E depois fizeram-lhe um desenho
Portugal já está a 32 milésimos de ponto da França no ranking da UEFA, mas continua muito longe em tudo o resto. Reflexão acerca dos resultados portugueses e da entrevista de Proença ao El Pais.
A entrevista que Pedro Proença deu ontem ao jornal El País não trouxe nenhuma revelação extraordinária. Já se conheciam as posições do presidente da Liga portuguesa a favor de uma distribuição mais equitativa das receitas dos direitos televisivos, ficou a saber-se que o projeto de integração das equipas B na II Liga faz parte de um plano para tornar a nossa Liga uma das mais fortes da Europa no cluster da formação e verificou-se uma aproximação a Espanha que até soou a agrado excessivo às visitas, com elogios ao “amigo” Javier Tebas, o congénere espanhol, e uma libertinagem verbal pouco habitual no antigo árbitro quando falou da Superliga como criação de “uma mente insana”. Terá havido, quando muito, novidade no momento em que, não se assustando com Messi, Proença assumiu que Portugal quer passar à frente da França no ranking da UEFA. Nem de propósito, mais à noite, FC Paços de Ferreira e Santa Clara fizeram um desenho de como isso pode ser possível.
Não alinho no coro das carpideiras que passam os dias a destruir tudo o que se faz no futebol em Portugal. Ainda ontem começou a Liga Revelação, interessante projeto que, somado à tal presença das equipas B na II Liga e até na Liga 3, também este ano criada, dá aos jogadores mais jovens a possibilidade de elevarem o patamar competitivo. Jorge Jesus não se cansa de dizer que os treinadores portugueses são os melhores do Mundo – este ano acrescentou-lhes os argentinos, provavelmente por ter refletido acerca do tempo que passou no Brasil – e é verdade que temos uma nova geração de técnicos com bases cada vez mais solidificadas, o que permite fazer sobressair os que depois têm mais rasgo. Jogadores continuam a nascer a um ritmo impressionante, sejam os que formamos cá, sejam os que conseguimos resgatar ainda jovens em mercados periféricos como o brasileiro. É verdade que precisamos de reduzir o diferencial entre quem fatura mais com as transmissões de uma competição que é de todos – o ‘ratio’ de um para 15, anunciado por Proença, é pornográfico, até se comparado com o um para 3,2 praticado pela UEFA na fase de grupos da Liga dos Campeões – mas nem isso tem impedido que este esteja a ser um bom ano para as equipas portuguesas nas eliminatórias preliminares.
As três vitórias conseguidas esta semana por Benfica, FC Paços de Ferreira e Santa Clara, já contra adversários dos Países Baixos, de Inglaterra e da Sérvia, somaram-se às quatro que já tinham somado os açorianos, às duas das águias de Lisboa e a mais uma dos castores – e pena foi aquela derrota pacense na Irlanda, já com a eliminatória resolvida. As equipas portuguesas ganharam até aqui dez dos onze jogos que disputaram nas rondas preliminares, dando a entender que a criação da UEFA Conference League, com mais jogos de equipas de Ligas mais fracas, acaba por favorecer as contas portuguesas. A todos esses sucessos acrescem ainda os oito pontos de bónus já atribuídos a Sporting e FC Porto pela presença assegurada na fase de grupos da Liga dos Campeões – e o Benfica pode somar mais quatro se lá chegar, estando a vida do AS Mónaco bem mais difícil, porque perdeu em casa com o Shakhtar. Conclusão: auxiliado também pelo facto de a época de 2016/17 ter deixado de contar, Portugal reduziu num ápice a desvantagem para a França no ranking da UEFA de 7,532 pontos para 0,032 pontos, o que significa que a ultrapassagem pode fazer-se já para a semana que vem, quer Paços e Santa Clara sigam em frente ou não, bastando provavelmente para tal que o Benfica chegue à Liga dos Campeões e o AS Mónaco não.
Entusiasmante? A verdade é que também não. E não é por o Tottenham ter apresentado uma equipa de reservas ou por o Partizan vir da Liga da Sérvia, que é 12ª no ranking. É mesmo por ser preciso ter a noção de que mesmo que sejam ultrapassados na expressão matemática do ranking os franceses continuam a ganhar-nos em tudo o resto. São eles que conseguem ter a capacidade para atrair os Messis e os Neymares – o que não tem a ver apenas com futebol, mas também com a escolha feita pelo estado do Qatar ou com o cosmopolitismo de Paris, que nem Lisboa nem Porto têm, é verdade. São eles que são regularmente abordados nos media de todo o Mundo, em programas de futebol internacional que continuam a ignorar a Liga de Portugal. São eles que continuam a ter um ambiente respirável no futebol, potenciado pela revelação de histórias interessantes e não afundadas no lixo tóxico que continuamente se produz cá acerca das polémicas estéreis que preenchem o nosso espaço mediático. A centralização dos direitos televisivos e a distribuição mais equitativa de receita são uma parte do problema. Ainda que fique a noção de que, aí, a Liga se limita a apanhar boleia dos clubes e da FPF, a aposta no cluster da formação também é uma boa ideia – que ainda por cima tem reflexos positivos nos resultados desportivos, além de ajudar nas finanças –, mas é preciso fazer muito mais. É preciso mais do que perceber porque é que o diretor de comunicação do Rio Ave, Vítor Ramos, se queixava há dias da inexistência de acompanhamento dos clubes da II Liga pelos media. É preciso mais do que, face à notícia de confrontos entre adeptos fora das zonas do cartão do adepto, dizer a todos que se habituem, porque é isso que o Governo quer. É preciso mais do que ter a noção de que os horários dos jogos são maus porque dependem da vontade do operador televisivo.
É preciso intervir – e nesse aspeto Proença tem de afastar de uma vez por todas a ideia de que está de mãos e pés atados, seja porque os clubes não querem, porque o Governo não quer, porque a FPF não quer, porque a Sport TV não quer…
Há meses, no Futebol de Verdade, um espectador fez um comentário magistral. “Deixar os clubes mandar na Liga é como deixar os putos mandar na creche”, escreveu. Revejo-me em absoluto nesta afirmação. E a verdade é esta: por mais bons resultados que os clubes façam nas provas internacionais, impulsionando-nos no ranking da UEFA, por mais que o nosso sexto (ou quinto) lugar seja melhor do que aquilo que o país justificaria, por mais jogadores jovens que criemos, desenvolvamos e transfiramos para o estrangeiro a troco de uns quantos milhões, o crescimento dependerá sempre da nossa ação. E a Liga precisa de agir.