E agora, Gyökeres?
“Ninguém quis saber quem eu era até eu pôr a máscara”, contava Bane, o vilão da DC Comics. Com Gyökeres foi igual. Os golos e a celebração especial fizeram dele um fenómeno tardio de mercado.
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Os quatro golos que Gyökeres fez ontem nos 6-0 da Suécia ao Azerbaijão de Fernando Santos, em si, não é que valham pouco, mas não serão uma proeza daquelas que ficam para os anais da história ou da carreira do atacante do Sporting. A coisa deu-se no terceiro escalão da Liga das Nações, contra uma equipa despromovida ao quarto, por troca com seleções do nível de San Marino e da Moldávia. Mas foram quatro golos. Juntos, formaram o segundo póquer do sueco em Novembro, depois do que já conseguira contra o Estrela da Amadora, a abrir o mês. E elevaram para 58 o total de golos marcados pelo homem da máscara em 2024, apenas a três de entrar no Top5 do século XXI, galeria onde só está gente do calibre de Messi, Ronaldo e Lewandowski. Maravilha? Sem dúvida. Se entretanto não se transformar num problema em Janeiro.
Gyökeres parece tranquilo e ainda recentemente, na chegada à seleção sueca, disse que quer acabar a época no Sporting. Ainda que sem se referir a ele em específico, Frederico Varandas, o presidente leonino, afirmou na apresentação do novo treinador, João Pereira, que pode sair gente em Janeiro, se vier um clube que pague a cláusula e o jogador quiser ir. “Se eu acredito? Não!”, completou. Devo dizer que também não acredito. Mas na verdade já acreditei menos do que acredito hoje. E vou acreditando mais um bocadinho a cada carrada de golos que o sueco vai fazendo, sempre pontuados por uma celebração icónica, roubada a Bane, o super-vilão da DC Comics, que, sim, lhe aumenta o potencial marquetizável e que, por mais incrível que isso possa parecer-vos, fazendo-lhe crescer a notoriedade, também tem impacto no seu valor de mercado. Havia uma série de fatores a funcionar contra a capacidade de Gyökeres se impor ao mercado: a idade (faz 27 anos em Junho), a falta de passado, o facto de marcar golos em competições não tão valorizadas assim, como a Liga Portuguesa ou o terceiro escalão da Liga das Nações... Só que entretanto veio a Champions, o hat-trick ao Manchester City e, até ver, um lugar no topo da tabela dos marcadores da prova, a par de Raphinha, Lewandowski e Kane. Vieram os tweets incessantes de Fabrizio Romano, o influencer digital que mais mexe com as transações. E veio a saída de Rúben Amorim do Sporting para o Manchester United, a levar os media ingleses – jornais, televisões e podcasts, que são muito influentes – a dar a Gyökeres a atenção que ele nunca teve enquanto por lá andou, a jogar no Brighton, no Swansea e no Coventry City.
Aqui, é preciso não confundir a opinião publicada com a opinião de quem opera de facto no mercado. Ainda que isso influa na nossa perceção das coisas, não é por ter passado a haver artigos sobre Gyökeres em quase todos os jornais físicos e digitais que de repente ele começou a interessar aos maiores clubes. Mas pode ser porque ele passou a interessar aos maiores clubes que começámos a ver artigos sobre ele um pouco por todo o lado. Sim, as regras de fair-play financeiro que começam a mandar nas grandes Ligas impedem muitos dos clubes que até podiam ser sedutores para o jogador de avançar por ele agora, pois todos planificaram os investimentos da época sem pensar numa despesa tão grande em Janeiro e não conseguiriam incluí-la nas suas contas assim do pé para a mão. Não é por falta de dinheiro, atenção. As pessoas muitas vezes confundem as coisas. O que não falta a esses clubes é dinheiro para dar pelo avançado mais impactante do mercado – porque marca golos e está numa Liga de Grau 2. O que lhes falta é a possibilidade de pagar esse dinheiro e depois fazerem passar as contas pelo escrutínio que, de forma a evitar a escalada de custos para níveis incomportáveis, lhes limita o investimento. A questão é que as coisas no mercado nunca são tão lineares como as fazem crer os contratos e, sim, há sempre que levar em conta aspetos tão nebulosos e variáveis como a posição negocial ou a vontade de cada parte.
Por exemplo: fala-se num acordo entre o Sporting e Gyökeres no sentido de, acabada a época – e só nessa altura –, o clube facilitar a saída do jogador, aceitando valores ligeiramente abaixo da cláusula, que está fixada em 100 milhões de euros. Mas se o apetite por Gyökeres continuar a subir exponencialmente, o leilão será tão concorrido que provavelmente os leões nem terão de cumprir o prometido. A questão é que isto também funciona ao contrário. Se nos oito jogos que ainda pode ter pela frente em 2024 Gyökeres fizer pelo menos quatro golos, chegando a 62 e entrando no Top5 dos melhores goleadores mundiais de um ano civil neste século – Messi marcou 91 em 2012, Ronaldo 69 em 2013, Lewandowski 69 em 2021, tendo ainda Ronaldo marcado 63 em 2012 e 61 em 2014 – isso fará falar dele com tal insistência que pode levar alguns clubes a perder a cabeça já no próximo mercado. E aqui é muito importante que todos tenham a cabeça no lugar e entendam bem aquilo que querem. O jogador parece focado. E não, não creio que por Amorim ter saído também seja acometido de uma vontade súbita de ir já embora – ainda que se a equipa deixar de funcionar com o novo treinador isso possa vir a passar-lhe pela cabeça. O clube também parece firme, conforme se viu nas declarações de Varandas, mas vai começar a ser bombardeado com sugestões como a que na semana passada andava por aí, vinda precisamente do grupo de influenciadores a que pertence Romano: 60 milhões mais Zirkzee para o jogador seguir já para o Manchester United. Ora se houve coisa que o Sporting aperfeiçoou nos últimos tempos foi a articulação entre o scouting e a equipa técnica, garantindo que no plantel só entra quem foi especificamente escolhido e não quem, por mais qualidade que tenha, venha servir de contrapeso, por isso mesmo não se lhe vendo utilidade específica no plano desenhado. É isso que o Sporting não pode perder de vista, por mais cantos de sereia que venham das Big Five.
A preferência de Gyökeres parece passar pelo ingresso na Premier League. A do Sporting por manter o jogador até final da época e depois pelo menos quadriplicar o valor investido nele há ano e meio, aceitando a inevitabilidade de o perder, porque a realidade é que ele já terá crescido além dos limites da nossa Liga. Mas o que é importante é todos termos a noção de que nada disto é definitivo. E que, como tudo depende de coisas volúveis, aqui sim, tudo o que hoje é verdade amanhã pode ser mentira. Pimenta Machado, afinal, era um visionário.
No fim da época disse que Gyokeres era subvalorizado em Portugal. O Tadeia respondeu-me no discord com os prémios que Gyokeres ganhou. Mas disse que ele era desvalorizado era no discurso de que Gyokeres só era bom por ser novidade, por não se atirar para o chão e não se deixar cair. Afinal tinha razão, era subvalorizado e agora já todos os rivais o querem fora do Sporting. Talvez seja o melhor avançado do campeonato Português desde Mário Jardel e até melhor que Jardel. Será difícil manter mas acredito que Gyokeres só sai no fim da época, e não vejo ninguém avançar a não ser que exista uma grande transferência de saída de um dos tubarões em janeiro.
Não esquecer que o Coventry tem 15% de uma futura venda, nunca serão 100 milhões limpos.