Dahl mais tempo
O Benfica seguiu para os oitavos-de-final da Champions graças à superioridade da primeira mão, no Mónaco, e à correção feita a meio caminho, ontem, por Bruno Lage, com a entrada do lateral sueco.

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Os três jogos entre Benfica e AS Mónaco, esta época, tiveram uma série de detalhes difíceis de explicar, em função dos quais se definiu a superioridade das águias, que são melhor equipa. Mas quase tão ininteligível como aquele período da partida da fase regular em que, com um a menos, os monegascos vieram para cima do Benfica e fizeram o 2-1, antes de Lage ordenar a carga de artilharia com cruzamentos para Cabral e Amdouni, para a virada final, foi a forma como, ontem, uns dias depois de ter dito – e com razão... –, a propósito do confronto com o Santa Clara, que a sua equipa “sabe jogar contra linhas de cinco”, o técnico encarnado resistiu a fazer a adaptação à inesperada estrutura tática monegasca, enquanto via como Akliouche, Ben Seghir e Minamino causavam o pânico com as movimentações atrás dos seus médios, livres de preocupações com a largura. O Benfica garantiu com justiça uma vaga nos oitavos-de-final da Liga dos Campeões, porque corrigiu a tempo a inadequação que lhe estava a causar problemas na segunda mão, com a entrada de Dahl e a mudança de posição de Aursnes. Não foi sorte, como ironizou Bruno Lage, mas foi no limite do risco, que a coisa podia ter corrido pior.
O jogo de ontem foi marcado pela surpresa reservada por Adi Hutter, que trocou um dos seus pontas-de-lança, o dinamarquês Biereth, por mais um defesa central, o marfinense Singo. Em vez de um 4x2x3x1 ou de um 4x4x2 – se Embolo jogasse a par de Biereth e não uns metros atrás dele, como fez na primeira mão – os visitantes apareceram entre um 5x3x2 defensivo e um 3x1x4x2 a atacar, dificultando o encaixe à estrutura benfiquista. Não sei até que ponto é que parte do trabalho de uma equipa técnica não é saber estas coisas que nos escapam a nós, observadores externos. Mas uma das suas componentes fundamentais passa seguramente por antecipar cenários e preparar respostas. Seria este cenário inverosímil? Não. O AS Mónaco já tinha usado esta estrutura três vezes nesta temporada, a última das quais num empate (2-2) com o FC Nantes, em Janeiro. E, não podendo dispor de Zakaria, Magassa ou Al Musrati, três dos seus médios mais fortes no momento defensivo, a possibilidade de entrar com três centrais teria seguramente valido a perda de uns minutos a pensar em contra-medidas. Não se trata de formar a equipa em função do que vai fazer o adversário, mas sim de antecipar como se pode responder caso esse adversário faça outra coisa que não o frugal. E a ideia que o jogo deixou foi a de que o Benfica não só não estava preparado para um AS Mónaco com linha de cinco como desperdiçou o intervalo enquanto momento para se adaptar – como fez a partir do minuto 58, quando pôs em campo Amdouni e Dahl e mudou os posicionamentos a atacar e a defender.
O problema para o Benfica ontem não foi tanto a linha de cinco mas sim o posicionamento dos médios monegascos. A linha de cinco, porque pedia a Diatta que fizesse todo o corredor direito e a Caio Henrique que se ocupasse de todo o lado esquerdo, baralhava o tabuleiro na medida em que permitia que os outros cinco jogadores de campo andassem mais por dentro, pelo corredor central. Mas as maiores dificuldades que isso trazia ao jogo do Benfica tinham que ver com o facto de, entre os três médios (ou quatro, se ao lote acrescentarmos o japonês Minamino), só Camara se colocar mais atrás. Ao abdicar do habitual duplo pivot, Hutter punha Akliouche e Ben Seghir nas costas de Aursnes e Kökçü, expondo Barreiro à necessidade de acorrer aos meios-espaços, tanto à esquerda como à direita, e ainda de controlar Minamino, que baixava em relação ao ponta-de-lança, o igualmente móvel Embolo. Defensivamente, isto era um problema para o Benfica. E ofensivamente não era melhor, que raramente a equipa era capaz de encontrar Aktürcoglu e Schjelderup, extremos demasiado clássicos para verem que tinham de se dar ao jogo junto dos médios para não serem olvidados. Só Pavlidis oferecia as linhas de passe que permitissem ao Benfica ligar com o ataque. E, apesar de até se terem posto em vantagem, em função de uma boa recuperação alta de Barreiro, seguida de trabalho do ponta-de-lança grego, a arrastar a defesa para um lado antes de soltar Aktürcoglu do outro, as águias estavam em sofrimento. O empate ao intervalo era lisonjeiro e a eliminatória, que a superioridade da primeira mão podia ter deixado resolvida, com uma vantagem mais segura, estava afinal em risco.
Do intervalo, o jogo veio igual. E o AS Mónaco colocou-se depois em vantagem, igualando a eliminatória. Foi então que Lage reagiu, operando as substituições que lhe valeram pôr-se por cima. Vistas em abstrato, podiam parecer trocas defensivas, pois saíram dois extremos para a entrada de um avançado móvel e de mais um defesa. Trocando Schjelderup e Aktürcoglu por Dahl e Amdouni, o Benfica manteve o 4x2x3x1 como estrutura de base, mas mudou de uma forma clara as caraterísticas dos jogadores que ocupavam quatro posições fundamentais. Na direita, em vez de Aktürcoglu, passou a ter Aursnes, jogador mais recatado no posicionamento quando a equipa tinha bola e por isso mais capaz de ligar jogo. O trio de meio-campo passou a ter dois mais um em vez de um mais dois, encaixando melhor nos dois médios ofensivos monegascos com Barreiro e Kökçu em vez de deixar o luxemburguês feito barata-tonta a cobrir toda a largura. Amdouni colocou-se atrás de Pavlidis e deu à zona a capacidade defensiva que ela podia ter perdido quando de lá se desviou Aursnes, sempre o jogador mais próximo do ponta-de-lança nos momentos sem bola. E Dahl voltou a mostrar que pode ser um jogador muito útil neste final de época. Lateral de origem, o sueco fechou a cinco por fora, empurrando Carreras mais para dentro, e depois mostrou uma cultura tática apreciável, que lhe permite ser um muito razoável médio-ala a atacar, escolhendo os momentos em que se oferece por dentro e aqueles em que, já nas imediações da área adversária, abre o campo e cria o espaço para o segundo avançado.
Foram estas alterações que meteram o Benfica nos oitavos-de-final da Liga dos Campeões. Foi graças a elas que os encarnados vão embolsar mais onze milhões de euros, tornando a piada quase automática – só pelo que fez ontem, Dahl, que está emprestado pela AS Roma e tem uma opção de compra de dez milhões, já está pago. A mim, que me faz alguma confusão que ele tenha jogado tão pouco na AS Roma – fez 41 minutos em dois jogos de campeonato e 19 num terceiro, na Taça de Itália, em cinco meses, quando o titular da posição, Angeliño, está longe de ser um jogador do outro mundo –, destes dois jogos contra o Santa Clara e o AS Mónaco só me resta a curiosidade de o ver mais tempo em campo, com a firme convicção de que pode vir a ser bem mais útil do que eu esperava.