F80 (21): Vítor Oliveira
Para muitos era o treinador cuja contratação praticamente garantia a subida à I Divisão. Mas Vítor Oliveira foi jogador de gama média-alta. E já aí não parava muito tempo no mesmo clube.
Muito se falou da tendência que Vítor Oliveira tinha para assinar contratos de um ano apenas e deixar os clubes assim que cumpria a tarefa a que se propunha: subir de divisão. Mas o campeão das subidas de escalão em Portugal – foram onze, cinco das quais consecutivas – já era assim como jogador. É certo que acabou cedo a carreira, quando em Portimão não lhe deram grandes hipóteses a não ser suceder a Manuel José à frente da equipa, tinha ele 31 anos, mas ainda assim nunca renovou um contrato. E não se deu mal com a experiência, tendo sido jovem promissor no Leixões, estrela do FC Famalicão, finalista da Taça de Portugal em Braga e pêndulo nos melhores SC Espinho e Portimonense da história.
A paixão pelo futebol começou na infância, época durante a qual o pequeno Vítor se juntava aos amigos e ia até ao Campo de Santana pedir aos sócios que os levassem com eles para ver jogar o Leixões. O futebol jogava-o na praia, ao mesmo tempo que se empenhava nas modalidades que podia praticar, como o basquetebol ou o voleibol. Assim que teve idade, em 1969, foi com o grupo de amigos às captações para os juvenis do Leixões. Surpreendentemente, não ficou aprovado – ao contrário de todos os que com ele lá foram. Valeu-lhe que estes alertaram Óscar Marques, o treinador dos bebés, para o facto de terem dispensado o melhor do grupo. Vítor foi então chamado a prestar novas provas e, tendo desta feita ficado aprovado, tornou-se figura da equipa leixonense que foi duas vezes às meias-finais do campeonato nacional. Até chegou à seleção: em 1972, disputou as duas partidas com a Suíça a contar para a qualificação do Europeu da categoria.
Aquele era o tempo em que o Leixões tinha uma grande tradição de aposta na formação. Dali saíam bons jogadores todos os anos. Não espantou, por isso, que Vítor Oliveira fosse chamado ao plantel dos seniores. Até porque, jogando como avançado, era o melhor marcador da equipa de juniores. Tinha apenas 18 anos e já frequentava a Faculdade de Engenharia do Porto quando António Teixeira lhe deu a estreia na I Divisão: aconteceu a 10 de Setembro de 1972 e a ocasião era a visita ao bicampeão Benfica, a super-equipa liderada por Jimmy Hagan. O teste foi duro em demasia e os leixonenses perderam por rotundos 6-0, mas Vítor Oliveira não desanimou: uma semana depois, na receção ao Atlético, fez, de cabeça, após cruzamento de Vaqueiro, o primeiro golo da carreira profissional, a valer uma vitória por 1-0. Haveria de fazer mais um nessa primeira época, num empate em Tomar (1-1), já perto do final do campeonato.
Aquela era uma boa equipa do Leixões, que conseguiu a manutenção sem grandes aflições. De caminho, esteve em várias alegrias, como o empate em casa com o Sporting (2-2) e as vitórias caseiras sobre o FC Porto (3-1) e o Benfica (2-0, na Taça de Portugal). O Leixões também venceu em Alvalade (1-0, em jogo que acabou aos 5’) e nas Antas, mas nessas tardes Vítor não esteve no onze. A perspetiva para a nova época era excelente, portanto, mas uma lesão grave em Alvalade, a 20 de Janeiro de 1974, levou-o a ter de abdicar de três meses de competição. E a manutenção dos leixonenses já foi mais complicada, conseguida apenas na Liguilha, após um 14º lugar na tabela. Vítor Oliveira ainda fez mais uma época no Leixões mas, em 1975, terminada a prisão que era a Lei de Opção, que dava aos clubes a possibilidade de renovarem contratos com os jogadores que quisessem manter mesmo contra a vontade destes, assinou pelo União de Paredes. O clube era da II Divisão – acabara de subir, na verdade – mas tinha dinheiro e, além de Vítor, foi a Matosinhos buscar também o guarda-redes Alberto e o defesa Américo.
A verdade é que a época não correu tão bem como se esperava do ponto de vista coletivo e só duas vitórias nas duas últimas jornadas permitiram a qualificação para um jogo de desempate com o Vilanovense, que decidiria quem se ia manter. Aí, ganharam os de Paredes, por 3-2, graças a um penalti convertido por Vítor Oliveira no último minuto. A verdade é que o futebol de Vítor dava para mais, pelo que no final do ano foi uma das apostas do FC Famalicão, que ao mesmo tempo contratou Jacques, Reinaldo (ambos viriam a ser internacionais A) e António Borges. A ideia era atacar a subida de divisão, o que veio a ser conseguido à segunda temporada. Aliás, em 1978, o FC Famalicão não se limitou a vencer a Zona Norte da II Divisão: sagrou-se campeão nacional do escalão, com três vitórias nos três primeiros jogos da fase final, a terceira das quais – a da festa – um 6-0 ao Beira Mar.
Quando voltou à I Divisão, em 1978, com 24 anos, Vítor Oliveira já o fez na condição de capitão de equipa. Já se fixara também numa posição mais recuada, a meio-campo, tanto ao meio como sobre a esquerda. O primeiro facto resultou da perceção de que era um dos que melhor pensava o coletivo. O segundo, no longo prazo, veio a fazer com que passasse a marcar menos golos. Não foi ainda o caso em 1978/79, porém, pois acabou a época como segundo melhor marcador da equipa, apenas atrás de Jacques. Fez cinco golos (mais um na Taça de Portugal, no dérbi regional com o Riopele), com destaque para um bis em Viseu, a valer uma vitória (3-1) sobre o Académico. Outro golo importante foi o que marcou ao SC Braga, na penúltima jornada: colocou a equipa a ganhar por 2-1 já na segunda parte, mas o açoriano Fontes ainda fez o empate que deixava o FC Famalicão a depender de terceiros para se salvar da descida. Antes da última ronda, na qual os minhotos visitavam um Belenenses que seguia tranquilo a meio da tabela, a direção demitiu o treinador, o argentino Mário Imbelloni. E para o substituir pediu a Vítor Oliveira que pegasse na equipa.
Assim sucedeu, pelo que a primeira experiência de treinador do português mais especializado em subidas acabou por ser… uma descida: com ele a jogar e o veterano Melo, que passou de terceiro guarda-redes a treinador-adjunto, a orientar do banco, o FC Famalicão perdeu por 2-0 no Restelo e desceu mesmo. Tendo o Beira Mar perdido também em Braga (3-2), o empate ter-lhe-ia chegado para a manutenção. Vítor Oliveira, contudo, manteve-se: tendo o contrato que o ligava ao FC Famalicão chegado ao fim, assinou por dois anos pelo SC Espinho, equipa onde Manuel José deixara de acumular as funções de treinador com as de jogador. O algarvio via em Vítor Oliveira o seu próprio sucessor em campo – como veria anos mais tarde no banco – e quis tê-lo com ele. Não se arrependeu, pois o matosinhense fez uma grande época e contribuiu para o excelente sétimo lugar dos tigres na tabela final. Vítor transformara-se num médio pendular, com menos golo mas muito competente na estabelecimento de equilíbrios. Na primeira época falhou apenas um jogo – a derrota em casa com o Vitória FC, na antepenúltima jornada – e se na segunda se tornou menos importante foi por causa de uma lesão num menisco que o manteve por muito tempo fora da equipa.
Ainda assim, em 1981, quando acabou o contrato com os espinhenses, pôde assinar pelo SC Braga, equipa liderada por Quinito. Tal como em Espinho, Vítor Oliveira só falhou uma partida na primeira época pelo novo clube – desta vez uma derrota em Viseu, por 2-0. Só que além da repetição do sétimo lugar no campeonato, esta equipa bracarense chegou à final da Taça de Portugal. E nesta campanha o médio matosinhense fez todos os desafios, incluindo uma vitória por 3-1 frente ao Leixões no Estádio do Mar, nos quartos-de-final, ou os 2-1 ao Benfica, num 1º de Maio repleto, nas meias-finais. Na final, à qual Quinito se apresentou de smoking e laço, foi titular, mas não conseguiu travar a dinâmica do Sporting de Malcolm Allison, acabando por sair aos 56’, “totalmente esgotado”, como veio depois a reconhecer, mas ainda com o marcador a registar 1-0 favorável aos leões. Acabou 4-0.
A presença na final da Taça de Portugal valeu duas coisas a Vítor Oliveira. Primeiro, a estreia nas competições da UEFA: a 18 de 25 de Agosto de 1982, alinhou nas duas partidas frente ao Swansea (0-3 em Gales e 1-0 em Braga), que redundaram em eliminação da Taça das Taças. Depois, a possibilidade de jogar uma Supertaça: Vítor esteve na vitória por 2-1 frente ao Sporting em Braga e até marcou um golo a Meszaros na segunda mão, em Alvalade, mas aí impuseram-se os campeões nacionais, por 6-1. A segunda época, de resto, já não foi tão boa para ele: mesmo tendo a equipa, agora dirigida por Juca, acabado na sexta posição, Vítor Oliveira passou boa parte da temporada no banco. Daí que no final da época não tenha hesitado quando Manuel José o chamou mais uma vez para perto dele, agora em Portimão. A mudança para o Algarve implicava uma revolução na vida – deixou o curso de engenharia eletrotécnica, que estava a fazer aos poucos, no quarto ano – mas era compensadora, pois o Portimonense pagava bem, para compensar a distância.
Em Portimão, Vítor recuperou a influência. Esteve em bom nível no 10º lugar que a equipa fez na primeira época – na qual uma lesão lhe roubou o mês de Abril – e manteve o nível no quinto lugar de 1984/85. Uma classificação tão histórica que levou o Sporting a contratar Manuel José para substituir o galês John Toshack. Quando Manuel João, presidente do clube, o chamou para uma reunião, Vítor Oliveira pensou que seria para lhe apresentar uma proposta de renovação. Mas não. O que estava em cima da mesa, por indicação do próprio Manuel José, era um contrato de treinador. Depois de digerir a surpresa, Vítor Oliveira aceitou. Tinha apenas 31 anos e, assim sendo, retirara-se oficialmente a 31 de Maio de 1985, com uma derrota caseira por 3-1 frente ao FC Porto. Descontando a tal experiência como “bombeiro” em 1979, estreou-se nas novas funções a 25 de Agosto, ganhando em casa ao SC Braga, por 2-1. Semanas depois, teve a honra de ser o treinador do Portimonense na estreia europeia do clube, uma vitória por 1-0 em casa frente ao Partizan, a contar para uma eliminatória da Taça UEFA que os jugoslavos conseguiram inverter com um 4-0 em Belgrado.
Ao longo da uma vasta carreira como treinador, Vítor Oliveira dirigiu dez clubes na I Divisão, campeonato onde passou os 400 jogos. Nunca conseguiu melhor do que o sétimo lugar da época de estreia no Portimonense, mas em abono da verdade deve dizer-se que recusou muitas vezes treinar no escalão principal para conduzir equipas a subir até ele. Ao todo, somou onze promoções – um recorde nacional, eventualmente até mundial – cinco delas em cinco épocas consecutivas. Subiu com o FC Paços de Ferreira em 1991 e 2019, com a Académica em 1997, com a UD Leiria em 1998, com o Belenenses em 1999, com o Leixões em 2007 (já depois da morte do pai, porque assumiu o compromisso de não treinar “em casa” enquanto ele fosse vivo, para não o sujeitar a ouvir o que não queria), com o FC Arouca em 2013, com o Moreirense em 2014, com o União da Madeira em 2015, com o GD Chaves em 2016 e com o Portimonense em 2017. No sentido inverso, além da aventura em Famalicão, só desceu duas vezes (e numa já nem lá estava no final da época).
Faleceu de forma súbita em Novembro de 2020, dias depois de completar 67 anos, quando estava a caminhar na zona de Matosinhos e sentiu mal. Não estava a comandar nenhuma equipa nessa época, tendo optado por ficar parado depois de ter estabilizado o Gil Vicente no regresso à I Liga no ano anterior.