Há uma série de razões a justificar o título de campeão nacional do FC Porto e a maior delas é o facto de os portistas terem sido apenas a terceira equipa em mais de oito décadas de história da Liga a ganhar os quatro clássicos entre grandes, o último dos quais ontem, contra o Sporting. E todos sem espinhas, o que dá ao campeão ontem coroado uma legitimidade inquestionável e se transforma imediatamente num atestado de qualidade suficiente para impedir que lhe chamem o pior vencedor da Liga dos últimos anos, como já ouvi e li por aí. Mesmo que esta temporada tenha ficado assinalada por vários pontos de dúvida logo desde os primeiros momentos, tenha sido toda ela feita de soluços e no final a grandiosidade não se tenha estendido ao momento de celebrar o título, um feito que Pinto da Costa voltou a diminuir, com um discurso que não se adapta aos tempos modernos.
A época começou com um Benfica pujante e eufórico, de cofres cheios graças à venda de João Félix e a moral em alta, a prometer o bicampeonato, face a um FC Porto que perdia mais de meia equipa titular, entre vendas (Militão, Felipe, Óliver…), saídas a custo zero (Maxi, Herrera, Brahimi) e o fim de carreira de Casillas, devido a um enfarte. A somar a isso tudo, logo no estágio de pré-época, houve a badalada desavença entre Sérgio Conceição e Danilo, a abalar a relação entre treinador e capitão. Houve a eliminação na terceira pré-eliminatória da Champions, com a humilhante derrota em casa face ao FK Krasnodar (0-3), e o desaire na primeira ronda do campeonato, com o recém-promovido Gil Vicente (1-2), em Barcelos, a afetar a crença da equipa em si mesma.
Houve depois o arranque quase sem falhas do Benfica, que ganhou 16 dos primeiros 17 jogos, deixando os dragões a sete pontos de distância no final da primeira volta, ainda por cima finalizada com uma derrota em casa face ao SC Braga. A exceção ao que se adivinhava uma caminhada triunfante dos encarnados tinha sido o clássico com o FC Porto na Luz, que a equipa de Sérgio Conceição ganhara por 2-0. Nova vitória portista na retribuição, no Dragão, agora por 3-2, reavivou o campeonato, quando – isso é verdade – muitos já lhe adivinhavam a sentença de morte. E não é preciso ir longe, pois o próprio Sérgio Conceição sentiu na altura a necessidade de abalar as estruturas do grupo, temendo que tudo acabasse ali. É que essa vitória fundamental surgiu depois de mais um soluço portista: a derrota na final da Taça da Liga, com o SC Braga, que deixou o clube ainda a sete pontos dos encarnados e o treinador irado, a vociferar contra a falta de união no clube. Talvez um dia Sérgio Conceição explique a quem apontava naquele momento…
Três tropeções do Benfica (derrota com o SC Braga e empates com Moreirense e Vitória FC) chegaram para devolver, num ápice, o FC Porto ao topo, mas aí vieram a interrupção forçada da Liga, devido à pandemia – isso foi mesmo azar, a julgar pelo facto de o Cov-Sars2 não ter sido citado no rol dos inimigos pelo presidente –, e mais uma derrota no regresso. O 1-2 em Famalicão voltou a despertar a onda vermelha na véspera de um Benfica-CD Tondela que iam ser favas contadas. Não foram. E nem o 0-0 nas Aves, frente a uma equipa que perdeu oito dos últimos dez jogos, travou a marcha triunfal de uma equipa que chegou a ter sete pontos de atraso mas segue agora, quando faltam dois jogos, com oito de avanço. Sim, o estouro benfiquista ajudou, mas o FC Porto fez o seu papel. E, se ganhar os dois jogos que lhe faltam, acabará a Liga com 85 pontos – menos dois que o Benfica da época passada, menos três que o FC Porto de 2018, mas mais três que o Benfica de 2017, o último título de Rui Vitória. Por que é que havia de ser o pior campeão de sempre?
Este acaba por ser um título ganho pela força do coletivo, porque se olharmos para quem o conquistou não saltam à vista grandes nomes. O melhor marcador, Marega, leva apenas onze golos, para já. Houve elementos de brilho acima da média, como Corona ou Alex Telles, mas com exceção deles e de Marchesin, ninguém escapou à rotação que Sérgio Conceição foi promovendo. Nem Pepe e Marcano, que se lesionaram por um período longo e abriram a vaga a Mbemba. Nem Manafá, o mais regular dos laterais à direita. Nem Danilo, Uribe ou Sérgio Oliveira, que alternaram a meio-campo. Nem Otávio ou Luís Díaz, que foram das principais forças criativas da equipa, mas também saíram por vezes. Nem Soares, Zé Luís ou Aboubakar, os pontas-de-lança que se revezaram também. Nem os muitos miúdos da equipa campeã europeia de sub19 que, no final da época, começaram a meter a cabeça de fora – e ainda ontem jogaram cinco contra o Sporting.
É a estes miúdos, dos quais se fará o futuro do clube, que se torna cada vez mais complicado explicar o discurso de revolta do presidente Pinto da Costa na sequência da conquista da Liga. O FC Porto não foi campão nacional contra os “que não querem acreditar”. É campeão porque foi melhor do que os outros. E isso basta.