E agora sem Pedro Gonçalves
O Sporting vai defrontar o FC Paços de Ferreira sem o craque da Liga. E não pode desfazer as dinâmicas criadas com as entradas no onze de Palhinha, João Mário e Sporar.
A influência de Pedro Gonçalves no início de época do Sporting tem sido tão grande que a ausência forçada do melhor jogador do arranque da Liga em Portugal no jogo de hoje com o FC Paços de Ferreira, para a Taça de Portugal, leva toda a gente a imaginar uma solução para a melhor forma de passar sem ele. E se há uma ilação a retirar das palavras de Emanuel Ferro, o treinador adjunto dos leões, é que quanto menos se mexer, melhor. Pedro Gonçalves tem sido a figura de uma equipa cujas dinâmicas coletivas estão a melhorar de jogo para jogo, mas tem sido a figura porque, inserido nessas dinâmicas, decide geralmente bem e executa com a qualidade dos melhores: daí os dez golos e uma assistência em nove partidas. A dinâmica, contudo, está primeiro. E essa o Sporting encontrou-a com João Mário e Palhinha no meio-campo e Sporar no ataque. Isso não convém alterar.
O processo de construção da equipa do Sporting já vem do ano passado, ainda sem João Mário nem Pedro Gonçalves, por exemplo. Dessa altura sobra a tremedeira que a equipa ia mostrando sempre que começava a organizar o seu jogo ofensivo desde trás, convidando os adversários a pressionar e a buscar a recuperação de bola na frente. No entanto, mesmo em 2019/20, só o FC Porto e o Benfica ganharam ao Sporting de Rúben Amorim, sinal de que a equipa estava a conseguir transformar essa carência em força: quando pressionavam na frente, os adversários subiam as linhas e ficavam vulneráveis à maior força daquele Sporting, que era a transição ofensiva e a forma como atraía o adversário para depois o surpreender na velocidade. Isso ficou tanto mais evidente quanto o Sporting passou a ter na frente gente com a qualidade de decisão de Pedro Gonçalves ou Nuno Santos. Só que não podia durar para sempre. Nenhuma equipa é grande a jogar em transição ofensiva – para se ganhar de forma sólida é preciso dominar todos os momentos do jogo.
Foi isso que este Sporting conquistou já com a época em curso. Primeiro, com a confirmação da permanência de Palhinha, segredo para uma melhor transição defensiva. Com ele a meio-campo, os leões ficaram muito mais fortes na reação à perda, passaram a ganhar muito mais bolas instantes depois de as perderem, ainda no meio-campo ofensivo, porque a dimensão física do seu futebol permite ao médio que os leões recuperaram em Braga estender o raio de ação muito para lá da linha de meio-campo. Depois, com a entrada de João Mário para o onze titular, formando dupla com Palhinha no meio do relvado. Com o jogador emprestado pelo Inter, Rúben Amorim adicionou criatividade e passou a ser competente em mais um momento do jogo: o ataque organizado. A criatividade de João Mário a meio-campo permite ao Sporting entrar em zonas de criação com muito mais qualidade, de forma a não depender tanto da rapidez com que a equipa faz o ataque à profundidade. Por fim, com a titularidade de Sporar no ataque. O esloveno não é o avançado de sonho para o treinador, falta-lhe escola de “falso nove”, mas pelo menos conhece a área e os espaços que nela tem de ocupar para ter situações de finalização e as proporcionar aos colegas de ataque. Pode até ser substituído por um jogador de maior qualidade no mercado de Janeiro, mas seguramente que a equipa não ganha com a sua troca por um elemento do atual plantel.
Se Rúben Amorim recuou no tema Sporar – no início da época andou a jogar com Jovane ali e o esloveno no banco – também eu recuo agora no tema João Mário/Pedro Gonçalves. No início da época, via mais o ex-famalicense a meio-campo e o internacional português lá na frente, perto do ponta-de-lança. Pensei assim por causa da ainda assim maior competência defensiva de “Pote”. E é certo que a poupa propensão de João Mário para o trabalho sem bola pode ser um problema para os leões, levando muitas vezes o treinador a trocá-lo por Mateus Nunes em momentos de vantagem. Mas hoje já não vejo João Mário como solução para a frente. Primeiro, porque tem menos golo nas botas: entre Sporting B, Sporting e Vitória FC, precisou de mais de 100 jogos como sénior para fazer os dez golos que Pedro Gonçalves leva em nove desafios esta época. Depois, e fundamentalmente, porque sem ele ao meio o jogo do Sporting em ataque organizado fica muito mais previsível: Mateus Nunes é forte fisicamente, seguro na posse, influente na forma como é capaz de queimar linhas com a bola nos pés, mas falta-lhe a centelha criativa para completar a ação de Palhinha.
É por isso que o jogo de mais longo, com o FC Paços de Ferreira, pode ser tão interessante. Tal como mostrou há dias na Luz, frente ao Benfica, a equipa de Pepa é temível em ataque rápido e contra-ataque. É uma das melhores equipas nacionais em transição ofensiva. E isso vai obrigar o líder do campeonato a duas coisas: a mais competência no ataque organizado (o que lhe é dado por João Mário) e a mais rigor defensivo a meio-campo (aspeto em que o Benfica, por exemplo, falhou).