Da paz lusitana ao mercado em perda
A FIFA anunciou ontem que os nossos três maiores clubes estão no topo da tabela mundial dos lucros com transferências, mas este ano não estão a conseguir fazer os negócios que esperavam. Explicações.
É bastante interessante que, no dia em que o mercado vai fechar e quando a FIFA acaba de divulgar um estudo a dez anos, colocando os três grandes clubes portugueses no topo de uma tabela com o saldo entre vendas e compras internacionais de jogadores, gabando-lhes o lucro, Sporting, Benfica e FC Porto estejam ainda à espera de milagres para se desfazerem de vários excedentários pelos quais chegaram a alimentar esperanças e narrativas de muitos milhões. O fenómeno não tem explicação fácil, mas há uma hipótese em cima da mesa: é que, depois de ter sido fundamental para colocar a bitola da expectativa tão elevada, Jorge Mendes está por estes dias de boas relações com os três clubes, não podendo por isso “ajudar” nenhum deles em especial. Os resultados desta “pax lusitana” estão bem à vista na modéstia que tem sido este mercado e servem para que possamos colocar em perspetiva o que foram os dos anos anteriores.
Hoje, no Record, o Sérgio Krithinas perguntava “para onde foi o dinheiro?” “No balanço entre gastos e receitas, ficaram no futebol português 2,5 mil milhões de euros, mais de 12 Mbappés ao câmbio atual”, escreve ele. Ora se isto vem, por um lado, ajudar a explicar o modelo de negócio do futebol em Portugal, a sua dependência do import-export e a tendência deficitária em todos os outros aspetos de gestão corrente, por outro permite que pensemos que talvez os números não sejam assim tão claros. À pergunta do Sérgio, é possível somar mais um par delas. O dinheiro veio mesmo? E que compromissos havia para garantir que ele aqui chegava? Era preciso garantir o “cash-flow” comprando em alta também? É que a convivência com a alta finança do futebol mundial – e a ténue fronteira entre esta e a alta finança “tout-court” – leva a que nada seja absolutamente claro nos negócios que se vão fazendo. E atenção, que não estou aqui a levantar acusações morais – o Mundo é o que é e aquilo que dele fizemos – nem a suspeita de vigarices – que para isso estará aí a polícia, que até ver não teve nada a dizer sobre o tema. A minha suspeita aqui é apenas do domínio da estratégia como forma de justificar o estranho impasse que tem marcado o Verão de 2021 no que a saídas de craques diz respeito.
Chegamos ao último dia e o Sporting ainda não fez a grande venda de que se dizia que iria precisar, o FC Porto continua à espera que alguém pegue nos jogadores que designou como transferíveis e o Benfica já está a vender em perda alguns dos ativos pelos quais abriu a boca até números que pareciam inimagináveis, quanto mais concretizáveis. E todos olham ainda para o lote de excedentários – jogadores cuja carga salarial é uma boa hipótese para se explicar “para onde foi o dinheiro” – já sem grande esperança de os ver desencalhar a não ser em empréstimos internos, operações que o desequilíbrio na distribuição de receitas neste tricéfalo futebol nacional leva a que sejam eles a pagar na mesma por inteiro. Claro que todas estas situações têm explicações absolutamente mundanas, mas acreditem quando vos digo que a mais lógica de todas é que andamos muito mal habituados. Os jogadores não são maus. Bem pelo contrário. São bons. Nós é que permitimos que os últimos anos nos convencessem de que eles valem milhões a mais e colocámos a fasquia tão lá em cima que agora não há quem lhes pegue. E o que é pior é que começámos a comprar também de acordo com essa fasquia tão elevada – e a fatura há-de chegar um dia.
O Sporting não conseguiu vender Nuno Mendes, provavelmente porque ele não confirmou no Europeu – esteve sempre lesionado – as indicações que mostrara na época anterior. Agora veremos se não precisa de remediar privando-se de jogadores de que não queria separar-se, como Palhinha. O FC Porto não conseguiu vender Corona e Sérgio Oliveira, porque Gattuso não ficou na Fiorentina e tanto o Sevilha como o Milan estão a torcer o nariz ao preço (alto, para jogadores daquela idade). Agora veremos se não terá de privar-se de Díaz, o extremo que estava a preparar para mercados futuros – e rendimento desportivo imediato. O Benfica foi, ainda assim, o único que fez vendas relevantes, mas globalmente em perda: Pedrinho foi para o Shakthar pelos mesmos 18 milhões que custara ao Corinthians e Waldschmidt saiu para o VfL Wolfsburgo por menos três milhões do que os encarnados haviam pago ao SC Freiburgo: foi por 12, quando custara 15. Vinicius, que chegou a ser alvo de valorizações surreais – porque ele falhara em Nápoles, no AS Mónaco e no Tottenham – acabou por sair por empréstimo para o PSV. E ainda que tenha cláusula de compra obrigatória, os 10 milhões que o clube vai receber, mais os 2,5 milhões do empréstimo não chegam para cobrir os 17 milhões pagos aos napolitanos nem que lhes juntemos os três milhões que valeu a cedência por um ano ao Tottenham. O Benfica fica com metade do passe? É verdade. Só que o jogador já tem 26 anos. E, a não ser que o Wolverhampton WFC – que reduziu a despesa de 310 milhões de euros em três anos para apenas 26 neste Verão – volte a ter dinheiro para gastar, não se vê como é que a operação ainda possa vir a dar lucro.