Estrelinha, crença e uma lição grátis
Em Barcelos, o Sporting teve sobretudo a sorte de poder aprender em andamento e sem custos, porque ganhou um jogo em que cometeu erros que não lhe convém repetir.
O Sporting voltou a ganhar um jogo com um golo – neste caso dois – perto do fim e isso foi o suficiente para que a afamada “estrelinha”, que Rúben Amorim já reconheceu que tem tido a protegê-lo, voltasse aos títulos das crónicas de jogo. Ontem, em Barcelos, no desafio contra o Gil Vicente, não foi só ela a justificar a conquista de mais três pontos, mas isso não deve ser suficiente para esconder os erros que o líder cometeu e que bem podiam ter-lhe custado a perda da oportunidade de esticar a vantagem para o FC Porto. Amorim, de resto, mencionou alguns no discurso pós-jogo, como se Barcelos pudesse funcionar como aviso para o que aí vem. Assim todos aprendam com o que ali se passou.
O Gil Vicente de Ricardo Soares foi uma das equipas desta Liga que melhor soube contrariar o futebol do Sporting – já tinha sido assim na primeira volta, com Rui Almeida. Ontem, com um 5x4x1 muito disciplinado, com os médios-alas a fecharem o espaço interior num primeiro momento defensivo em vez de irem ao engodo da largura dos laterais leoninos, os gilistas anularam o jogo por dentro dos leões, tornando irrelevantes os cada vez mais trabalhados movimentos contrários do líder. O Sporting não só tinha a ligação por dentro fechada, tirando Palhinha e Matheus Nunes do jogo ofensivo, como em função disso se via quase sempre forçado a ativar Porro e Antunes muito atrás e sobretudo muito longe de Pedro Gonçalves e Nuno Santos, anulando a hipótese de combinações fora-dentro. O resultado foi uma primeira parte de jogo mais longo mas sempre às cegas por parte do Sporting, que assim transportava a definição da partida para a incerteza das segundas bolas.
Mas afinal é assim tão fácil? Não, não é. Primeiro, o jogo do Gil Vicente exige uma disciplina tática difícil de manter. Depois, para a coisa funcionar, a equipa de Ricardo Soares beneficiou de uma série de fatores que nem sempre se verificarão – e é com esses que Rúben Amorim e a sua equipa devem aprender para evitar mais sustos. Quais são? Um é evidente e todos os adeptos do futebol-transpiração já o sublinharam: o líder da Liga entrou em Barcelos a jogar “à burguês”, sem capacidade de pressão ou para ganhar duelos, a deixar escapar quase todas as segundas bolas. Isso não vem só da falta de empenho, porque se o Gil Vicente tinha muito mais gente na zona central era normal que ganhasse mais segundas bolas, mas é verdade que os leões pareceram apostados em deixar correr o jogo, um pouco como na eliminatória (perdida) da Taça de Portugal, contra o Marítimo, à espera que chegasse o golo que “chega sempre”. Ora isso, numa equipa que tem menos compromissos do que os rivais, que daqui até final da época vai andar a jogar só uma vez por semana, não é aceitável – e mudou na segunda parte.
Os jogos, no entanto, não se ganham só com a vontade. E da primeira para a segunda parte o Sporting não mudou só os níveis de intensidade ou de querer. O que o jogo de ontem veio evidenciar foi que o Sporting precisa de defesas-centrais com melhor capacidade de saída de bola – e isso não só foi corrigido ao intervalo como provavelmente chegará para justificar que Gonçalo Inácio ganhe pontos a Neto em ocasiões futuras. Depois, veio escarrapachar na cara de todos que na maior parte dos jogos a equipa precisa de um médio com capacidade criativa e que, na verdade, sendo bem diferentes, Palhinha e Matheus Nunes acabam por ser iguais quando se trata de enfrentar uma equipa plantada em bloco baixo e sempre disciplinada. Nenhum dos dois oferece criatividade, linhas de passe açucaradas, mudanças de velocidade ou de trajetória inesperadas, drible… Com Bragança – e depois ainda mais, com Bragança e João Mário – o Sporting ganhou capacidade de ligar o jogo por dentro e ativou os avançados, que tinham passado ao lado da partida durante toda a primeira parte.
Claro que muito disto se explica também com o facto de o Gil Vicente ter deixado de ter bola no segundo tempo, de ter baixado as linhas em demasia, abdicando na maior parte das vezes de duelos que fossem muito longe das suas trincheiras. Mas é a impossibilidade de definir se isso aconteceu porque o Sporting mudou ou se o Sporting mudou porque isso aconteceu que faz do futebol um jogo tão sujeito a interpretações. Ao Sporting restou a vantagem de lhe ter sido permitido aprender esta lição sem gastos, sem perder pontos e até alargando para oito a distância que o separa do segundo – sendo curioso que o presidente Frederico Varandas, no final, tenha falado, sim, dos “onze para o lugar de acesso direto à Champions”, o que devia merecer-lhe um raspanete do treinador. E isso, sim, já veio um pouco da estrelinha que valeu os dois golos de Coates perto do fim.