De Sané ao futuro do Benfica
Sané foi posto ante uma opção difícil, como vão ser os sócios do Benfica, quando tiverem de escolher entre um dos caminhos que se abriram no saco de gatos que só se uniu para afastar Vale e Azevedo.
Há momentos na vida em que somos postos ante bifurcações e não há hipótese de conciliação entre caminhos. Leroy Sané foi colocado numa dessas situações: depois de voltar de uma longa ausência por lesão ligamentar, assinou pelo Bayern, e teve de escolher entre jogar a Final8 da Liga dos Campeões pelo Manchester City, preferencialmente até 23 de Agosto, ou mudar-se já pra a Baviera, de forma a estar perfeitamente integrado e em condições de começar a Bundesliga, a 18 de Setembro. Não era uma decisão fácil, porque colocava frente a frente dois instintos básicos e irreconciliáveis: a possibilidade de ganhar já, fazendo parte de um projeto que não é perfeito mas que, nos dias bons, é avassalador; ou a hipótese de abraçar já valores mais abstratos mas nos quais se revê, como a integração atempada num coletivo que vai ser o dele. Assim vai estar o Benfica em Outubro, quando os sócios forem chamados a escolher o futuro presidente. O clube da Luz volta às vias que teve pela frente no início deste século, quando deixou para trás João Vale e Azevedo e começou a desenhar o futuro em intermináveis jantaradas no saco de gatos que foi a direção saída das eleições de 2000.
Sané escolheu o futuro. Não vai estar na Final-8 da Liga dos Campeões. Ou melhor: até poderá vir a Lisboa, integrado no plantel do Bayern, mas não lhe será permitido jogar pelo novo clube, porque não está por ele inscrito para a prova. O alemão acredita num futuro repleto de sucesso e em nome dele está disposto a sacrificar o presente nessa máquina de jogar à bola que é o Manchester City de Pep Guardiola. Foi a decisão certa? Não foi? Aqui não há decisões certas e erradas. Há escolhas, com as quais se tem de viver. E, mais uma vez, essa é a posição em que se vão encontrar os sócios do Benfica, quando tiverem de optar entre os candidatos à presidência nas mais disputadas eleições de que há memória no clube. Veremos se, até final, continuarão os cinco candidatos ou se as listas imaginadas por Bruno Costa Carvalho e Ricardo Martins Pereira serão absorvidas por uma das três que mais parecem contar em termos de escrutínio final. No Benfica, os sócios poderão escolher entre a novidade ou a continuidade de um Luís Filipe Vieira que hoje em dia é mais um gestor de silêncios e de expectativas – os 250 mil sócios, o Benfica de esplendor Europeu, a equipa formada à base do Seixal, a hegemonia interna… – e parece apostar tudo na parceria com Jesus, nas resmas de jogadores que o treinador quererá trazer com ele e na capacidade que o treinador revelará de colocar a equipa na fase de grupos da Champions e de protagonizar um bom arranque na Liga portuguesa.
Vieira até poderia estar a arriscar muito ao recuperar o treinador que lhe deu sucesso desde 2009, pois já se sabe que essa escolha, sobretudo porque feita na sequência da recusa em renovar-lhe contrato em 2015, em nome de um “projeto” que parece ter-se esfumado, seria impossível de explicar de forma minimamente coerente numa troca de ideias. A questão é que – e aí surge a ideia do gestor de silêncios – Vieira não deve estar sequer interessado em explicá-la a não ser em ambiente controlado e nunca em confronto com os outros candidatos, que aliás já disseram o que pensam desse caminho. E nas diferentes reações de Gomes da Silva e Noronha Lopes se percebem as diferenças entre as principais alternativas à gestão atual. Foi mais truculento Gomes da Silva, fiel à imagem de comentador televisivo que não vira a cara a uma boa guerra, pois sabe que é nelas que ganha pontos na lógica populista que dá cartas no século XXI e que tem nas redes sociais o púlpito principal. Foi mais conciliador Noronha Lopes, apostado na tentativa de corporizar os valores de um Benfica secular e de uma certa nobreza encarnada, nos quais se revê toda a intelectualidade benfiquista mas que dificilmente captura os corações das bases a ponto de ganhar eleições. Já o disse acima: com gente diferente, esta opção esteve à mesa em jantares a que não assisti mas que na altura me foram contados com detalhes deliciosos, entre as fações que se uniram para afastar João Vale e Azevedo mas que não tinham nada em comum a não ser o benfiquismo e a ideia de que aquilo não podia continuar.
Em 2000, depois de umas eleições ganhas graças à contribuição de Eusébio – cujo apoio a Manuel Vilarinho virou a mesa e derrotou o populismo de Vale e Azevedo –, o Benfica viu-se perante três caminhos. De um lado, a fação do benfiquismo secular, corporizada por gente como o próprio Vilarinho, cujas competências sociais – sempre foi um conciliador – lhe permitiram transportar a decisão para o plano interno e impedir o confronto público destes três caminhos. De outro, uma fação prática, corporizada pelos construtores, como o próprio Vieira, Mário Dias, José Guilherme ou Vítor Santos, o investidor que trouxe Roger e um dia entrou pelo relvado a dentro durante um treino para falar com o seu jogador. Foi este círculo de gente com dinheiro e uma ideia para ele que acabou por tomar conta do clube, unida em torno da vontade de construir o novo estádio. De outro, ainda, havia a fação mais intelectual, moderna, dos MBA tirados no estrangeiro. Era encabeçada por Luís Nazaré e acabou por ser derrotada internamente. No entanto, não só Nazaré se foi mantendo no clube em papéis de legitimador da solução vencedora deste confronto interno, como as principais ideias da sua fação acabaram por ser adotadas por Vieira depois da empreitada do estádio e se viram refletidas naquilo que é hoje, por exemplo, a SAD do Benfica.
As pessoas são hoje outras, mas os caminhos são os mesmos. E a grande diferença é que, em vez de se decidirem à mesa do Mercado do Peixe, os destinos vão desta vez ser alvo de escrutínio popular.