Duas perguntas ao clássico
O FC Porto-Benfica deste domingo pode ajudar-nos a responder a duas perguntas. O que esperam as duas equipas desta época? E até onde estão os treinadores dispostos a ir para o alcançarem?

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FC Porto e Benfica chegam ao clássico deste domingo com a confiança em alta, em função das melhorias que têm mostrado tanto no futebol como nos resultados, a ponto de o desafio do Dragão nos apresentar sobretudo dois pontos de conversa. A que é que cada um pode ainda aspirar e até que ponto estão os dois treinadores disponíveis para arriscar os equilíbrios, de maneira a chegar a esse objetivo? Quem é que precisa mais desta vitória e de que maneira é que a tentação de segurar primeiro o empate passará de porto seguro a empecilho? É a isso que Martín Anselmi e Bruno Lage vão responder, primeiro nas conferências de imprensa de amanhã, depois na divulgação dos onzes e, por fim, começado o jogo, na identificação que já poderemos fazer das estratégias.
A primeira questão é mais simples. A que é que cada um pode aspirar? No caso do Benfica as contas são muito práticas: com 21 pontos em disputa, em igualdade pontual com o Sporting na liderança, os encarnados precisam de fazer a sua parte para se manterem a uma distância que torne o dérbi que se jogará na Luz na penúltima jornada pelo menos uma partida da qual dependa a decisão final. E isso implica ganhar os outros jogos, porque não têm controlo sobre os pontos que os campeões nacionais venham eventualmente a deixar pelo caminho. A esse nível, de resto, o facto de o clássico do Dragão se jogar 24 horas antes do Sporting-SC Braga é uma metáfora com o seu quê de revelador.
Por sua vez, ao FC Porto já é praticamente impossível sequer sonhar com a conquista do título – mesmo ganhando todos os seus jogos, só lá chegaria se os dois rivais lisboetas deitassem fora 10 pontos cada um nesta reta final de Liga. Dez... em 21. Mas o segundo lugar, sendo muito difícil, pode ainda ser um sonho, uma meta à qual apontar, porque para isso precisaria apenas da sua própria competência e de uma eventual quebra anímica e de rendimento de um só dos emblemas de Lisboa. Ora, manda o senso comum que meta mais fichas no Benfica, porque é o único dos dois a quem ainda pode tirar pontos num confronto direto. É, mesmo assim, complicado? Sem dúvida. Daí que, mesmo que se resignem a um realismo que manda achar que a qualificação para a Liga dos Campeões não passa já de uma miragem, até a terceira posição possa vir a ser vista como um objetivo importante. É que se a final da Taça de Portugal for um Sporting-Benfica o terceiro lugar dará acesso direto à fase de grupos da Liga Europa, ao passo que o quarto levará à necessidade de jogar a segunda pré-eliminatória, logo a partir de 24 de Julho – e o FC Porto terá Mundial de clubes, pelo menos, até 24 de Junho, bastando-lhe superar a fase de grupos para ter de jogar no mínimo mais uma vez, a 28 ou 29. Nesse cenário, aos dragões restaria escolher: ou faziam férias ou faziam pré-época. Nenhuma das opções prefigura nada de bom.
Clarificada a questão dos objetivos, resta debater as melhores maneiras de os atingir. Tanto o FC Porto como o Benfica chegam ao clássico em boa fase ou, pelo menos, em crescimento. Os dragões ganharam dois jogos consecutivos pela primeira vez desde que Anselmi chegou: 2-0 ao AVS e 2-1 no Estoril. As águias têm o registo recente atrapalhado pela Liga dos Campeões – as duas derrotas com o FC Barcelona e o empate caseiro com o AS Mónaco – mas no plano nacional entram em campo com nove vitórias seguidas, desde que foram batidas (3-1) em Rio Maior pelo Casa Pia, a 25 de Janeiro: 3-2 ao Estrela, 3-2 ao Moreirense, 1-0 ao Santa Clara, 3-0 ao Boavista, 1-0 ao SC Braga, 3-0 ao Nacional, 3-2 ao Rio Ave, 3-0 ao Gil Vicente e 3-2 ao Farense. O que os últimos jogos têm mostrado é um Benfica coletivamente afinado nas suas dinâmicas. Aursnes tornou-se a peça móvel capaz de assegurar complementaridades, Bruma oferece verticalidade e agressão à profundidade mas igualmente ligação interior e Amdouni a clarividência na ocupação de espaços e a intensidade de pressão. Lage tem depois alternado entre as diagonais de Pavlidis e o jogo mais de apoios de Belotti. Do outro lado, o que, pelo menos estes dois últimos desafios do FC Porto nos têm mostrado é uma equipa mais competente em criação, com o recuo de Eustáquio para a zona entre os centrais, abrindo espaço a Fábio Vieira no meio-campo e possibilitando que à frente, nas proximidades de Samu, se juntem Mora e Pepê, dois faróis de criação, o primeiro mais pela inteligência aliada a recursos técnicos e o segundo pela capacidade de aceleração que traz ao jogo ofensivo. A questão é: será assim que vai ser no domingo?
No caso do FC Porto, basta recuar até ao desafio de Braga. Foi há menos de um mês, a 8 de Março, e nele Anselmi alinhou três defesas-centrais puros – Nehuén Pérez, Marcano e Otávio – e usou nas imediações de Samu dois avançados bem menos impactantes no jogo interior, como foram João Mário (com Martim Fernandes a lateral) e Gonçalo Borges. Foi porque não tinha Fábio Vieira (castigado), Mora e Pepê (ambos lesionados)? Talvez sim. Ou foi porque sucumbiu ao maior grau de dificuldade da partida e do adversário? Isso é o que vamos ver uma hora antes do jogo de domingo, quando for divulgado o onze portista. E mesmo depois, quando tiver início a partida, porque uma coisa é alinhar Eustáquio no meio dos centrais mas ele ficar lá, mesmo em organização ofensiva, e outra, bem diferente, é dar-lhe nesse momento liberdade para se juntar a Alan Varela, à sua frente, libertando Fábio Vieira para criar uma sobrecarga criativa atrás do ponta-de-lança, com Pepê e Mora (como se viu frequentemente no Estoril, por exemplo). Ora é bem possível que o próprio Anselmi não saiba já o que vai fazer – porque muitos destes comportamentos dependerão da capacidade da primeira zona de pressão do Benfica. E esse é um fator que depende muito das escolhas iniciais de Bruno Lage. O Benfica entrará me campo com Bruma ou Aktürcoglu? E, mais ainda, com Amdouni ou Di María?
Antes de se lesionar, na Amadora, com recaída no Mónaco, Di María estava a ser a maior arma ofensiva do Benfica. Em finais de Novembro, escrevi aqui que do seu renascimento, defendido pelo futebol inteligente de Aursnes, dependia a possibilidade de Lage vir a transformar esta numa boa época para o Benfica. Mas a forma como Amdouni e Bruma tomaram conta das operações durante a sua ausência, tornando o Benfica muito mais competente no plano defensivo, evidencia que uma equipa é um organismo vivo, dinâmico e em mutação constante. Amdouni não tem, nem de perto nem de longe, a mesma capacidade de Di María para resolver um jogo sozinho, mas ao mesmo tempo a sua presença em campo não traz para a equipa problemas resultantes da falta de cultura de ocupação de espaços e de pressão. Por sua vez, Bruma não tem tanto golo como Aktürcoglu – de mansinho, o turco já leva 14 golos e oito assistências no Benfica, esta época – mas é muito mais diversificado na forma como dá solução a problemas na criação. Se mo perguntassem há uma semana, eu seria taxativo e diria que o Benfica ia jogar no Dragão com Amdouni, Pavlidis e Bruma na frente. Mas o jogo contra o Farense veio baralhar as coisas. Porque Di María está disponível e, sendo ele o craque mais desequilibrador da equipa, tendo ele sido eleito melhor em campo no clássico da primeira volta, por exemplo, causa-lhe também inúmeros problemas no plano defensivo –como se viu na quantidade de vezes que Poloni, o ala esquerdo dos algarvios, se soltou para criar perigo na quarta-feira. E porque Aktürcoglu fez dois golos e uma assistência, ainda por cima sempre em lances de ataque rápido, o que transporta o tema para a zona estratégica – de que tipo de jogo estará Lage à espera?