De Éder a Boaventura
Éder distanciou-se em comunicado da mental coach que tem escalado nas revelações acerca do passado em comum. O Benfica tem a obrigação moral de fazer o mesmo com o empresário acusado de corrupção.
A realidade é só uma, mas há gostos e convicções para tudo e cada um pode sempre escolher aquilo em que acredita. Éder, o Éder do Euro’2016, sentiu-se ontem obrigado a emitir um comunicado no qual se distancia da autoproclamada “maior coach de alta performance da Europa”, Susana Torres, em virtude da ofensiva de marketing que esta tem vindo a fazer, com entrevistas a vários “daytime shows” televisivos, ainda em cima do golo que deu a Portugal o título europeu, que o jogador marcou na final à França. “Fala dele como sendo dela”, acusa o futebolista, ao mesmo tempo que expõe o que diz serem as várias mentiras contadas agora pela sua ex-colaboradora. A reação de Éder extrema os campos, entre aqueles que o apoiam perante aquilo que, a mim, também já me parece um esticar de corda inaceitável, e os que o acusam de ingratidão, como se o jogador alguma vez tivesse negado ter tido ajuda psicológica na altura dos factos. Não negou. Sim, recebeu, pagou pelo trabalho e agradeceu na altura, mas entende que já chega e, mesmo que tudo o que agora foi revelado por Susana Torres seja verdade – e custa-me a crer... – tem o direito à sua privacidade, porque é assim, defendendo a privacidade daqueles que ajudam, que trabalham os verdadeiros profissionais da área. As pessoas, no entanto, têm a necessidade de estar sempre num campo ou no outro, de ir chamar “aproveitadora” a uma ou “ingrato” ao outro, e isso não se vê apenas neste caso. Vê-se também no caso de César Boaventura, o empresário próximo de Luís Filipe Vieira que soube ontem que estava acusado pelo Ministério Público por tentativa de aliciamento a jogadores do Rio Ave e do Marítimo, para que facilitassem vitórias do Benfica, na época de 2015/16, em que os encarnados acabaram por ser campeões depois de uma intensa reta final, em disputa com o Sporting. É importante que se diga que o empresário tem direito à defesa em tribunal – tal como Éder e Susana Torres poderão ter de acabar por dirimir a sua disputa perante um juiz –, que ser-se acusado não é a mesma coisa que ser-se culpado, mas a verdade é que no futebol ninguém quer saber de Boaventura. Tal como ninguém quer saber de Susana Torres. O que interessa é muito mais simples e, ao mesmo tempo, complicado. Teria Éder marcado aquele golo sem a ajuda da “mental coach”? Teria o Benfica ganho aqueles jogos sem o auxílio do empresário agora acusado de corrupção? Tal como no caso de Éder e Susana Torres, a plateia divide-se entre os que acham que sim, claro, e os que contrapõem que não, de forma alguma. Por muito que isso me custe – porque vem tornar os crimes de corrupção praticamente inimputáveis e isso é um problema social grave –, entendo que o Ministério Público não tenha acusado o Benfica neste processo. Não, não é porque o Benfica domina o aparelho de estado. É porque é assim que funciona o estado de direito. A SAD do Benfica só poderá ser acusada se houver provas de uma ligação direta ao alegado corruptor – e não, não é que falavam uns com os outros ou que até faziam negócios juntos, é mesmo que o dinheiro alegadamente prometido aos jogadores vinha do Benfica ou era oferecido em nome do Benfica. Ao mesmo tempo, o Benfica devia aprender com Éder e com a sua necessidade de ação. Os indícios são tantos que o silêncio dos dirigentes que sucederam ao “Vieirismo” a propósito destes temas começa a ser ensurdecedor. A diferença não se marca assim, com uma varridela para debaixo do tapete à espera que passe. Por muito que isso comprometa o clube, é importante que Rui Costa diga, claramente, se acredita mesmo que as presumíveis ações de Boaventura – e as de Paulo Gonçalves, antes dele – foram cometidas a título pessoal. Porque, tal como no caso de Éder e Susana Torres, nisso eu já tenho algumas dificuldades em acreditar.
Dá-me um sinal. A época do Sporting não está a ser boa, o quarto lugar na Liga não engana, mas a eliminação do Arsenal na Liga Europa fez falar de alguns jogadores de Rúben Amorim – e até do próprio técnico, que mais em Portugal do que em Inglaterra, é certo, é dado como hipótese para render Antonio Conte no Tottenham. Só hoje, folheando os jornais, verifica-se que Ugarte estará nas cogitações de Tottenham, AS Roma e Milan e que Gonçalo Inácio está a ser avaliado pelo Paris Saint-Germain. Os adeptos dividem-se nas redes sociais, porque há os que olham para o clube como projeto desportivo e os que já desistiram de ganhar coisas e por isso se centram noutros campeonatos, os das transferências. Para estes, tudo está bem desde que vendam por mais dinheiro do que o Benfica e o FC Porto. Como isso nunca sucede, culpam os jornais e os programas de mercado das televisões, que estão sempre “a promover” os jogadores dos rivais. Como se – e não me canso de dizer isto... – clubes como o Atlético Madrid, o PSG ou o Liverpool FC decidissem pagar mais por um jogador porque ele apareceu algumas vezes na primeira página de um qualquer jornal que nem 30 mil exemplares diários vende ou porque um qualquer comentador o elogiou num programa que ninguém leva muito a sério. A mini-crise entre Amorim e os dirigentes no início desta época esteve relacionada com isto, com perceções diferentes daquilo que deve ser o clube. Porque todos já perceberam que o Sporting só venderá bem quando começar a mandar sinais para o mercado, quando for capaz de dizer consolidadamente que não, mas um – Amorim – queria levar a ideia até ao fim e os outros – os dirigentes – tinham as contas para pagar e precisaram de ceder a meio do caminho. Vem aí mais um Verão, mais uma ocasião para se perceber como estão as coisas.
Regragui e as mães de Marrocos. Marrocos ganhou ao Brasil no sábado e, sim, é verdade que foi num jogo particular, que os brasileiros não apresentaram a sua equipa completa e ainda procuram um selecionador, mas isso não impediu que o líder da seleção marroquina usasse a ocasião para incrementar a imagem que já tinha deixado durante o Mundial. Em notável entrevista ao El País de hoje, Walid Regragui capitaliza em cima das vitórias, fala de futebol e de táticas ao explicar a abordagem feita aos jogos com Espanha e Portugal, no Mundial – “aí, o fundamental era evitar que nos metessem o 1-0” –, mas onde me convenceu mesmo não foi quando disse que já foi Guardiola e Simeone, foi quando falou da presença das mães dos jogadores no hotel. Toda a gente se lembra de ver os festejos em pleno relvado de alguns jogadores com senhoras de meia-idade, após os jogos, e do que isso fez falar das “mães de Marrocos”. “Em 2018 tínhamos tido problemas, porque os jogadores levavam [para o hotel] os agentes, as namoradas e as amigas. Eu mudei o regulamento: só se permitia o alojamento a esposas, filhos e familiares, irmãos, irmãs, pais e mães. Verificámos todos os passaportes”, contou Regragui. “Se eles [os jogadores] pudessem escolher, o estágio não teria lá as mães. Mas como só podiam trazer familiares, encheu-se de mães. E as mães trazem ordem. O círculo familiar gira em torno delas. Para os muçulmanos, a reunião familiar de sexta-feira em torno do couscous da mãe é muito importante”, explicou. Afinal, quem precisa de um adjunto disciplinador se tem uma mãe à mão de semear?
Bastante desiludido com a crónica de hoje. O primeiro ponto é confrangedor de ler. Só se explica por desconhecimento e falta de outra atualidade futebolística. Amanhã espero que tenhamos o António de volta, hoje terá sido um abaixamento de forma.