Como é que ninguém viu isto antes?
O hat-trick à Atalanta e a titularidade em vez de Firmino confirmam que Diogo Jota está lançado no Liverpool FC. Klopp é o terceiro a acreditar nele a sério. Depois de Mendes e Espírito Santo.
O trajeto fulminante de Diogo Jota desde que chegou ao Liverpool FC surpreendeu até Jürgen Klopp, que já disse que o jovem português se revelou “melhor do que a encomenda” e até já lhe deu o lugar de Roberto Firmino na frente de ataque no jogo mais complicado da fase de grupos da Liga dos Campeões, desfazendo o trio maravilha que o brasileiro formava com Salah e Mané. O futuro dirá se foi uma questão estratégica, exclusiva para explorar as debilidades específicas da defesa da Atalanta, se é uma coisa do momento menos bom de Firmino ou se é para continuar, mas o presente chega para confirmar um par de ideias. A de que Jota foi o mais desvalorizado futebolista português dos últimos tempos até ao momento em que Klopp pagou 45 milhões de euros por ele ao Wolverhampton WFC. E a de que é notável que ninguém lhe tivesse pegado antes, num passado em que, ao mais alto nível, só dois homens acreditaram e insistiram nele: Jorge Mendes e Nuno Espírito Santo.
Aos que gostam de ver conspirações em tudo e já estão a dizer que aquilo que faltou a este “patinho feio” para se tornar cisne mais cedo foi a ajuda de um super-agente como Jorge Mendes, só me resta recordar uma coisa. Se há jogadores em cuja carreira Mendes terá sido determinante, Jota foi um deles. Já tinha sido Mendes a levá-lo de Paços de Ferreira para o Atlético Madrid e, no momento em que o FC Porto não quis ficar com ele, recusando-se a pagar os 22 milhões de euros da opção, Jota foi cumprir uma espécie de exílio no segundo escalão do futebol inglês, seguindo com Nuno Espírito Santo para a equipa que o dono da Gestifute dominava de forma a lá colocar todos os jogadores que, tendo algum nível, não tinham o suficiente para convencer os seus parceiros de perfil mais elevado, como o Valência CF, o AS Mónaco ou o Benfica. E se Diogo Jota tem hoje 23 anos isto não pode ter sido há muito tempo. Foi há apenas três anos.
Diogo Jota tornou-se ontem o terceiro português a fazer um hat-trick na Liga dos Campeões (não contando aqui a Taça dos Campeões Europeus, que aí a lista engrossaria). O primeiro foi Cristiano Ronaldo, que é co-recordista (com Messi), com oito hat-tricks na competição, apesar de só ter feito o primeiro em Outubro de 2012, já com 27 anos e no Real Madrid, frente ao Ajax. Diogo Jota tem 23 e fez esse mesmo hat-trick ao 11º jogo na competição (oito deles pelo FC Porto). Seria apenas idiota estar agora aqui a adivinhar se o trajeto de Jota vai aproximar-se do de Ronaldo ou se ficará mais próximo do de Rui Pedro, o outro português que tem um hat-trick na prova e que, depois dessa noite de sonho – três golos pelo CFR Cluj ao SC Braga, em Novembro de 2012, com 24 anos – só fez mais uma mão cheia de jogos e um golo na Europa (ao Midtjylland, pelo Ferencvaros, numa pré-eliminatória da Liga Europa), andando agora, aos 32 anos, pelo modesto Diósgyör, da Hungria. Porque Jota tem caraterísticas que até na seleção nacional fazem dele o duplo ideal para Ronaldo – e tem respondido com golos, sempre que é chamado a fazer de CR7 com as quinas ao peito – mas ao mesmo tempo tem atrás dele um trajeto marcado pela forma como foi sendo menosprezado. Como Rui Pedro, que se estreou na equipa principal do FC Porto com 19 anos, pela mão de Jesualdo Ferreira, mas andou depois em empréstimos a Estrela da Amadora, Portimonense, Gil Vicente e Leixões até ser libertado, tendo feito apenas um jogo pelos dragões: a fatídica eliminação da Taça da Liga aos pés do CD Fátima, em 2007.
Por mais incrível que isso possa parecer hoje, a história de Jota até ao momento em que se afirmou no Wolverhampton WFC de Nuno Espírito Santo, em parte por não ter muito mais para onde ir, é também uma história de rejeições. Campeão regional de sub17 na AF Porto pelo Gondomar SC em 2012/13 (época na qual já andava muito pelos sub19), fez, marcando 10 golos, a Zona Norte da I Divisão de sub19 pelo FC Paços de Ferreira em 2013/14. Ainda por lá ficou na época seguinte, assinalando no calendário um jogo em Setembro de 2014, no qual marcou dois golos a uma equipa do FC Porto onde estavam Fernando Fonseca, Lumor, Jorge Fernandes, Bruno Costa ou Rúben Macedo. Os dragões, de qualquer modo, ganharam por 3-2 e a vida de Jota já estava mais nos seniores, onde Paulo Fonseca o foi lançando em jogos da Taça de Portugal. E ele foi respondendo com golos. Um na estreia, ao Atlético de Reguengos, a 19 de Outubro de 2014. Outro no segundo jogo, ao Atlético Riachense, em Novembro. Os primeiros minutos na Liga aconteceram em Fevereiro: sete, contra o Vitória SC. E o primeiro golo – um bis, aliás – em Maio, na sétima vez que foi titular, frente à Académica. Diogo Jota tinha 18 anos e já se percebia que valia a pena apostar nele.
Os 14 golos que fez (12 na Liga) em 2015/16 chamaram a atenção do Atlético Madrid. Ou, melhor dizendo, chamaram a atenção de Jorge Mendes, que convenceu o Atlético a pagar sete milhões de euros por ele. Em Madrid nunca jogou – veio emprestado para o FC Porto, juntamente com Óliver Torres. O espanhol vinha por ano e meio, com a obrigatoriedade de compra em torno dos 20 milhões de euros, o português só por uma época, com cláusula de opção de 22 milhões. Ninguém o levou a sério e, apesar dos nove golos que fez (oito na Liga, incluindo um hat-trick fulminante, em 33 minutos, na Choupana ao Nacional, e um na Champions, ao Leicester City), a sua compra nunca terá sido seriamente admitida por quem mandava. Sendo que quem mandava nem devia ser o treinador, pois Nuno Espírito Santo, outro projeto de Jorge Mendes, que o dirigiu no Dragão, levou-o com ele quando o super-agente o colocou no segundo escalão inglês, no Wolverhampton WFC, que aproximadamente um ano antes tinha sido comprado pelos seus parceiros chineses da Fosun. Os 18 golos de Jota no ano em que esteve emprestado pelo Atlético Madrid levaram os Wolves a pagar os 14 milhões da cláusula de opção em Julho de 2018. E o resto é história. Foram mais 26 golos em dois anos e surgiram a seleção e o interesse do Liverpool FC.
Hoje, Diogo Jota é uma certeza do Liverpool FC. Marcou seis golos nos primeiros 10 jogos pelo novo clube e a maior dúvida que surge é: como é que ninguém viu isto nele antes?