional, com quatro golos de Albino, o seu máximo numa só prova. O orgulho era um sentimento muito forte neste médio benfiquista, que em 1943, no rescaldo de mais um campeonato nacional ganho – o seu quinto –, comentou assim à revista Stadium os dias que se seguiram a um jogo em que o Benfica perdeu por 5-1 em Guimarães com o Vitória SC: “Aqueles 5-1 abalaram toda a equipa. O nosso moral ficou combalido. Os oito dias que se seguiram foram terríveis. Durante uma semana quase não saí de casa, porque tinha vergonha de aparecer à frente dos sócios e adeptos do meu clube”.
Essa época de 1942/43 foi a primeira em que o Benfica ganhou a dobradinha. Os encarnados impuseram-se no campeonato, com um ponto de avanço sobre o Sporting – na última jornada, em Coimbra, um difícil 4-3 à Académica viu Albino permanecer em campo mesmo lesionado –, e venceram na final da Taça de Portugal o Vitória FC por 5-1. Aí Albino não jogou. Viria a fazer mais uma época de grande nível em 1943/44, capitaneando o grupo na final da Taça de Portugal, ganha por 8-0 ao Estoril. E a somar o sexto título de campeão nacional em 1944/45, época que já não começou como titular mas na qual jogou consecutivamente as últimas oito partidas, ajudando a equipa a acabar na frente, com três pontos de avanço sobre o Sporting. A festa do campeonato fez-se a 1 de Abril, com um 6-0 ao Salgueiros, no Campo do Leça, mas o último jogo competitivo de Albino pelo Benfica ocorreria uma semana depois, no Campo Grande, saldando-se por um claro 5-0 ao Vitória SC. Albino já não esteve na equipa no início da Taça de Portugal, a 15 de Abril, e um mês depois, a 13 de Maio, teria a sua festa de despedida e passaria a dedicar-se por inteiro ao recém criado Sport Lisboa e Saudade, o grupo formado por ex-jogadores do Benfica para continuarem a chutar umas bolas.
Acabado o futebol, dedicou-se à venda de café. Faleceu aos 80 anos, em 1993, colhido de forma trágica por um comboio, perto de Massamá, numa altura em que já sofria de Alzheimer em estado avançado.
Este artigo faz parte da série F80, destinada a celebrar o centenário das competições de futebol em Portugal, em 2022. Por aqui passarão biografias de jogadores, sempre em dia de aniversário, e a história de todas as épocas desde esse primeiro Campeonato de Portugal. Os primeiros nove artigos estarão disponíveis no plano gratuito. A partir de 7 de Novembro, para a eles aceder terá de se tornar assinante-pagante.
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