Defensivo? É que não pareceu...
O problema de Portugal no jogo com a Alemanha não foi ser uma equipa muito defensiva. O problema foi Portugal não ter defendido.
No meio do turbilhão que foram as reações populares à derrota de Portugal com a Alemanha, em Munique, francamente, ainda não percebi como é que o sentimento geral é o de que a seleção nacional jogou mal porque o treinador é muito defensivo e anda ali a acumular trincos e ferrolhos mas ao mesmo tempo se reclama que os dois extremos tinham de vir para trás dobrar os laterais. O futebol de convicção popular joga-se muito por clichés – e um deles é que as equipas de Fernando Santos são e serão sempre muito defensivas – mas a realidade é habitualmente diferente da convicção enraizada. O Alemanha-Portugal foi o menos defensivo de todos os jogos que vi no Europeu. O problema não foi Portugal ser uma equipa muito defensiva. O problema foi Portugal não ter defendido.
Deixem-me explicar melhor o que é defender. Defender não é acumular defesas em campo, jogar com muitos trincos ou mandar os avançados cobrir espaços junto à nossa própria linha de fundo. Até porque, seguindo essa ideia, mesmo que se recupere a bola uma e outra vez, isso vai acontecer tão longe da baliza adversária que se tornará impossível chegar lá de uma forma regular e consistente, obrigando a equipa a voltar a defender mais depressa e levando-a a ficar mais suscetível de sofrer golos. Defender é, quando o adversário tem a bola, cada um ser capaz de tapar o espaço que lhe compete, com as doses certas de rigor posicional e agressividade nos duelos. Quando, um dia depois do jogo, Fernando Santos diz que “faltou fazer faltas”, concordo. Não porque ache que as faltas, em si, resolvam alguma coisa. Não resolvem. Recorrer à falta sistemática para anular o jogo do adversário é uma tolice que, com um bom árbitro, acaba sempre mal. Mas as faltas são geralmente consequência de uma atitude mais agressiva no campo, que também determina o ganho de duelos de uma forma regular. Sem falta.
Ou seja. O que faltou não foi fazer faltas. O que faltou foi ser mais agressivo, de preferência sem fazer faltas, mas admitindo-se que dessa atitude acabassem por resultar faltas. As cinco faltas feitas por Portugal (duas até aos 72’), contra as 15 da Alemanha, não foram a doença, mas sim um sintoma. Isto para dizer também que o problema não foi o excesso de trincos – para os que acham que fomos muito defensivos – nem a falta de vontade dos avançados andarem a correr atrás dos laterais dos adversários até à nossa própria linha de baliza. Até porque, deixem-me dar-vos uma novidade: contra a Alemanha, Portugal não jogou com duplo pivot, com os tais dois trincos de que tanto se fala. Tal como não tinha jogado na maior parte dos jogos de qualificação em que acumulou Danilo e William no onze inicial. Os jogadores não são aquilo que está escrito nos rótulos que as pessoas lhes põem em cima: são aquilo que são capazes de fazer em campo. Em momentos de desespero, quando Rúben Amorim o mandava para a área adversária – e ele resolveu assim tantos jogos – Coates era defesa-central ou era ponta-de-lança?
Portugal jogou com duplo pivot nos jogos recentes contra a Espanha, Israel e a Hungria. No primeiro caso com Danilo e Sérgio Oliveira a par, no segundo com Rúben Neves e William e no terceiro com Danilo e William. Santos mudou na ponta final do jogo com a Hungria e frente à Alemanha voltou a inverter o triângulo logo desde o início: era 4x1x4x1, com Danilo atrás de William e de Bruno Fernandes, estes sim a jogar a par. Podemos obviamente discutir se estes são os melhores médios para se jogar neste momento – e eu até acho que não são, seja porque William fez uma má época e ainda não recuperou dela, porque Danilo não está em bom momento também e até porque Bruno Fernandes parece cansado, embora o médio do Manchester United já seja tão indiscutível que, se a equipa não encontra utilidade para ele, algo está mal desenhado na estratégia. Como escrevi logo a seguir ao jogo, acho que foi ali que a equipa claudicou. Ainda que admita que a ideia de Santos fosse diferente, para mim não era o extremo que tinha de vir atrás de Gosens, mas sim o núcleo central que devia ter-lhe cortado o abastecimento. Sem bola, ele podia estar lá a 20 metros de toda a gente que não nos incomodava.
Lembram-se da polémica de 2016, quando havia quem dissesse que Portugal jogava mal por ser muito defensivo? Na altura separei as coisas. Portugal era, de facto, muito defensivo, mas jogava bem esse jogo que desenhou para si próprio. Contra a Alemanha, a equipa manteve a ideia de base defensiva – e isso não se muda por decreto, de um jogo para o outro, sem um trabalho consolidado – mas não foi competente a desempenhá-la. O problema não foi ter sido defensivo. Foi ter defendido mal.