Expectativas e realidade
A classificação da Champions, à terceira jornada, permite tirar conclusões precipitadas, mas que não devem ser encaradas isoladamente. Como estão as nossas equipas a portar-se face ao esperado?
Palavras: 1185. Tempo de leitura: 6 minutos (áudio no meu Telegram).
Bruno Lage foi realista ontem, após o balde de água fria que foi a derrota do Benfica contra o Feyenoord (1-3), na Luz, temperado com algumas pedras de gelo na incapacidade encarnada para evitar que a saída baixa dos neerlandeses fosse tão limpa como eles queriam, de forma a criar os necessários desequilíbrios, sobretudo na primeira parte. “Não passámos do oito ao 80, nem passamos hoje do 80 ao oito”, disse o treinador das águias, bem consciente de que, tanto como os pontos que somaria, a possibilidade de conseguir a recuperação após o recuo dos adversários no campo lhe seria útil, porque lhe permitiria não apenas manter a rolar como até fazer crescer a bola de neve do entusiasmo em cima da qual a equipa tem montado a retoma pós-Schmidt. A verdade dos números, porém, é que o Benfica – tal como o Sporting, de resto – está na Liga dos Campeões onde era suposto estar por esta altura. E nem todas as equipas presentes na competição podem dizer o mesmo.
As contas no novo modelo da Liga dos Campeões não se fazem contra os adversários, através da captura de frames da classificação do dia, mas contra si próprio, contra o calendário e as expectativas. Antes do início da prova, quando se conheceu o calendário, a expectativa para esta altura, para antecipar uma posição final de playoff, era a de que tanto o Sporting como o Benfica estivessem entre os seis e os sete pontos. Pois os encarnados têm seis, porque antes de desperdiçarem a hipótese de vitória que se lhes pedia contra os neerlandeses se tinham suplantado na receção ao Atlético Madrid, que bateram por 4-0, e os leões vão nos sete, pois fizeram exatamente aquilo que deles se exigia. Um ponto a mais ou a menos pode fazer muita diferença no final, mas a gestão das expectativas deve ser feita à distância e não em navegação à vista, porque há quem esteja muito abaixo daquilo que se esperava e por isso mesmo tenha de começar a pensar em recuperação – e quando se trata de equipas poderosas, não é boa notícia tê-las no caminho, como é o caso do Benfica contra o Bayern (que só tem três pontos e está inclusive atrás do Dínamo Zagreb, que aviou por 9-2 na abertura) ou do Sporting face ao RB Leipzig (que ainda segue com a conta a zeros). O importante, de qualquer modo, é olhar para a classificação em contraponto com o que ela devia ser e não a ver de uma forma linear, como fazem os fanáticos do momento, sempre prontos a disparar para capitalizar em cima de posições favoráveis ou para desfazer em momentos menos felizes.
O Benfica é 13º, três lugares acima do Feyenoord, um à frente da Juventus – que ainda terá de visitar – e, por exemplo, dois à frente do Lille OSC, que já perdeu em Alvalade mas depois ganhou os dois jogos contra o Real Madrid e o Atlético Madrid. A expectativa do Lille OSC por esta altura seria a de ter um ou dois pontos – e tem seis. Está atrás do Benfica e do Sporting mas a superar largamente o esperado. A equipa de Lage fez o que tinha de fazer em Belgrado, batendo o rival mais fraco que teria pelo caminho nesta fase, que era o Estrela Vermelha. Depois, na noite mágica em que recebeu o Atlético Madrid, ganhou dois pontos à expectativa, pois o empate seria um cenário perfeitamente aceitável. Ontem, porém, deitou três pontos ao lixo, deixando-se manietar por um Feyenoord que, na escala de dificuldade, corresponderia à receção leonina ao Lille OSC. Para se apurar, é previsível que o Benfica precise de somar mais quatro pontos, mas em projeções atualizadas já hoje de manhã, feitas com base em 50 mil simulações, o super-computador da Opta antecipa que as águias acabem esta fase bem melhor, com 13 pontos (foi o cenário mais repetido, tendo-se verificado em 14,7 por cento das simulações). E, todos somados, os lugares de eliminação (do 25º ao 36º) só valem neste momento 15,5 por cento das chances colocadas à frente do Benfica. Ainda vai ser preciso dar à perna, porque só faltam dois jogos em casa e um deles é contra o FC Barcelona – valerá possivelmente a possibilidade de, sendo esse jogo na penúltima ronda, os catalães poderem amealhar antes o suficiente para o encararem com mais leveza do que a que mostraram, por exemplo, ontem, na goleada ao Bayern (4-1).
As projeções são um pouco mais simpáticas para o Sporting, que olhando para a tabela neste dia até é oitavo, em posição de apuramento direto para os oitavos-de-final. A Opta aponta aos leões apenas 2,4 por cento de hipóteses de virem a ser eliminados e antecipa que acabem com 14 pontos (foi o que lhes aconteceu em 16,5 por cento dos cenários). Ora, para o fazerem, precisariam de somar mais sete – o que também se apresenta complicado, porque duas das três partidas que lhes faltam em casa são contra o Manchester City e o Arsenal e ainda por cima são já as duas próximas, muito antes de os gigantes ingleses poderem tirar o pé à conta do amealhado. Até aqui, a equipa de Rúben Amorim fez o que tinha de fazer: ganhou em casa ao Lille OSC (o equivalente no calendário benfiquista ao jogo de ontem com o Feyenoord) e na Áustria ao Sturm Graz (que tem paralelo na deslocação superada das águias a Belgrado). Além disso empatou na segunda deslocação mais complicada da trajetória, em Eindhoven, com o PSV (a mais difícil será a Leipzig, agravada pela provável necessidade de pontos dos alemães). Se um ponto a mais ou a menos faz toda a diferença, o jogo de Eindhoven – como o do Benfica em Turim com a Juventus – pode ser fundamental, o mesmo sucedendo com a deslocação a Bruges, que equivalerá à saída do Benfica ao Mónaco. Sempre com as devidas diferenças, já que se os jogos do Sporting em casa parecem mais complicados do que os do Benfica, as saídas aparentam ser mais facilmente negociáveis. É muito provável que, feitas as contas finais, a percentagem de pontos caseiros face ao total acabe por ser mais elevada para o Benfica do que para o Sporting.
O cenário desenhado pela Opta para os campeões nacionais passará por duas vitórias contra o Club Bruges (fora) e o Bolonha (em casa) e pela obtenção de mais um ponto nos jogos com os três adversários mais fortes. Tal como no caso do Benfica, parece otimista, mas a questão é que o apuramento para a fase seguinte nunca exigirá tantos pontos. Os 13 ou 14 pontos até podem valer um acréscimo àquilo que se exigia, com uma presença na metade superior dos playoff. Com tanta gente a portar-se acima e abaixo do esperado, falta perceber se isso fará alguma diferença real no que se seguirá.
PS – A análise dos jogos das cinco equipas portuguesas nas competições europeias será feita hoje à noite (22h15) no Futebol de Verdade. Para ver em direto e receber o convite para participar na emissão com comentários, faça o upgrade da sua subscrição para Premium.
Face aos adversários que Sporting e Benfica tiveram, penso até que o Sporting esteve abaixo do exigido por dois pontos, pois o que se esperaria seria 9 pontos em 9, perderam dois pontos (não ganharam 1) quando decidiram fazer patinagem nos Países Baixos, frente a um adversário perfeitamente acessível. Já o Benfica, faria sempre entre 6 e 9 pontos, acabou por fazer uma enorme asneira ontem ao imitar o Sporting na oferta de pontos a equipas dos Países Baixos, depois da vitória sobre o Atlético de Madrid. Este tipo de erros não se podem cometer numa competição destas.