Como substituir Lucas e Palhinha
Jesus e Amorim vão para o dérbi sem dois jogadores fundamentais. Como farão para os substituir? Esta é uma análise às dinâmicas, que vão muito para lá da hierarquia do plantel.
O Benfica-Sporting de amanhã vai ser marcado pela incógnita Covid até à hora do jogo, como se viu ontem com a súbita baixa de Coates em Alvalade, mas há certezas que todos temos há dias, relacionadas com as ausências por lesão de Lucas Veríssimo, no Benfica, e João Palhinha, no Sporting. Trata-se de dois jogadores nucleares na forma de jogar engendrada pelos dois treinadores, cuja substituição, também por isso, não obedece apenas a uma lógica puramente hierárquica, antes se prendendo com as dinâmicas coletivas que vem influenciar. É por isso que creio que as escolhas de Jorge Jesus e Rúben Amorim se virarão para André Almeida e Ugarte e não para Morato e Bragança.
O que é que representam Lucas Veríssimo e Palhinha no “jogar” de Benfica e Sporting? Lucas foi o jogador decisivo para Jesus regressar aos tempos do Amora FC e do sistema com os três defesas, de que na altura era fanático. Defensivamente é um pilar, rápido, forte na marcação e nos duelos, impositivo no jogo por cima. Ofensivamente, fica confortável com a bola nos pés e, sobretudo, dá à equipa soluções de saída longa, promovendo muitas vezes a ligação aos três da frente com certeza e assertividade em vez de se limitar a dar chutões na frente a ver no que resultam. Quanto a Palhinha, já o disse várias vezes: partilha com Coates o papel de jogador decisivo no futebol do Sporting de Amorim, sobretudo pelo poder físico a meio-campo, pela forma como se impõe no corpo-a-corpo e como alarga a pressão a zonas mais avançadas, indo muitas vezes ganhar a bola bem dentro da metade ofensiva do relvado. Mas é um jogador que tem vindo a ganhar outros argumentos também, tornando-se igualmente importante com bola, nas certeiras variações de centro de jogo que vai fazendo, com passes largos de um ao outro lado do campo, contribuindo para fatigar os adversários, obrigados a sucessivas basculações.
Não havendo um nem outro, o que farão Jorge Jesus e Rúben Amorim? Numa lógica mais hierarquizada, entrariam Morato e Daniel Bragança. O jovem brasileiro deu boa conta de si quando foi preciso substituir Vertonghen, logo no início da época, na altura em que a equipa lutava para entrar na fase de grupos da Liga dos Campeões e, tal como Lucas, tem boa saída de bola, tanto curta como longa. Apresenta, contudo, um problema para Jorge Jesus: é esquerdino. E, ao contrário de Rúben Amorim, que fez da utilização do canhoto Gonçalo Inácio pela direita do trio de defesas uma arma atacante, Jesus não parece gostar de centrais a sair com o “pé de dentro”. Quando foi poupando Lucas, o que aconteceu foi que Morato entrou para a esquerda, Vertonghen passou para o meio e Otamendi derivou para a direita. E isto não só expõe o argentino a mais duelos frontais – quando, tal como Coates, ele está mais confortável em compensação – como tira à equipa a tal hipótese de saída longa à direita, aumentando-lhe a previsibilidade e, em consequência, tornando-a mais fácil de contrariar. É por isso que, não crendo eu na hipótese de Jesus recuperar episodicamente a linha de quatro atrás, acredito que o treinador apostará em André Almeida.
Quanto a Bragança, o terceiro médio na hierarquia leonina, a tentação mais normal de quem vê é a de perguntar – como chegou a ser hashtag no Twitter – “e agora quem é que defende?” O problema, contudo, não é esse. O jogo é uno e se há coisa inegável é que se uma equipa tem mais bola não precisa de defender tanto. E, pelas suas caraterísticas individuais – boa visão, criatividade, técnica de passe e de receção, cérebro formatado para um futebol com mais circulação – Bragança é o médio que permite ao Sporting ter mais bola. Logo, aquele que mais contribui para que a equipa tenha de passar menos tempo a defender. Contudo, há aqui duas questões. A primeira é evidente: nenhuma equipa tem a bola durante 100 por cento do jogo – e no período em que a não tem, precisa de contrariar a posse do adversário. A segunda tem a ver com a dimensão ofensiva do jogo. Fiquei com a ideia de que Amorim nunca fez muita força para ficar com João Mário, precisamente porque queria um meio-campo mais físico, onde a capacidade de Matheus Nunes para carregar a equipa em posse e esticar o jogo ganhasse protagonismo.
E depois? Matheus Nunes continuaria na equipa... É verdade que sim. Só que ficaria naturalmente mais limitado nas movimentações, mais preocupado em manter equilíbrios – quando o jogo dele é basicamente feito de desequilíbrios – por passar a ter maior responsabilidade quando se trata de duelos defensivos a meio-campo. É por isso que, apesar de ser o quarto médio na hierarquia de Amorim, acredito que Ugarte acabará por ser chamado ao onze.
Qualquer das equipas fica amputada de jogadores que dadas as suas caraterísticas são de dificil substituição. Lucas Verissimo é um bom defesa central com boa saída de bola e bom posicionamento defensivo, que André Almeida não consegue disfarçar, recorrendo à experiência e à dureza que for permitida para cumprir as funções. No caso do Palhinha não existe no plantel ninguém com caraterísticas próximas, sendo Ugarte aquele que melhor compensa defensivamente, mas como muito menos poder no jogo aereo e muito menor raio de ação. Acho que ambos os treinadores vão ter que alterar o seu perfil de jogo para encaixarem jogadores diferentes.
Na minha opinião, penso que face aos avançados Sarabia, Paulinho e Pote, o André Almeida deverá ser opção de banco. Caso não aconteça prevejo grande dificuldade do Benfica em conseguir fechar esse lado caso o Pote calque esses terrenos.
Em relação ao Palhinha, sinceramente passou a ser um problema maior a partir do momento em que Coates ficou indisponível. Ugarte pode preencher a vaga de Palhinha não tendo as mesmas características, tem qualidade suficiente para ser forte na zona de pressão mais avançada, vejo é mais dificuldade para tapar o espaço entre linhas na zona defensiva a partir do momento em que joga numa zona central só com dois jogadores. Veremos se a dinâmica da equipa não irá passar por um preenchimento na zona central do meio campo do Sporting com Sarabia ou Pote.