Encontro de irmãos
Nada está a aquecer tanto as meias-finais do Mundial como o encontro entre Mbappé e Hakimi, dois craques que já eram amigos muito antes de serem colegas no Paris Saint-Germain.
E já se começam a viver as meias-finais do Mundial. Sem Portugal, mas com quatro equipas que justificaram a sua presença em campo. O sonho de Marrocos começa a ser descodificado por toda a gente e nestas Entrelinhas ser-lhe-ão dadas muitas explicações para o sucesso da equipa de Walid Regragui, que defronta a França em busca de uma vaga na final. Mas o jogo será ainda muito marcado por encontros de atuais ou ex-colegas, pelo confronto fratricida de duas nações ligadas por laços antigos, do tempo em que uma colonizou a outra. O L’Équipe de hoje consagra a sua primeira página à relação especial entre Hakimi e Mbappé, que ainda por cima pisarão os mesmos terrenos durante o jogo, um como defesa-direito de Marrocos e o outro a partir da esquerda do ataque francês. A manchete – “Os meios-irmãos” – sustenta-se num trabalho de Hugo Delom que ocupa as páginas dois e três, mas encontra continuidade em mais uma série de peças. Como a assinada por François Verdenet, que conta que Giroud, pomta-de-lança da França, e Regragui, selecionador de Marrocos, foram colegas de equipa no Grenoble, em 2008.
A temática mais explorada por toda a imprensa Mundial, no entanto, foi a forma como chegou aqui a equipa de Marrocos. A Gazzetta dello Sport coloca os marroquinos na manchete e, em artigo de Luigi Garlando, explica por que razão os magrebinos podem “sonhar com o título”. O jornalista italiano fala num jogo moderno, em individualidades como Ziyech, Hakimi, Bono ou Amrabat e até no “alinhamento dos planetas”, que por vezes favorecem surpresas, como a Grécia ou o Leicester City. Ora, nem de propósito, umas páginas à frente quem aparece a escrever é Claudio Ranieri, o treinador italiano que foi campeão inglês com a mítica equipa do Leicester. Em artigo de opinião que não tem versão online, o treinador diz que a seleção de Marrocos é “antes de mais, uma EQUIPA”, assim mesmo, em maiúsculas. “Se eu quisesse fazer um elogio ao trabalho que está a ser levado avante há pouco tempo pelo selecionador Walid Regragui – que tem ideias claras e sabe o que fazer para ganhar – diria que os seus parecem jogar como se fossem expressão de um clube e não de uma seleção reunida com elementos vindos de experiências diversas”, explica Ranieri.
Mas não há quem não vá em busca do segredo do sucesso de Marrocos. Nick Ames, no The Guardian, diz que os heróis marroquinos “reescreveram a lei das probabilidades”, suportando a teoria em palavras de Saiss, enquanto que Tom Morgan, no Telegraph, fala com Amrabat para alegar que os marroquinos entendem que podem “conquistar o Mundo”. E no El Mundo, diário espanhol, são apontadas, por Orfeo Suárez, as três razões para o sucesso de Marrocos no Mundial: “o dinheiro do Rei, a honra dos ancestrais e o perdão aos condenados”. Um dos que estava fora e voltou era Ziyech, que é motivo de longo artigo no The Athletic. Assinada por Ahmed Walid, a peça estabelece um paralelo entre a carreira do extremo do Chelsea e a performance da seleção de Marrocos. Então e a França? Bom, a França sabe que vai precisar de “mentalidade de cerco”, pois como explica Charlotte Harpur, no The Athletic, “toda a gente adora um ‘underdog’”. E se Eric Devin e Adam White, no The Guardian, centram a análise em Griezmann e na sua criatividade, o L’Équipe está muito centrado na questão da renovação de contrato de Didier Deschamps, o treinador que ficou com o direito a decidir o seu futuro ao chegar às meias-finais. Sébastien Tarrago entrevista Noel le Graet. “Encontrar um treinador desta qualidade não é fácil. Espero que ele queira continuar”, diz o presidente da Federação Francesa.
A primeira meia-final, a de amanhã, no entanto, opõe a Argentina e a Croácia, sendo que os croatas são a última oportunidade de evitar que o Mundial acabe a consagrar uma estrela do Paris Saint Germain, conforme escreve Diego Torres no El País. No The Athletic, Slaven Bilic, o ex-internacional e selecionador croata, faz uma radiografia ao futebol da sua seleção e mostra-se otimista. “Não esperava que vencêssemos o Brasil. Se jogarmos seis vezes com eles, provavelmente perderemos três ou quatro, empataremos uma ou duas e ganharemos uma. Contudo, acredito que vamos derrotar a Argentina. Somos a melhor equipa. E ninguém tem um meio-campo como o nosso, com Modric, Brozovic e Kovacic”, escreve Bilic. E se a latinidade – que flagelo... – leva os argentinos, no caso o Clarín, a centrar parte da sua atenção na exclusão do streamer Momo, que fazia parte da equipa de animadores que puxam pelos adeptos antes de cada jogo, alegadamente porque a FIFA não terá gostado do que ele disse da arbitragem do espanhol Mateu Lahoz, o diário argentino ainda nos traz, pelo menos, a visão do ex-selecionador José Pekerman, que ainda por cima foi campeão do Mundo de sub20 com Scaloni como adjunto. O atual selecionador venezuelano foi entrevistado por Nahuel Lanzillotta, deixou muitas declarações politicamente corretas sobre Messi e o valor desta Argentina como grupo solidário, mas deixou palavras surpreendentes quando o jornalista lhe pediu que nomeasse o melhor jogador do Mundial: “Se me obrigam a escolher só um, não duvido e digo Messi. Mas não quero fazer isso. Quero destacar que me dá prazer ver Modric e que tive a sorte de ir a vários jogos da Croácia, onde confirmei as expectativas por Gvardiol, um defesa que tem um teto altíssimo e já está entre os melhores. E aqui à pressa posso até esquecer-me de alguém, mas quero destacar também Frenkie de Jong e o miúdo Caicedo, do Equador, que tem um futuro enorme. E na frente Rafael Leão, Harry Kane e a grande prova de Jamal Musiala, da Alemanha”.
Conversas de Bancada
A Ler:
The transfer deals that have been the talk of the World Cup, por David Ornstein, no The Athletic, faz as contas aos negócios que agitarão o mercado que aí vem, nem todos a envolver jogadores que estiveram no Mundial, e coloca João Félix entre o Aston Villa e o Arsenal.
Pouring through a crisis: how Budweiser salvaged its World Cup, por Sarah Lyall, no The New York Times, conta a história da inversão da estratégia de marketing da marca de cerveja que patrocina o Mundial depois de saber da proibição da venda de álcool no Qatar.
Fallecidos, estafados y endeudados, por Natalia Junquera, no El País, é uma reportagem sobre as redes de recrutamento de imigrantes para o Qatar, explicando como se endividam para se colocarem nas mãos dos recrutadores.
“En Qatar la gente trabaja hasta la muerte”, por Joost Bastmeijer, também no El País, ouve três trabalhadores quenianos descrever as condições em que estiveram no país em que se joga o Mundial e complementa a reportagem anterior.
Rio 1950: les bleus ne répondent plus, por Pascal Glo, no L’Équipe, lembra a forma como a França ficou fora do Mundial de 1950, eliminada pela Jugoslávia, mas andou a lutar por uma repescagem.
Yes, England played well. But what sort of football nation do they want to be?, por Jonathan Liew, no The Guardian, lança a questão pertinente em torno da análise ao Mundial inglês: como medir sucesso e falhanço?
Inside Southgate’s mind: the thinking behind his next move, por Jason Burt, no The Daily Telegraph, recupera palavras do selecionador inglês antes do Mundial para equacionar o que lhe vai na mente agora. Fica ou sai?
After Brazil’s shocking defeat, take a close look at what the team has become, por Micael Zaramella, no The New York Times, regressa ao tema da polarização política no país e aos efeitos das eleições na seleção.
Preocupação brasileira com prêmio de melhor do Mundo é estúpida, por Paulo Vinicius Coelho, na Folha de São Paulo, reflete sobre aquilo a que há anos é um “questionamento neurótico" dos brasileiros acerca de quando Neymar vai ser Bola de Ouro.
Com quién vamos ahora y por qué, por Manuel Jabois, no El País, procura uma equipa pela qual torcer neste Mundial, porque “não há coisa pior do que ver um jogo e não saber com quem ir. É não ter razão para viver durante 90 minutos”.
Cristiano llora por Cristiano, por José Sámano, no El País, faz as contas ao Mundial de Ronaldo e fala na “humanização do maior Deus do futebol”.
A ver
Hoje não há jogos.