Dia de horrores
SC Braga e Sporting ficaram muito aquém do exigido e comprometeram o apuramento nas competições europeias contra equipas aparentemente acessíveis. Acima de tudo por uma questão de foco.
Rúben Amorim contou ontem, na conferência de imprensa que se seguiu ao péssimo jogo que foi o Sporting-Midtjylland, que ao ouvir a música da Liga Europa, quando as equipas iam apresentar-se no relvado de Alvalade, se lembrou da experiência ali vivida contra o Lask Linz, em Outubro de 2020. Nessa noite, o Sporting apanhou quatro golos e ficou sem remissão fora das competições europeias antes sequer de chegar à fase de grupos. Desta vez, após um empate a um golo, ainda terá a oportunidade de emendar a má imagem deixada ontem com um segundo jogo na Dinamarca. Falta perceber se a questão que trava as equipas portuguesas na Liga Europa e na Liga Conferência não nasce no subconsciente, da noção de que estas não são provas que valham a pena, porque são provas com receitas irrisórias, se comparadas com as que dá a Liga dos Campeões. Porque de pouco servirá andarmos a antecipar e adiar jogos para favorecer as equipas portuguesas que vão jogar partidas da UEFA, de forma a facilitar a luta pela recuperação do sexto lugar do ranking, se depois estas equipas só jogam quando o que está em causa são os milhões da Champions. E o dia de ontem foi um dia de horrores. O SC Braga tinha pela frente uma equipa capaz de lhe pressionar alto a saída de bola, bastante competente no ataque à área e pode até alegar que o seu esforço foi prejudicado pela (justa) expulsão de Tormena, aos 55’, mas nessa altura já estava a perder e tinha sido sempre inferior aos italianos. No final, o 0-4 deixa os minhotos sem alternativas e centrados na Liga e na Taça. O Sporting, por sua vez, além de já não ter Taça e de estar muito longe do pretendido na Liga, tinha tudo a favor, a começar por um adversário que está mais fraco do que no início da época e se apresentava sem competir há três meses, mas mesmo tendo perdido situações de golo mais do que suficientes para construir um resultado confortável (o jogo acabou com um xG de 2,82-0,25), a equipa somou imprecisões fruto de desconcentração – seja porque o jogo não era o que queria estar a jogar ou porque está a pensar de mais antes de cada ação – e no processo não só se enervou como enervou os adeptos. Ao contrário do SC Braga, o Sporting ainda pode perfeitamente seguir em frente na Liga Europa. Mas para isso tem de limpar bem a cabeça antes da segunda mão.
O peso da história e do momento. O Sporting, como já vimos, empatou em casa com um fraquito Midtjylland, após uma exibição muito pobre, e o estádio irrompeu em apupos, cânticos contra a direção e a equipa. O SC Braga, como também já vimos, foi goleado por uma Fiorentina mais competente, é certo, mas que ainda assim devia estar perfeitamente ao alcance de uma equipa que está na luta por uma vaga na Champions, e a coisa foi vista com alguma indiferença, um encolher de ombros e uma pergunta a saber quando é o jogo seguinte – era o que se ouvia do speaker do estádio quando as equipas recolhiam aos balneários, com a expressão “Estão todos convocados”. Os adeptos reagem muito consoante a aplicação da história ao momento. O momento do Sporting é, por assim dizer, indigno da sua história. O do SC Braga não. Os adeptos do Sporting estão neste momento contra tudo o que venha do relvado – e por isso teve razão Amorim quando disse que a culpa do que a equipa não está a produzir em campo é dele, mas o ambiente do clube quem o cria são os sócios. Os adeptos do SC Braga estão-se nas tintas para a Liga Conferência e já se focaram no que mais lhes interessa, a manutenção de uma das três primeiras posições no campeonato. É por isso que depois de empatar ontem com o Midtjylland o Sporting ficou mais longe de ganhar em Chaves, na segunda-feira, enquanto que depois de ser goleado pela Fiorentina o SC Braga ficou mais perto de bater o FC Arouca, no domingo.
O peso do adversário. Já se sabia que o FC Barcelona-Manchester United ia ser “um jogo de Champions”. O nome do adversário ajudava as massas adeptas a esquecerem que estavam um patamar abaixo do normal e a encarar o desafio como se fizesse parte da grande montra. “É da Liga Europa? Sim, mas é o Manchester United”. Ou “sim, mas é o FC Barcelona”. E isso chega aos jogadores, que foram capazes de nos proporcionar um espetáculo grandioso, com quatro golos, ocasiões sucessivas numa e na outra baliza e um ritmo que não deixava ninguém respirar. Gosto desta equipa do FC Barcelona, como aprecio esta equipa do Manchester United, porque são duas equipas de autor. É ver como Xavi montou o onze com Pedri e Gavi a caírem mais nas alas e com dois laterais – Koundé e Alonso – como defesas-centrais. Ou como Ten Hag transformou Rashford num ponta-de-lança móvel e de ataque à profundidade e Weghorst num médio cuja passada larga lhe permite ser opção de chegada à frente. O 2-2 parece deixar os ingleses em vantagem, porque têm a segunda mão em casa, mas o Barça não é equipa de se atemorizar com o efeito cénico normalmente pouco impressionante de Old Trafford.
O Dia M. Hoje é o dia M. O dia em que, as peculiaridades da bolsa de Nova Iorque permitindo, se vai saber mesmo quem são os candidatos que apresentaram propostas para comprar o Manchester United aos Glazer, a família norte-americana que, se formos a ver, tirando aquela parte de terem comprado o clube e depois usado as receitas que ele gera para pagar o serviço da dívida contraída para... comprar o clube, nem fizeram assim tão mau trabalho. Foi através do Manchester United que percebi um dia que os clubes podiam ter donos. Foi ainda na década de 80, quando nos resumos que chegavam a Portugal se viu um sujeito de chuteiras, calções, e camisola de aquecimento subir ao relvado de Old Trafford a dar toques numa bola, usando até a testa. Não era bem aquele rapaz da Caparica que por esses tempos aparecia a fazer malabarismos no intervalo dos jogos das equipas portuguesas, mas o sujeito de bigode, como quase todos os sujeitos nos anos 80, não se safava nada mal. Era Michael Knighton, o milionário que ia comprar o Manchester United. Nem o pessoal por aqui estranhou – afinal era o tempo de Jorge Gonçalves, outro sujeito peculiar de bigode... – nem Knighton comprou. Desta vez, as fortunas que se apresentam são bem mais imponentes. Fala-se de Jim Radcliffe, adepto de longa data do United e dono da Ineos – e do OGC Nice, por exemplo –, do emir Al-Thani, ao que parece também adepto de longa data do Manchester United e dono do Paris Saint Germain, por exemplo, e de um fundo saudita. E o que é pena é que a coisa não vá decidir-se num concurso a ver quem consegue dar mais toques na bola sem a deixar cair no chão.