Há evolução. E qualidade?
O Sporting dificilmente superará o Arsenal. Empatou um jogo que podia ter ganho e que também podia ter perdido, mas mostrou ter aprendido com os erros da época passada. Depois, falta mais qualidade.
O futebol é um jogo de espaços e poucas equipas no-lo mostram com tanta acuidade como as chamadas equipas de posse, as equipas que desenham triângulos através da circulação da bola no campo para atrair os adversários e libertar espaços. O Arsenal de Mikel Arteta é uma dessas equipas – não fosse o espanhol um dos discípulos de Guardiola, com quem está a lutar pelo título da Premier League – e, mesmo tendo entrado em Alvalade sem alguns titulares, apresentou ao Sporting um desafio a que os leões não estão habituados, porque não deixou de jogar como joga. E joga como jogavam o Ajax ou o Manchester City, que na época passada fizeram cinco golos cada qual naquelas balizas. O plano de Rúben Amorim, convencido de que não podia roubar todo o espaço do campo aos ingleses, era pelo menos impedi-los de jogar na área, bloquear-lhes os caminhos de acesso ao retângulo defendido por Adán. Era baixar o bloco, pedir aos dois avançados exteriores – Edwards e Trincão – que se aproximassem mais da linha dos dois médios – Morita e Pedro Gonçalves – e não soltar tanto os alas – Esgaio e Matheus Reis, de forma a manter sempre o espaço controlado. Era transformar o 3x4x3 mais em 5x4x1. A coisa nem sempre funcionou, que há sempre momentos de transição e no jogo de ontem chegou a ver-se muito espaço nas costas dos dois avançados exteriores, tornando impossível a missão dos dois médios na cobertura de toda a largura do campo. Até porque estes são ambos melhores com bola do que sem ela e nenhum deles é um Palhinha ou mesmo um Ugarte, capazes de aumentar exponencialmente o raio de ação sem bola. No entanto, o Sporting dividiu o jogo. Empatou, como podia ter perdido, mas também podia ter ganho. Teve o 3-1 no pé esquerdo de Paulinho pouco antes de os ingleses terem feito o 2-2 num ressalto infeliz em Morita. Foi porque ao Arsenal faltavam o guarda-redes Ramsdale, o defesa-central Gabriel Magalhães, o médio-centro Partey, o médio-ofensivo Odegaard e o ponta-de-lança Nketiah (ou Gabriel Jesus, que no entanto já falta há muito tempo)? Também, ainda que dois deles tenham entrado com o jogo em curso para controlar o 2-2. Em Londres, na semana que vem, os leões vão enfrentar uma missão muito difícil, quase impossível, sobretudo se Arteta escolher meter em campo as armas todas, mas nem por isso o jogo de ontem deixou de lhes dar boas notícias. A melhor de todas é a forma como à medida que vai perdendo jogadores para o mercado, esta equipa e o seu treinador estão a aprender com os erros que cometiam. O resto é qualidade individual. A tal qualidade individual que o mercado vai levando a cada ano que passa.
Sai a Ucrânia, entra Marrocos. O The Athletic diz que Marrocos vai substituir a Ucrânia na candidatura ibérica à organização do Mundial de 2030. Faz sentido. De acordo com a notícia, a troca deve-se a razões tão díspares como a continuação da guerra, a improbabilidade de a Ucrânia recuperar a tempo de poder receber uma manifestação do género e até a detenção de Andriy Pavelko, presidente da Federação Ucraniana, por suspeitas de fraude e lavagem de dinheiro. Nenhuma razão me parece tão ponderosa, contudo, como a distância. Já não acho muita piada a Mundiais e Europeus em dois países, quanto mais em três, estando um deles tão distante dos outros que obriga a que se atravesse um continente de um jogo para outro. Aí, Marrocos está mais à mão: dá para ir a nado, de Espanha. A questão aqui é também a de se entender por que razão Portugal e Espanha precisam de um terceiro organizador. E, por mais que na altura da parceria com a Ucrânia tenha sido apontada “a vontade de contribuir para a reconstrução ucraniana”, a razão é muito mais mundana. São relações públicas. É a vontade de capitalizar simpatia. Tal como a entrada de Marrocos terá muito mais que ver com a vantagem de fazer entrar os africanos na carruagem das votações do que com a aproximação de povos vizinhos ou lá o que se disser quando a parceria for oficial. Chamem-me cínico se quiserem, mas se há assim tanta vontade de ajudar a Ucrânia através do futebol, deixo já aqui uma sugestão: por cada milhão de euros gasto a construir ou modernizar um estádio para o Mundial, comprometam-se a gastar outro tanto a construir ou modernizar um hospital ou uma escola na Ucrânia. Assim ajudam e não nos forçam a nós, jornalistas, jogadores, adeptos, a ter de atravessar a Europa entre jogos de uma mesma competição a cada três dias.
613 vezes Simeone. O Atlético Madrid homenageou esta semana Diego Simeone por este ter superado os 612 jogos de Luis Aragonés à frente do clube. E a homenagem foi abrilhantada por uma exibição de gala e uma goleada (6-1) contra o Sevilha FC de Sampaoli, que no entanto anda ali mais para os lados da linha de água e está em risco de descer de divisão – o que de certa forma diminui um pouco a proeza. Podemos não gostar do que Simeone fez e construiu no Atlético, certamente nunca ninguém se lhe referirá nos termos reverenciais que servem para designar Aragonés como “O Sábio de Hortaleza”, porque o futebol do argentino é mais feito de sacrifício, de empenho físico, de rigor defensivo, de anulação de talento, de algumas patadas até. A verdade é que poucos treinadores na história terão marcado tanto um clube – ou até o futebol – como ele fez no Atlético Madrid. E não foi pelos títulos. Desde que pegou no Atlético, em 2011, Simeone ganhou duas vezes a Liga Europa, outras tantas a Supertaça Europeia, duas Ligas espanholas, uma Taça do Rei e uma Supertaça de Espanha. Não é pouco, tendo em conta que está numa Liga com o Real Madrid e o FC Barcelona, mas oito troféus em doze anos – esta época não vai ganhar nada – não chegam sequer a dar um por ano. Só que Simeone tem identidade: o “Cholismo”. O “Cholismo” é a antítese do “Cruijffismo”, porque onde este queria ter sempre a bola, aquele define-se pelo que faz sem ela. É negativo? Sim, em certa medida: nem era preciso Simeone vestir sempre de negro no banco para ser visto como o Darth Vader para os muitos candidatos a cavaleiros Jedi do bom jogo que povoam as laterais. A verdade, no entanto, é que nunca houve um “Fergusonismo”, não se conhece um “Mourinhismo” e até o “Guardiolismo”, que existe e já tem discípulos, não será mais do que uma vertente lateral do “Cruijffismo”. Simeone não definiu o que é ser “Atleti”, mas deu uma ideia palpável ao que é torcer pelo terceiro clube de Espanha. Vocês sabem lá o que é ter de lutar por títulos todos os anos com os dois maiores colossos do futebol mundial. Vocês sabem lá o que é a alegria de ganhar como ‘underdog’, mesmo que a jogar mal. Não gosto do futebol de Simeone, mas não consigo ter outra coisa a não ser respeito e admiração pelo que ele fez nestes 12 anos.