Capitalismo e competitividade segundo Carvalhal
O treinador do SC Braga diz que há 20 pontos a separar a sua equipa e o Sporting dos dois da frente. Tem a ver com investimento? Sim. E não é só por cá. Vale a pena refletir no caminho que se quer.
Carlos Carvalhal utilizou ontem a “diferença de 20 pontos” de SC Braga e Sporting para o FC Porto e o Benfica para justificar as assimetrias do futebol português e bastará olhar para a classificação da última Liga para perceber que ele tem razão. Terá também razão na metáfora com que justificou esta distância, a das câmaras e das pessoas envolvidas para lhe fazer uma entrevista quando estava no Swansea FC, que eram oito vezes mais do que são, agora, que está de regresso a Portugal. No limite, esta é uma questão de investimento e de profundidade de plantel como bases para assegurar um rendimento regular, porque num só jogo essas diferenças tendem a esbater-se: o SC Braga, por exemplo, ganhou os três jogos que fez contra o FC Porto na época passada e bateu-se bem contra os campeões na jornada inaugural deste ano. Mas mesmo que este seja um problema que a Liga deva atacar, convém entender que ele não é específico de Portugal nem sequer do futebol – é algo que se alarga a tudo o que são atividades minimamente económicas.
Na última época, o SC Braga e o Sporting ficaram a 22 pontos do campeão e a 17 do segundo lugar – que a partir deste ano assume nova importância, uma vez que garante a qualificação para a Liga dos Campeões. Há dois anos, a diferença dos minhotos para os primeiros foi de 20 e 18 pontos, mas o Sporting esteve melhor, acabando a 13 e 11 pontos, respetivamente. Há três épocas, o SC Braga terminou a Liga a 13 e a seis pontos dos dois primeiros, ao passo que o Sporting a finalizou a dez e a três pontos. Portanto, a diferença existe e em vez de reduzir tem-se vindo a agravar. Sucede que este não é um problema exclusivo de Portugal. Vejamos a Alemanha, por exemplo. O Bayern acabou a Bundesliga 13 pontos à frente do segundo e 16 à frente do terceiro, agravando a distância de há dois anos, quando o pódio foi ocupado pelas mesmas três equipas – e na mesma ordem – mas com dois e doze pontos de diferença. E há ainda a nuance de os bávaros serem campeões há oito épocas seguidas, o que mostra que os alemães nem têm essa alternância entre duas equipas que ainda assim anima minimamente a Liga portuguesa.
Não mudam muito as coisas se olharmos para Inglaterra. É certo que os ingleses ainda tiveram quatro campeões nos últimos cinco anos – só o City de Guardiola repetiu o troféu – mas em 2019/20 o Liverpool FC acabou a Premier League com 18 pontos de avanço para o City (e a passear depois da retoma pós-Covid) e 33 para o terceiro, que foi o Manchester United. Caso isolado? Nem por isso. Em 2018/19, os dois da frente foram os mesmos, ainda que na ordem inversa, e o terceiro, que foi o Chelsea, acabou a 26 pontos do topo e a 25 do segundo lugar. E há três anos? Ganhou o City, com mais 19 pontos que o segundo e mais 23 que o terceiro. Em Espanha, onde há alternância entre três equipas na ocupação dos dois primeiros postos, o terceiro da última Liga, que foi o Atlético Madrid, acabou a 17 pontos do topo e a 12 do segundo lugar. Há dois anos, tinha sido o Real Madrid a acabar no último lugar do pódio, a 19 pontos do primeiro lugar e a oito do segundo. Em França, onde o Paris Saint-Germain perdeu apenas um dos últimos oito campeonatos – foi campeão o AS Mónaco em 2016/17 – a última Liga não serve de referência, porque ficaram dez jornadas por jogar. Mas ainda há dois anos os parisienses tinham terminado a prova com mais 16 pontos que o segundo e mais 19 que o terceiro. E há três a barreira era de 13 e 15 pontos. Por fim, para concluir a ronda dos cinco maiores campeonatos, Itália teve um ano em contraciclo, faltando perceber por que razão: se devido à inabilidade de Sarri na condução da Juventus – que ganhou a Série A nas últimas nove edições –, se devido ao investimento do Inter. O campeonato acabou com os quatro primeiros separados por cinco pontos apenas, quando ainda há dois anos Cristiano Ronaldo e companhia tinham deixado o segundo a 11 pontos e o terceiro a 21.
Se olharmos para o facto de não haver na Liga dos Campeões um finalista fora dos cinco grandes campeonatos desde que o FC Porto ganhou a competição, em 2004, verificamos que a questão nem atinge apenas provas de índole nacional. É próprio do capitalismo favorecer o fenómeno em que os grandes vão ficando cada vez maiores – e alguns adeptos de futebol até encontrarão uma espécie de consolo no facto de os norte-americanos terem encontrado um antídoto para esta questão com a implementação dos drafts nas suas ligas profissionais, um sistema que permite às equipas mais fracas recrutar os melhores jogadores. Mas atenção: esse é um sistema que só funciona em Ligas fechadas e numa lógica em que os jogadores são contratados, primeiro, pela Liga, sendo depois “subalugados” às franchises que a compõem. Não é, portanto, um modelo aplicável ao futebol europeu, absolutamente (e felizmente, em alguns aspetos) desregulado.
Qual é o caminho, então? Parece que me repito quando o digo. Se a competição nacional não é minimamente disputada, é porque o paradigma mudou e a verdadeira competição já está a outro nível – neste caso o continental. Enquanto esse futuro não chega e continuarmos aqui todos a lutar contra moinhos de vento, há que gerir o que se tem com equilíbrio. E aqui é justo que nos batamos por uma distribuição mais equilibrada de receita, naturalmente vinda da centralização dos direitos televisivos, por exemplo. Mas também é legítimo que alguém se lembre de responder que assim só estamos a prejudicar as aspirações dos que poderão ainda bater-se por ser competitivos nesse futuro que se joga um escalão acima. Depende sempre do foco. Em Portugal estamos condicionados por termos uma das duas Ligas que seguem os cinco da frente em termos de valor desportivo. Mas não se iludam: enquanto as coisas forem seguindo este rumo, nunca mais lá chegamos.