Como salvar a Taça da Liga
Começa hoje a fase de grupos da Taça da Liga e não tarda surgirão as vozes, sensíveis às lamúrias dos grandes, a pedir a sua extinção. Mas a prova faz todo o sentido. E pode ser melhorada.
A que bem podia ser uma semana para lamber feridas vai, afinal, estar ocupada. Em Portugal há o início da fase de grupos da Taça da Liga, ainda que com os quatro “europeus” de folga. Em Inglaterra também se joga para a terceira competição do calendário, enquanto que em Espanha, França e Itália teremos jornadas de campeonato a meio da semana. Pep Guardiola já anunciou que vai defrontar o Wycombe com alguns miúdos, porque vêm aí, acelerados, o Chelsea e o Paris Saint-Germain. Não se queixou, o treinador do Manchester City: “É uma boa oportunidade para se mostrarem”, disse. Por cá, por força do condicionamento do sorteio e da folga dos grandes, esta semana ninguém vai reparar que o calendário está insuportável e será lá mais para o final de Outubro, quando se jogar a segunda ronda da fase de grupos, que vamos todos lembrar-nos que a Taça da Liga está a mais. Não está. O que está errado são as mentalidades.
O que está errado fica desde logo à vista na forma como se alcatifa o caminho dos quatro grandes até à Final Four da Taça da Liga. Este ano, com o regresso da fase de grupos – que na pandemia foi substituída por uma eliminatória única, com os quatro mais poderosos a jogar em casa – passaram a ter menos um adversário, pois de quatro grupos de quatro passámos a quatro grupos de três equipas. O objetivo é simples e só não é assumido, mas está na cara de toda a gente: ter Sporting, FC Porto, Benfica e SC Braga na Final Four, porque é isso que dá audiência televisiva e é isso que chama patrocínios. Desde que dentro dos limites do razoável – e o favorecimento a algumas equipas em detrimento de outras não é razoável – está tudo bem. O negócio faz parte e não há mal nenhum em assumi-lo. O que depois não bate certo é o posicionamento de vestais impolutas da Liga e da Federação Portuguesa de Futebol contra planos como o de Arsène Wenger, negados à partida com a etiqueta de vendidos ao negócio, quando o que está em causa são apenas posicionamentos políticos na guerra entre a FIFA e a UEFA.
Os calendários do futebol estão muito mal e é preciso organizá-los, de preferência a um nível global e articulado. A mim, tanto se me dá que isso seja feito a reboque de Gianni Infantino e dos seus amigos ou de Aleksandr Çeferin e dos seus parceiros. Da FIFA ou da UEFA. Ou até dos maiores clubes, se a ideia de Superliga acabar por vingar. O tema, no entanto, move milhões – e aqui não há inocentes nem podemos começar a acreditar que de um lado só se pensa no bem do futebol e no descanso dos jogadores e do outro em esmifrar a galinha dos ovos de ouro para encher os bolsos. Isso só fica bem a quem não exercita as meninges e opta antes por emprenhar pelos ouvidos. Enquanto a coisa não atina internacionalmente resta-nos sempre tratar de a articular no plano nacional, fazendo com que provas como a Taça da Liga passem a ser parte da solução em vez de serem parte importante do problema. E se a criação da Final Four foi uma excelente ideia, uma espécie de ovo de Colombo que permite exponenciar o entusiasmo e aumentar a receita, criando aquilo que o futebol deve criar, que é espetáculo, isso não chegará para acalmar os ânimos lá para o meio do Outono, quando os europeus entrarem em jogo.
Na verdade, com a redução da fase de grupos, os grandes só terão de encaixar um desafio no período em que andam ocupados com as competições da UEFA – o outro será lá para meados de Dezembro, já após o final da fase de grupos da Champions e da Liga Europa –, mas será o suficiente para os mesmos que agora negaram à partida o plano Wenger fazerem outra vez a ligação direta entre os ouvidos e as cordas vocais ou a ponta dos dedos e virem pedir o fim da Taça da Liga. Seria um erro. A Taça da Liga faz todo o sentido. Acho, desde a edição inaugural, que ela podia organizar-se de outra forma, antecipando a fase de grupos para o período entre o fim da pré-época e o início do campeonato, de forma a aproveitar o entusiasmo e a fome de bola com que todos estamos por essa altura do ano e a levar os plantéis dos grandes a campos da província – nesse sentido, faria todo o sentido alargar a competição aos clubes da recém-criada Liga 3. Seriam, este ano, 55 equipas, divisíveis em 16 grupos, sete de quatro clubes e nove de três. Dois ou três jogos a cada equipa, portanto, em campos que os grandes nunca visitam, da Amora a Montalegre, de Santarém a Pevidém, com os vencedores a passarem diretamente aos oitavos-de-final e, depois, mais duas eliminatórias até chegar à Final Four. Gostava da ideia de fazer jogar a final no fim-de-semana de Páscoa, como gosto da mais recente, de a antecipar de forma a chamar ao vencedor campeão de Inverno.
Tudo isso cria valor e seria assim visto por toda a gente se optássemos por não assumir as dores de quem acha que os grandes têm de ganhar sempre e, por isso, não só têm de ser protegidos como precisamos de encontrar uma razão externa para o desaire sempre que ele sucede, seja a arbitragem ou o super-preenchimento do calendário. Não temos de o fazer. Até porque, ainda assim, o mais normal é que ganhem. Mesmo que tenham de pensar como Guardiola e aproveitarem estes jogos para dar uma oportunidade a quem joga menos vezes.