E o momento Agüero?
A Premier League soltou os cães ao Manchester City, acusa os campeões de mais de 100 irregularidades e abriu a porta à possibilidade de sanções pesadas. E o momento Agüero, como fica?
Ao mesmo tempo que trouxe justiça e verdade ao futebol – e disso não devemos nunca abdicar... –, o VAR veio prolongar o tempo de palco de cada momento, meteu a “Velocidade Furiosa” dentro do “Sétimo Selo”, esse clássico de Bergman sobre a finitude. Há jogadores a festejar golos, a roer as unhas enquanto os lances são revistos, e depois a repetir a festa, mas já sem a mesma emoção, porque as emoções não são assim tão estáveis. São finitas. Como há jogadores a substituir a festa do golo pela revolta da sua anulação ao ritmo das repetições em super-slow motion. É uma nova emoção, que se alimenta das vísceras, não é só um “OK, não havia irregularidades, o golo conta. Viva, viva!”. O golo vive-se, em êxtase, quando a bola entra na baliza. Depois, ao fim da tarde ou no dia seguinte, quando se chega ao pé dos amigos que ainda o não viram – e que são cada vez menos, que hoje em dia há apps para isso... –, conta-se com o mesmo fervor com que se recorda um primeiro beijo, cujo sabor ainda se sente. Por fim, no final da época, recorda-se como uma antiga namorada de quem se gostava mesmo e que já foi em frente com a vida dela. Mas onze anos depois já não nos podem roubar nada que tenhamos sentido com um golo. A Premier League chegou ao fim do processo de inquérito às irregularidades presumivelmente cometidas pelo Manchester City e acusou o clube de mais de 100 quebras dos seus regulamentos financeiros. O castigo, a serem provadas estas irregularidades, pode ir da dedução de pontos na presente época a multas pesadas e até à retirada dos troféus conquistados e à expulsão. Quer isto dizer que é possível que ao City seja retirado, entre outros, o título ganho em 2012, com o golo de Sérgio Agüero aos 90+4’ do último jogo, em casa contra o Queen’s Park Rangers. Agora tentem lá ir dizer a qualquer adepto do City – ou até a mim, que nessa tarde fiquei embasbacado no sofá, num torpor difícil de explicar apenas com recurso à razão – que aquilo, afinal, não contou. O momento Agüero, sem dúvida o mais icónico instante da história da Premier League, contou e contará sempre, porque aquilo que quem viu sentiu não pode ser des-sentido. O resto são burocracias de quem gosta de contar taças e se esquece que elas só servem para uma coisa: para ganhar pó nos museus. O futebol a sério é o das emoções, não é o da comparação de históricos.
Tecnicalidades e justiça. Não quero com isto dizer que a justiça não deva ser procurada ou que valha tudo para conseguir momentos como aquele. Nada disso. Se o Manchester City atropelou as regras – e não me custa nada acreditar que o tenha feito – deve ser punido. Sim, é verdade que nada nesta investigação da Premier League vai além do que estava na que foi feita pela UEFA, e que mesmo essa tinha por base o que Rui Pinto desvendou nos Football Leaks. E sim, é verdade que no recurso ao Tribunal Arbitral do Desporto, o Manchester City conseguiu reverter uma decisão que lhe impunha uma pesadíssima multa e o afastamento da Liga dos Campeões. Logo nessa altura, o TAD fez uma séria reprimenda aos citizens. É que se algumas das acusações não foram provadas – o que não quer dizer que não sejam justas, mas só que não foi possível prová-las –, de outras o clube escapou só porque já tinham prescrito. Ora no caso que a Premier League está a construir contra o City, não só o TAD não pode ser chamado, como não há prescrição. O que está em causa são patrocínios inflacionados por parte de empresas associadas aos donos para se poder continuar a gastar e a cumprir regras de fair-play financeiro, contratos-sombra com Roberto Mancini – o treinador da altura – e Touré e ainda uma recorrente renitência a colaborar com a investigação, escondendo muita documentação relevante. Tudo isto é muito grave e é um dos maiores flagelos apresentados pela entrada do grande capital no futebol. Podem até dizer-me: mas se os donos são ricos e querem torrar dinheiro para ganhar competições, qual é o problema? Há vários. A começar pela espiral inflacionista que isso provoca nos clubes em redor, que começam a gastar para dar luta, e a terminar no que pode acontecer no dia em que esses bilionários se fartarem do brinquedo e forem à procura de outro, provocando a falência de clubes históricos, pelos quais os adeptos nutrem sentimentos. O processo ao City deve ser exemplar do que queremos para o futebol e não pode ser travado por tecnicalidades.
Chermiti e a bipolaridade. O relvado, demasiado lento, pode ajudar a explicar. A partida de Porro, o jogador que mais impunha os argumentos no um para um na saída de bola, também contribuiu. A inteligência tática de Luís Freire, que não só bloqueou os três de trás do Sporting como ainda conseguiu definir bem os momentos de retração de Baeza e Leonardo Ruiz, que vinham isolar Morita do resto da equipa leonina, foi indiscutivelmente importante. Mas o que o Sporting exibiu ontem em Vila do Conde foi demasiado pobre para se poder equiparar ao que mostram os rivais numa base regular e, mais estranho ainda, ao que este próprio Sporting tinha mostrado na goleada ao SC Braga, há menos de uma semana, e até na derrota contra o FC Porto na final da Taça da Liga, há nove dias. Esse, aliás, foi um jogo no qual os dragões também tentaram bloquear os três de trás leoninos e nunca conseguiram fazê-lo – mas aí havia Porro como via de saída, lá está. Em Vila do Conde, numa noite fria e triste de segunda-feira, em que o clube organizador e o operador televisivo conseguiram até esconder dos olhos dos telespectadores as cerca de quatro mil almas que fizeram o sacrifício de ir ao estádio, filmando sempre uma bancada em obras e contribuindo para o ambiente quase lúgubre que não é nada consentâneo com o espetáculo que se quer dar, os três pontos premiaram um lance bem urdido por Inácio, com finalização de Chermiti. O miúdo marcou o primeiro golo na equipa principal, fez crescer um pouco mais o “hype” que Rúben Amorim gerou em volta dele, mas ele próprio mostrou menos do que contra o SC Braga. Ainda assim, os leões irão a jogo contra o FC Porto a sete pontos do segundo lugar, sabendo que uma vitória pode voltar a colocá-los na luta. Mas restará sempre a dúvida acerca de que Sporting teremos no domingo à tarde.
Não só por esse histórico golo em 2012 mas também, Agurero é o único jogador da história do City que tem uma espécie de altar a si dedicado dentro da megastore do clube.
Tudo o que é merchandising sobre o argentino está ali disponível, como que a perpetuar esse momento fantástico e único dos citizens, que por muitos títulos que ganhem ( já ganharam outro quase parecido bem recentemente ) este será sempre o mais especial.