Comprar para ganhar ou para vender
A corrida por João Victor, ganha pelo Benfica, e a aparente insistência do FC Porto em David Carmo são apenas mais um episódio da eterna dúvida. E explicam a falta que faz um risco no chão.
Ouvimos a mesma coisa todos os anos: “os nossos grandes deviam apostar mais no mercado interno”. Algumas das maiores operações de resgate da história recente do futebol nacional, do FC Porto de Mourinho ao Sporting de Amorim, foram feitas bastante à conta do mercado interno, da contratação de jogadores que não necessitavam de períodos de adaptação e já sabiam ao que iam, mas surgiram sempre em situações de crise e debilidade que impediam os parceiros de negócios de abrir muito a boca, sob risco de ficarem a falar sozinhos. Ora essa não é a situação vivida neste momento por FC Porto, Sporting e Benfica, todos eles a contar as notas chegadas de avultadas transferências internacionais.
O Benfica ganhou a corrida por João Victor, o defesa central do Corinthians que o FC Porto também pretendia, o que deve levar os dragões a apostarem mais ainda na possibilidade de virem a contratar David Carmo ao SC Braga. O problema é que ir às compras em Braga não é para qualquer um, como o Benfica também está a perceber com Ricardo Horta e o Sporting já entendeu há ano e meio com Paulinho e até depois com Esgaio. De acordo com as notícias dos jornais, António Salvador pede por Carmo cerca de três vezes mais do que aquilo que o Benfica pagou por João Victor, o que demonstra três coisas. Primeiro, que o jogador é craque – e é. Segundo, que os arsenalistas estão a fazer o que podem para defenderem os seus direitos e intrometer-se entre os grandes da Liga, algo que só começarão a conseguir de forma consistente quando souberem dizer-lhes que não. Terceiro, que cheiram que do outro lado há dinheiro fresco para gastar – mesmo que as injeções recentes do mercado já tenham todas destino.
Só um dos últimos dez defesas centrais recrutados pelo Benfica foi descoberto no mercado nacional – o ex-estorilista Steven Vitória, que chegou do Estoril a custo zero e da mesma forma saiu depois para o Lechia Gdansk, após empréstimo ao Philadelphia Union. No período em que esteve na Luz, Vitória fez cinco jogos pela equipa principal dos encarnados, três deles na Taça da Liga, utilizada para rodar os menos preponderantes do plantel. No FC Porto, os números são apenas ligeiramente diferentes. Três dos últimos dez centrais contratados pelos dragões vieram do mercado interno – Boly (ex-SC Braga, por 6,5 milhões de euros, depois vendido ao Wolverhampton WFC pelo dobro); Osorio (ex-CD Tondela, por dois milhões, depois vendido ao Parma também pelo dobro); e Fábio Cardoso (ex-Santa Clara, por 2,2 milhões, ainda no plantel). Como modelo de negócio não parece mal. Só que as operações financeiramente mais vantajosas que o FC Porto fez neste particular até foram de centrais contratados na América do Sul: Felipe chegou do Corinthians por oito milhões e saiu para o Atlético Madrid por 20 e Éder Militão veio do São Paulo FC por sete milhões e ao fim de um ano seguiu caminho para o Real Madrid por 50.
A questão é que Éder Militão, o mais evidente protagonista deste milagre da multiplicação dos euros, não foi campeão português na época em que cá esteve. E Felipe passou três anos em Portugal, ganhando uma Liga e uma Supertaça – nenhuma das quais na temporada em que cá chegou. É claro que esta não é uma amostra suficiente para fazer letra de lei, além de que há muito mais fatores a separar o sucesso do insucesso coletivo além da contratação de um defesa-central em Portugal ou no estrangeiro, mas aquilo que a experiência dos últimos anos nos diz é que se fazem melhores negócios com jogadores contratados na América do Sul – não admira, porque o mercado por lá ainda não está tão inflacionado como o nosso e as margens podem ser mais interessantes – mas se atinge mais rapidamente o êxito desportivo com futebolistas habituados à realidade competitiva europeia. Isto explica o interesse dos brasileiros em manter parte do passe de João Victor – há espaço de valorização no Benfica – e a aparente recusa do SC Braga em aceitar ser pago em percentagem de mais-valias. Razoavelmente, se sair por 30 milhões, quanto é que David Carmo pode assegurar em mais-valias?
A questão aqui é simples: o que é que os clubes procuram? Reforçar verdadeiramente a equipa ou fazer grandes negócios e assegurar mais-valias milionárias? E a resposta está na pergunta. O problema é que para poder contratar por cá é preciso ter uma situação financeira saudável e para ter uma situação financeira saudável há que fazer grandes negócios primeiro. Do que os nossos clubes precisam é de traçar um risco no chão e criar um ponto zero, um ponto em que o mercado deixa de ser uma obsessão e passa a ser um argumento. Só que isso, com tanta pressão – dos jogadores, dos treinadores, dos empresários, até dos adeptos e dos jornalistas – não é nada fácil.
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