Capacidade e legitimidade de Veríssimo
O que esperava o Benfica de Nélson Veríssimo? Que tirasse a equipa da lógica de insucesso de três anos? Podemos questionar a sua capacidade, mas uma coisa é certa: não tem legitimidade para o fazer.
Vamos ser claros: o Benfica não vai ser campeão em 2021/22. Está a doze pontos do FC Porto, quando faltam disputar 33, mas na verdade não tem de recuperar só esses 12 – tem de ganhar 18, esses doze mais os seis que o Sporting tem de avanço, no segundo lugar. É verdade que Sérgio Conceição disse na semana passada que ainda conta com o Benfica nas contas do título e que o próprio Nélson Veríssimo afirmou, depois de deixar mais dois pontos no Bessa, que o objetivo é o primeiro lugar, mas tanto um como o outro disseram o que tinham de dizer à luz do politicamente correto e nenhum deles responde à pergunta que aqui deixo: partindo do princípio de que ele não tem o dom de acelerar o tempo e de nos transportar já para Julho, afinal de contas, o que espera o Benfica de Veríssimo?
Quando cedeu à pressão dos jogadores e desistiu de Jorge Jesus, Rui Costa tinha uma de duas opções. Ou agarrava na tal máquina do tempo e entrava já na época seguinte, projetando-a com um treinador a quem quisesse confiar a equipa no futuro e aceitando que tudo o que ainda viesse da presente temporada viria por acréscimo; ou prolongava a agonia e geria o miserabilismo a que a equipa se remetera depois do desaire no Dragão, numa opção que, em si, mais não encerrava do que a ausência de decisão. Afinal, a escolha deste segundo caminho levou a equipa a entrar numa terceira via, a do regresso ao passado recente, nem por isso glorioso – o Benfica que deixou dois pontos no Bessa na sexta-feira tinha apenas uma das aquisições de 2021/22 no onze inicial (Lázaro) e foi com mais duas (João Mário e Radonjic) a jogar que deixou o adversário recuperar dos 2-0 que chegaram a parecer uma almofada de conforto muito razoável.
Se este Benfica é o Benfica de Weigl, Rafa e Taarabt – este, igual a si próprio no brilho e na instabilidade, no jogo do Bessa –, ainda por cima sem Pizzi, por que razão haverá de conseguir resultados diferentes aos que o deixaram no terceiro lugar em 2020/21? Há coisas boas neste Benfica de Nélson Veríssimo, cujo mérito terá necessariamente de ser atribuído ao treinador interino. O jogo com o Boavista mostrou, nos primeiros 45 minutos, um brilho coletivo que não se vê muito na Liga Portuguesa, nem sequer às duas equipas que seguem à frente dos encarnados. O FC Porto e o Sporting são, isso sim, esmagadoramente mais consistentes – e é a consistência que ganha campeonatos. Veríssimo trouxe a este Benfica a certeza de que Gonçalo Ramos conta, num híbrido entre terceiro médio e segundo ponta-de-lança, deu uma ideia coletiva à conjugação do miúdo com Darwin e Grimaldo, criando movimentos e contra-movimentos que podem ser terrivelmente eficazes, mas depois esbarra nos problemas em que já esbarrou, por exemplo, Rúben Amorim, quando chegou ao Sporting: é que nem todos os bons jogadores são jogadores bons.
A questão não está na denúncia feita por Luís Miguel Henrique à CNN. “Jesus nunca teve os jogadores que queria para as posições-chave”, afirmou o advogado do ex-treinador, aludindo aos defesas-centrais e ao médio-centro que este quereria. Jesus, se o deixarem, quer sempre mais um e mais um e mais um, porque aquele que chegou afinal não é tão bom como aquele que está para vir. A questão é haver uma identificação clara, de acordo com uma ideia e com os princípios de jogo pretendidos, dos elementos que já esgotaram a sua contribuição e que só estão a jogar em função da aplicação do princípio de Peter. Antes de ser campeão, Rúben Amorim deixou cair Wendel, Vietto, Acuña, Doumbia ou Ristovski, para apostar em Matheus Nunes, Pedro Gonçalves, Porro, Tiago Tomás ou Nuno Mendes. Os que saíram eram todos bons jogadores, mas o treinador terá sentido que precisava de coisas diferentes para fazer vingar a sua ideia. E tinha a reforçar a sua legitimidade o facto de o Sporting ter acabado de o tornar o terceiro treinador mais caro de sempre, pagando a cláusula de rescisão para o tirar ao SC Braga.
Nélson Veríssimo não será, provavelmente, o treinador do Benfica em 2022/23. O próprio já o deixou implícito há um par de semanas, quando falou em “quem vier a seguir”. Desta época, resta-lhe dar o que pode para fazer uma boa figura na Liga dos Campeões, eventualmente até eliminar o Ajax – o que não é fácil, porque os holandeses são favoritos –, e sobretudo tentar chegar ao segundo lugar na Liga, evitando ao sucessor o aborrecimento que é jogar as rondas preliminares da próxima Champions. No percurso, duas dúvidas podem surgir. Uma, que é aquela em que toda a gente se centra, é se ele terá a capacidade para pensar o futebol do Benfica fora da lógica de insucesso que já dura desde Agosto de 2019. A outra, em que poucos pensaram, é se ele tem a legitimidade para o fazer. E aqui, claramente, a resposta é não. É isso que torna a opção de Rui Costa em Dezembro calamitosa para este Benfica.
Escutando os vários especialistas do futebol para tentar perceber o que se passa de errado numa equipa que tem um plantel com qualidade bem superior ao Porto e Sporting em meu entender, chego a duas conclusões.
Este Veríssimo tem falhado no modo de mexer na equipa tacticamente e ninguém ainda percebeu qual o plano em cima da mesa neste momento para o futuro.
Acredito na estrutura do Benfica, que são pessoas altamente capacitada para darem a volta ao texto e que estão a trabalhar para um futuro sólido.
A meu ver, houve um erro ao apostar em Jesus e abandonar o projecto total que vinha em apostar na formação.
Jesus quer todos os jogadores do mercado e os que têm em casa nenhum serve.
Ou o Benfica está a trabalhar já no projeto futuro, ou estará a caminhar para a travessia no deserto.
O adepto é pouco racional. O que não é necessariamente mau, porque o futebol (negócios à parte) é um desporto de emoções. Mas a um presidente, mesmo que também ele seja um adepto fervoroso, pede-se maior controlo, a tal racionalidade. Juntando-lhe a capacidade - e por que não dizê-lo, a coragem - de tomar decisões. Creio que faltou um pouco de tudo isso a Rui Costa. Deixou cair Jesus levado na onda das bancadas e das redes sociais e apostou em Veríssimo na secreta esperança (creio que partilhada por todos os benfiquistas) de que se pudesse repetir um "fenómeno Bruno Lage". Até porque Veríssimo estava a fazer um extraordinário trabalho na equipa B. Parafraseando Ruben Amorim quando chegou a Alvalade: "E se corre bem?". A verdade é que esta entrada de Veríssimo tinha quase tudo para correr mal. A começar pelo interior do próprio balneário, que deu uma ideia de força para o exterior que só poderia ser, digamos assim, controlada, com um treinador de pulso firme e com mais histórico. Veríssimo entrou numa posição fragilizada perante o balneário e a própria cúpula do clube, que o entendeu à partida como treinador a prazo. As mudanças táticas esbarram num plantel que não foi formado por si, num abaixamento de forma considerável de muitos jogadores e na falta de vontade de outros. O próximo treinador terá de reformatar o balneário (detesto o conceito de "limpeza de balneário"), escolher os jogadores para a sua ideia de jogo e, provavelmente, disputar as fases de acesso à Liga dos Campeões. Sendo eliminado, lá volta uma época a ficar condicionada logo à partida e, também muito provavelmente, com contestação imediata. Voltamos à razão e à coragem. Rui Costa teve duas opções claras: manter Jesus; ou, dispensando-o, contratar de imediato um treinador para preparar a próxima época. Não havia nomes em condições dispostos a assumir isso? Que diabo, não é Rui Costa que consegue convencer craques a virem para o Benfica? Por que há de ser diferente com os treinadores? Existem com certeza muitos treinadores, com provas dadas, que não desdenham o desafio de assumir o clube. Agora, exigirão é tempo e segurança. Quer em relação aos adeptos, quer em relação ao tal balneário cheio de força. O problema é que, perante as duas opções que referi, Rui Costa optou por uma terceira via: a não decisão. Para não levantar muitas ondas entre os adeptos, nem manteve Jesus nem foi buscar um treinador para a próxima época, para não assumir que esta estava perdida. Foi buscar Veríssimo e deixou andar. Um andar que, como era previsível, tem redundado em trambolhões sucessivos. Será agora que Rui Costa vai decidir?