Clássico é clássico (e vice-versa)
O Sporting foi campeão e não perdeu com o FC Porto em 2020/21, mas estava a perder aos 85' em dois jogos. Os dragões chegam mais sacrificados pelas seleções, mas têm mais profundidade de plantel.
No futebol há sempre mais do que uma interpretação para a verdade e ver as declarações de Corona depois de ter participado com brilhantismo no jogo do México no Panamá ou acordar para as dificuldades de Rúben Amorim na gestão dos seus defesas-centrais quando vai ter de enfrentar a primeira semana da vida de treinador com um clássico e um jogo de Champions logo a seguir fez-me ver o outro lado da coisa. Parece claro para toda a gente que o FC Porto chega ao desafio de amanhã prejudicado pela utilização de vários dos seus latino-americanos em partidas internacionais, mas a questão é que Sérgio Conceição pode até encará-lo com a tranquilidade que falta ao rival, fruto de uma profundidade de plantel que o mercado deixou na mesma, ao passo que Amorim terá de encarar o primeiro teste sério a uma filosofia de escassez e concorrência que defende com unhas e dentes. As contas, essas, fazem-se só no fim.
Não contribuo para as teorias da conspiração que alegam que houve mão maligna na forma como alguns jogadores do Sporting foram libertados – por lesões – dos jogos desta janela de seleções, da mesma forma que nunca contribuí para as que, antes, alegavam que alguns desses jogadores não eram convocados para beneficiar e promover elementos dos rivais, de forma a rentabilizá-los no mercado. A questão é que o clássico de amanhã será o primeiro jogo de ambas as equipas depois desta insana janela de jogos de seleções, mas também será o primeiro jogo depois do fecho de mercado. E se me assusta a ideia de pensar que Díaz ou Uribe podem ter de jogar em Alvalade 42 míseras horas depois de terem completado 90 minutos – o extremo saiu nos descontos – em Barranquilla, contra o Chile, também é verdade que o FC Porto vai contar com dois reforços em Sérgio Oliveira e Corona, jogadores de grande qualidade que estavam na vitrina, à espera de ser transferidos, e que por isso praticamente não contaram durante o mês de Agosto.
“Agradeço ao selecionador por me ter dado estes jogos, que jogar para mim, neste momento, é muito importante”, disse Corona depois do jogo com o Panamá, que decorreu 23 horas antes do Colômbia-Chile, mas também obrigando o extremo a uma viagem intercontinental durante a recuperação, também ela inferior às 72 horas regulamentares e tidas como mínimo exigível. Nada disto faz sentido, como é evidente. Esta realidade não defende os jogadores, o espetáculo, a possibilidade de os treinadores recorrerem à velha máxima que manda utilizar os melhores futebolistas nos melhores jogos. E transporta-nos para a discussão em torno da profundidade dos plantéis em vez do debate à volta dos melhores onzes. E aí parece claro que o FC Porto está mais apetrechado, sobretudo depois de ter fracassado na tentativa de venda dos passes de Corona e Sérgio Oliveira, o seu grande objetivo do último mercado. Se quiser dar a Uribe e Díaz mais uns dias de recuperação para os ter a tope na quarta-feira, em Madrid, contra o Atlético, Conceição pode reabilitar Oliveira para a posição a meio-campo e Corona para fazer companhia a Taremi e Toni Martínez na frente. Afinal de contas, estamos a falar do líder em campo da equipa da época passada e do melhor jogador da Liga de há duas épocas, que nas quatro jornadas que leva a atual edição praticamente ainda nem contaram para nada.
Do outro lado, Rúben Amorim vai querer provar a validade da sua filosofia de escassez. O treinador campeão defende a ideia de ter poucas opções, para que todos possam sentir que, das duas uma, ou são titulares ou estão à beira da titularidade. A ideia é fácil de defender e deu frutos na época anterior, mas este ano vai ser posta à prova com jogos de três em três dias. Já se percebeu que Coates, por exemplo, terá de ser gerido com pinças por causa de um problema num joelho que dificilmente lhe permitirá fazer dois jogos por semana. Como foi expulso na despedida europeia da época passada, em Alvalade com o LASK, estará castigado na estreia na Champions, contra o Ajax, na terça-feira, pelo que neste microciclo lhe caberá sacrificar-se já contra o FC Porto, onde o treinador ainda não sabe se terá Gonçalo Inácio. Tudo somado à pouca fiabilidade física de Feddal – ainda há pouco tempo foi noticiado que o marroquino estava a fazer trabalho específico para aguentar 90 minutos –, isto faz adivinhar uma novela que só terá fim lá para Dezembro, quando acabar a fase de grupos da Champions. Porque se a eventual ausência de Pedro Gonçalves pode ser colmatada por Nuno Santos – ou até Sarabia, apesar de só ter feito um treino com a equipa – a questão dos centrais parece ser o calcanhar de Aquiles deste Sporting.
O Sporting é campeão, joga em casa, não perdeu uma única vez com o FC Porto na época passada – mas estava a perder a cinco minutos do fim de dois dos três jogos entre ambos, empatando um e ainda ganhando o outro – e fez um melhor início de época, já tendo ganho duas vezes ao SC Braga, por exemplo. Além disso, teve menos gente envolvida na loucura que foi esta janela de seleções. Tudo indicava, portanto, que entraria em campo como favorito. Mas se a última jornada, com empate e descontrolo defensivo do Sporting em Famalicão, já veio mostrar que a equipa de Rúben Amorim tem fragilidades, o facto de os acontecimentos desta semana terem trazido a noção de profundidade dos plantéis para a discussão servirá para que recordemos a velha frase atribuída a Mário Jardel, antiga estrela dos dois clubes: “Clássico é clássico. E vice-versa”.